Publicado em 06/05/2020 às 11:04:23
"Como isso poderia te machucar quando parece tão bom?", questiona Madonna na música Hollywood, escrita e produzida por ela, em parceria com Mirwais Ahmadzaï, para American Life, de 2003, seu nono álbum de estúdio. Passados 17 anos, os versos caem quase que como uma luva para Hollywood, minissérie lançada pela Netflix na última sexta-feira (01).
Assinada por Ryan Murphy e Ian Brennan, a narrativa se passa em 1947 expondo o auge do Star System, uma sacada criativa da ainda engatinhante indústria cinematográfica norte-americana com o propósito de refletir aspirações da sociedade nas figuras de jovens atores e atrizes.
O intuito do método era atrair multidões para as salas de cinema, e, claro, faturar alto com isso. Nele, os artistas assinavam contratos exclusivos e de longo prazo junto aos estúdios, que passavam a controlar suas carreiras e, sobretudo, suas imagens. Eram minuciosamente convertidos pelos chefões da indústria em astros e estrelas. Marilyn Monroe, Grace Kelly, Rock Hudson, Marlon Brando e James Dean foram alguns dos nomes "construídos" pelo reluzente Sistema das Estrelas – tão lendário como o próprio letreiro homônimo que brilha no famoso e badalado distrito de Los Angeles.
"O cinema norte-americano percebeu o fascínio em torno de pessoas célebres e estruturou o sistema, que se mostrou um modelo de negócios altamente rentável. Os executivos compreenderam muito rapidamente, ainda nos primórdios da indústria, que pessoas bonitas e talentosas poderiam se tornar modelos a serem admirados, em seguida invejados e finalmente seguidos. A estratégia era vender ingressos para filmes, mas também influenciar hábitos de consumo de indivíduos comuns, promovendo um estilo de vida considerado ideal", conta Higor Gonçalves, jornalista especializado em personal branding (gestão estratégica de marca pessoal).
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Gonçalves explica que por meio de contratos exclusivos, os estúdios passaram a comandar as carreiras dos artistas, determinando quais trabalhos iriam fazer. O nível de interferência era tanto que os próprios executivos decidiram também gerenciar as imagens pessoais de atores e atrizes, que seriam, evidentemente, associadas a produtos, serviços, marcas e padrões de comportamento.
O modelo se consolidou, foi estendido a outras plataformas, como televisão e música, e exportado para diversos países. Embora proibida pela Justiça dos Estados Unidos em 1948, que passou a coibir a prática, versões mais ou menos estruturadas do Star System espalharam-se e chegaram a inúmeros outros mercados: de Bollywood, na Índia, até os Estúdios Globo, antigo Projac, no Brasil.
A onipresença do Sistema das Estrelas fica evidente quando, no showbusiness brasileiro moderno, observam-se nomes como Marina Ruy Barbosa, Lázaro Ramos, Taís Araújo, Bruna Marquezine, Ivete Sangalo, Anitta, Luciano Huck, Angélica, Neymar, Eliana e Ana Hickmann, que faturam alto com suas imagens e reputações. Campanhas publicitárias, merchandisings, presenças VIP e posts patrocinados em mídias sociais, por exemplo, são algumas das múltiplas fontes de receita dessas personalidades.
As celebridades brasileiras movem uma indústria vibrante formada não apenas pelos próprios famosos, mas por um séquito de managers, stylists, cabeleireiros, seguranças, assistentes, fotógrafos, maquiadores, fonoaudiólogos, assessores de comunicação e uma infinidade de outros especialistas.
Constituído de atores, passando por intérpretes da música e por atletas, o Olimpo do showbiz brasileiro é grande. Mas o de aspirantes a divindades é ainda maior: influenciadores digitais, ex-integrantes de reality shows e profissionais das mais diversas áreas também almejam um pedacinho do céu.
Todos estes aspectos levam a uma pergunta: por que figuras célebres encantam? "Por causa da inveja. Ou melhor: da 'institucionalização da inveja'. Esse é o motor da indústria das celebridades. Funciona assim: as pessoas querem ser exatamente quem admiram e seguem. Como isso é impossível, elas tentam se parecer ao máximo, chegando o mais perto possível. Por isso, não é de surpreender que copiem roupas, calçados, cortes de cabelo, padrões corporais e estilos de vida. Esta é a razão pela qual anunciantes dos mais variados tipos contratam personalidades famosas para comunicar e vender. Portadoras de atributos que o público deseja, e que valorizam e endossam produtos, serviços e marcas, as celebridades são capazes de influenciar o consumo e estimular a adoção de um padrão de comportamento", respondeu Higor.
E concluiu: "Mas, para a 'magia' funcionar, é imprescindível que elas controlem a percepção do público. Ou seja: a própria imagem. Que apareçam enfatizando atributos como beleza, talento, caráter e poder; características capazes de despertar a cobiça. Se a performance falhar em algum ponto importante, entra em cena o oposto do fascínio: a crise de imagem e a satisfação do público em ver os próprios ídolos humilhados. É uma relação ambivalente, de amor e ódio".
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