Publicado em 26/12/2018 às 06:30:25
Se ainda estivesse em operação, a Rede Manchete teria completado 35 anos em 2018. De propriedade do empresário Adolpho Bloch, a emissora entrou no ar em 5 de junho de 1983. A “Televisão de primeira classe” - como dizia em seu slogan de lançamento - teve uma curta trajetória de vida, encerrada da pior forma possível em maio de 1999, mas foi o suficiente para ficar guardada nas lembranças do público e marcar a história da TV no Brasil.
O fim da Manchete - episódio que completará 20 anos em 2019 - foi um grande baque, em que todos saíram feridos, no fim das contas: funcionários, donos e, claro, toda a memória audiovisual de uma época de profundas mudanças na sociedade brasileira. Além das dívidas de diversas naturezas (trabalhistas, com fornecedores e com o Governo Federal), o acervo do canal segue paralisado, sem qualquer movimentação para que possa ser utilizado ou, até mesmo, recuperado.
Durante quase seis meses, a reportagem investigou dois pontos sobre a antiga emissora dos Bloch: a situação atual da massa falida da TV Manchete Ltda e o destino do seu acervo audiovisual.
Em conversa exclusiva com o NaTelinha, o advogado Manuel Antonio Angulo Lopez - atual síndico da massa falida da Manchete - deu um panorama pragmático sobre a situação: “Ainda há muitas dívidas a serem sanadas. Mas, não sei informar, por ora, o total passivo fiscal (saldo devedor)”.
Apesar do síndico não saber quantificar o valor de todos os débitos, com todos os credores, dá para ter noção de grande parte dessa quantia.
Dívidas beiram o meio bilhão
Em consulta à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), entidade do Governo Federal responsável pela cobrança dos devedores da dívida ativa da União, até o dia 23 de dezembro de 2018, os oito CNPJs em nome da “TV Manchete Ltda” acumulavam um débito de R$ 536.745.416,82. Nesse valor, inclui-se FGTS, Previdência Social e dívidas Não-Tributárias.
Esse passivo fiscal poderia estar menor, caso os empresários Amílcare Dallevo e Marcelo de Carvalho tivessem pago os encargos prometidos quando compraram as concessões da Manchete para criar a RedeTV!, em 1999.
No entanto, como a RedeTV! não foi considerada sucessora das dívidas da emissora dos Bloch - após decisão transitada em julgado do Superior Tribunal de Justiça -, só resta os pagamentos serem feitos após leilões judiciais do espólio, como os imóveis, objetos e acervo audiovisual.
“O prédio da Casa Verde (São Paulo) foi dividido entre a TV Manchete e a Bloch Editores, e será levado à leilão. Os demais imóveis que eram da emissora (Complexo de Água Grande, no Rio; Área de transmissão no Sumaré, na capital paulista; e regionais de Olinda, Belo Horizonte, Fortaleza) também serão leiloados para pagamento do passivo, assim como o acervo”, comenta o síndico Manuel Lopez.
Vale lembrar que o clássico prédio que abrigou o canal, localizado na Rua do Russel, no Rio de Janeiro, não é de propriedade da massa falida da TV, e sim da Bloch Editores. Por sinal, ele já foi leiloado para pagamento das dívidas desta outra empresa.
Por diversas vezes, a reportagem procurou Pedro Jack Kapeller - o Jaquito, sobrinho e herdeiro de Adolpho Bloch - para se manifestar sobre a situação, mas não tivemos retorno.
Bloch Som e Imagem
Se somarmos as dívidas em nome da TV Manchete Ltda com a Bloch Som e Imagem Ltda - aquela empresa criada pela emissora para evitar que os direitos das novelas produzidas de 1995 em diante ficassem presos à massa falida em caso de concordata -, a dívida cresce para R$ 644.808.974,51.
No entanto, é bom ressaltar que são entidades diferentes, e enquanto o CNPJ da Manchete aparece com “baixa por inaptidão”, o da Bloch Som e Imagem segue ativo junto à Receita Federal. O NaTelinha tentou insistentemente contato com a advogada Ana Paula Pina Correia, que aparece como representante da Bloch Som e Imagem nos processos, sem sucesso.
