Publicado em 26/04/2019 às 05:00:51
Quase sempre a Classificação Indicativa na televisão aberta entra em discussão, seja por críticas ou defesa da política pública. A nova polêmica envolvendo o assunto vem do Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais, por meio das ações civis públicas que o procurador da República Fernando de Almeida Martins vem movendo contra as emissoras, por entender que há exibição de programas em horários inapropriados.
Em conversa exclusiva com o NaTelinha, o procurador de 51 anos rechaçou qualquer acusação de censura. “Não existe qualquer ‘cruzada’ contra excessos. (Nós do MPF) Queremos apenas o cumprimento das normas de classificação indicativa. As ações são recentes, mas esperamos que o Poder Judiciário elimine a prática de desrespeito pelas emissoras do horário das faixas etárias”, afirma.
Em 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que previa multa e suspensão de programação da emissora que exibisse programa “em horário diverso do autorizado”. Relator do caso, o ministro Dias Toffoli declarou em seu voto que “não é papel do Estado” definir “o que deve ou não ser veiculado em determinado horário na televisão”.
“Não há, sequer, como defender a ideia paternalista de que, no caso da televisão aberta, e diante da dificuldade em se ter a presença dos pais o tempo todo ao lado dos filhos, se justificaria a proibição de transmitir a programação em horário diverso do classificado”, disse Toffoli no julgamento Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre o assunto (ADI 2404). Seu voto foi seguido pela maioria da corte.
O professor de Direito e juiz aposentado Luiz Antonio Soares Hentz, ouvido pela reportagem, diz que a decisão do STF é “irrecorrível”: “Em relação à ameaça de multa e de suspensão da programação das emissoras de rádio e TV que exibirem programas em horário diverso do indicado, ela não mais existe. Pode haver indicação do órgão federal, mas não proibição e punição”.
Entretanto, o Ministério da Justiça (MJ), responsável pela Classificação Indicativa, passou a considerar que a decisão do STF poderia ter interpretações diversas, após reuniões com o Comitê de Acompanhamento da Sociedade Civil para a Classificação Indicativa (CASC-Classind).
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“Foi retirada, portanto, da norma cogente a autorização horária, sujeita a multa, mas foi mantida a classificação indicativa e a recomendação de faixa horária específica de cuidado ao público infanto-juvenil, sujeita ao controle judicial de eventuais abusos”, diz o MJ em um dos ofícios endereçados ao MPF-MG. E o abuso, na visão do procurador da República, é exibir um programa fora do horário sugerido.
“A ADI 2404 não retirou a sanção e a obrigatoriedade, por parte das emissoras abertas, de seguirem essa vinculação horária. Ela simplesmente declarou a inconstitucionalidade de dispositivo específico do ECA que estabelece multa administrativa e suspensão de programação às emissoras de rádio e TV que exibirem programas em horário diverso do autorizado pela classificação indicativa. Assim, manteve-se a possibilidade de ação por danos morais coletivos em caso de descumprimento do horário de proteção infanto-juvenil”, defende na entrevista.
Agora, cabe ao Poder Judiciário definir se há abuso de fato. Para a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), há uma tentativa de “restabelecer um caráter vinculativo e compulsório à classificação indicativa, o que contraria a decisão do STF, que resguardou as liberdades de manifestação de pensamento, da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, e afastou qualquer possibilidade de censura prévia”.
“O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 2404, considerou inconstitucional a imposição de horários pelo Ministério da Justiça para a veiculação de programas pelas emissoras de radiodifusão. A classificação indicativa tem caráter informativo, sendo um instrumento à disposição dos pais ou responsáveis para a orientação das crianças e adolescentes, da maneira que compreenderem mais adequada”, conclui a instituição.
Desde outubro de 2018, o MPF-MG vem ajuizando ações contra atrações televisivas por danos morais coletivos. Já foram alvos os programas “Sai de Baixo” (12 anos, 14h), “O Álbum da Grande Família” (12 anos, 15h50), “O Tempo Não Para” (12 anos, 19h, encerrada em janeiro) e “Belíssima” (12 anos, 16h50, finalizada em janeiro), exibidos pela Globo; e “Teresa” (12 anos, 17h), novela mexicana do SBT que exibiu seu último capítulo na última terça-feira (23).
Sobrou até para a TV Aparecida, que assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) por causa da exibição da novela “Coração Esmeralda” (12 anos, 19h).
Para embasar as ações, Fernando Martins recebe sempre do MJ uma lista com as atrações exibidas em horário fora do recomendado. A primeira tabela com essas informações foi encaminhada ao procurador em 27 de setembro de 2018, sendo atualizada posteriormente com a inclusão de novos programas. A reportagem teve acesso ao quadro, que você pode conferir abaixo:
Em um primeiro momento, buscou-se celebrar acordos com os canais, mas só a TV Aparecida aceitou. No processo movido contra “Belíssima”, a Globo chegou a assinar uma ata de conciliação com o MPF, em 19 de novembro de 2018, em que se comprometia a não veicular cenas impróprias à tarde. “Ela não cumpriu, razão pela qual o Ministério da Justiça nos encaminhou posteriormente o monitoramento (da novela), atestando o descumprimento do acordo”, explica o procurador, que recebeu capítulos da reprise e relatórios técnicos expedidos pelo Governo Federal.
Nos processos posteriores, a Globo passou a recusar TACs, atitude semelhante tomada pelo SBT. O MPF aguarda posicionamento ainda neste mês de abril da Band e da Record, para saber se elas topam o acordo.
O NaTelinha procurou todas as emissoras envolvidas no assunto para se manifestarem.
A Globo, em nota, afirma que sua programação respeita a sensibilidade do público e que “a classificação indicativa é um instrumento à disposição dos pais para que estes decidam os conteúdos a que seus filhos podem ter acesso. Não pode ser utilizado com o fim de censurar programas ou impor horários, como já decidiu o STF”.
“Os programas são feitos com o objetivo de entreter, informar e contribuir para a educação da família brasileira, abordando com seriedade e respeito temas de interesse da sociedade. A emissora apoia o papel informativo da classificação indicativa e renova seu compromisso com uma programação plural e identificada com seus telespectadores”, finaliza.
O SBT também se posicionou: “O SBT respeita os valores da família e desenvolve sua programação de forma a atender aos interesses dos telespectadores. A emissora não pratica irregularidades que acarretem assumir compromissos com o MPF”.
A Band conta que “não recebeu qualquer notificação do Procurador Fernando Martins, sobre este ou qualquer outro tema. Contudo, reafirma que cumpre a legislação em vigor, no que se refere a Classificação Indicativa”.
A TV Aparecida alega que respeita as normas de classificação vigentes: “A TV Aparecida, enquanto empresa concessionária de serviços públicos de radiodifusão de sons e imagens, atuante no ramo educativo e evangelizador, inclusive por força estatutária, sempre teve todo o cuidado e zelo ao exibir conteúdos que se adequem tanto à sua proposta, que é produzir uma programação própria para a família brasileira, quanto ao perfil de seu público”.
Por fim, a Record não quis se pronunciar.
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