Memória que se perde
Muita gente questiona o destino do acervo audiovisual da TV Manchete. Mas uma coisa é fato: essas fitas, em sua maioria do formato U-Matic, estão se perdendo por falta de conservação e de toda a problemática envolvendo a massa falida e direitos autorais.
A TV Cultura (Fundação Padre Anchieta) recebeu uma doação de mais de 3.800 fitas há mais de 10 anos. Muito se especulou sobre o conteúdo, mas esse material é referente a filial da Manchete em São Paulo - não tem, necessariamente, a ver com o conteúdo nacional.
Por muito tempo, o acervo da programação de rede da Manchete (novelas, jornais e entretenimento, e o conteúdo regional do Rio de Janeiro) ficou apreendido no prédio da Rua do Russel - propriedade da Bloch Editores -, até a separação do que pertencia à TV.
Atualmente, essas fitas foram levadas a um depósito localizado na Zona Leste de São Paulo, em nome de Sérgio Pereira - indicado pelo síndico da massa falida e aprovado pela Justiça no processo de falência. “Desde que foram arrecadadas no Rio de Janeiro, as fitas estavam apenas armazenadas em um galpão sem as condições que deveriam estar. Estavam sob calor insuportável, num local repleto de poeira e estavam bem deterioradas”, relata Manuel Lopez.
Os arquivos das regionais de Belo Horizonte, Recife/Olinda e Fortaleza, se perderam. De acordo com alguns funcionários antigos da empresa nessas cidades, que pediram para não serem identificados na reportagem, não houve interesse da massa falida em buscar esse material, apesar dos inúmeros alertas e avisos.
Na filial de Recife/Olinda, por exemplo, as fitas da emissora chegaram a ser guardadas no então estúdio do Pernambuco em Manchete, que ficava na base da torre de transmissão. A ação do tempo foi danificando o material, que virou pó de vez este ano, após uma invasão de vândalos.
Sem recuperação
A restauração do acervo da emissora parece ser utopia. Em 2013, após repercussão de uma matéria do jornal O Globo sobre o assunto, a Cinemateca Nacional chegou a anunciar a digitalização das fitas da Manchete, que estavam em posse da TV Cultura.
“Houve à época uma série de discussões sobre o projeto, mas não houve continuidade”, explicou, em nota, o Ministério da Cultura (MinC), responsável pela instituição. De acordo com a assessoria do MinC, não há nenhum arquivo da Manchete guardado na Cinemateca.
Por mais de dois meses, a reportagem aguardou uma prometida manifestação da diretoria jurídica da TV Cultura sobre o assunto, mas não fomos respondidos. Entretanto, em conversa informal com funcionários da emissora educativa, sabe-se que essas fitas estão conservadas e limpas, mas não podem ser utilizadas, revendidas ou doadas por causa do impasse da massa falida.
Caso não haja uma intervenção federal, as primeiras imagens da Manchete só cairão no domínio público em 2053, quando passar da barreira dos 70 anos de sua primeira veiculação, tal qual versa a legislação brasileira sobre o assunto.
Curiosidades
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Apesar de ter ganho do governo cinco concessões da antiga Tupi em 1981, Adolpho Bloch esperou um bom tempo para organizar o lançamento de sua emissora de televisão - inclua-se nisso prédios e equipamentos, parte de um projeto cultural ambicioso que não vingou em virtude de problemas financeiros.
Em 5 de junho de 1983, a Manchete estreou apenas em quatro cidades, três delas com emissoras próprias - Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte -, e uma com afiliada - Porto Alegre -, exibindo o programa especial “O Mundo Mágico” e o filme “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”.
As outras duas concessões só entraram em operação no ano seguinte, em decorrência de atrasos nas obras de suas sedes e antenas. A regional de Fortaleza estreou em 12 de fevereiro de 1984, exibindo localmente “O Mundo Mágico” e o longa. No dia seguinte, passou a seguir a rede.
Já a Manchete de Recife, que era sediada em Olinda, estreou em um sábado de Carnaval: 3 de março. Além da exibição de “O Mundo Mágico”, a emissora mostrou um especial sobre o músico pernambucano Capiba e, depois, seguiu a rede nacional com as transmissões das escolas de samba.
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