Publicado em 09/08/2021 às 07:34:42,
atualizado em 09/08/2021 às 09:56:27
A estreia de Nos Tempos do Imperador acontece nesta segunda-feira (09) na Globo, e, entre tantas curiosidades, uma vem chamando ainda mais a atenção: a presença de Selton Mello no elenco. O ator, que ficou fora do formato por mais de 20 anos, dará a interpretação para Dom Pedro II, o protagonista da história criada por Alessandro Marson e Thereza Falcão. E ele faz questão de lembrar que, por conta da pandemia, não sabe dizer o que mudou nas telenovelas brasileiras no período em que esteve fora, além de mostrar seu estilo de criação de personagem e também defende a Lei Rouanet.
Em entrevista exclusiva ao NaTelinha, Selton fala de vários assuntos, inclusive seu retorno para a telenovelas, num papel tão emblemático, que ele próprio pediu para interpretar. Mas fala muito sobre Nos Tempos do Imperador, trama que faz parte de uma possível trilogia da dupla de autores, e não se furta de responder o que pensa do momento atual do país e da cultura brasileira.
Como Nos Tempos do Imperador é uma produção gravada totalmente por causa da pandemia da Covid-19, o ator garante que irá assistir a trama como telespectador e chega a falar sobre Rayssa Leal, a Fadinha do skate do Brasil, ao explicar seu processo de criação ao pensar nos personagens.
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Selton, você ficou muito tempo fora do set de filmagens de novelas, mas trabalhando. Como todos dizem, novela é um trabalho mais industrial, por isso a pergunta: mudou muita coisa no método de gravação de seu último trabalho para agora, sem considerar os protocolos sanitários?
Acho que exatamente pelos protocolos sanitários, não consegui ter uma experiência de como é uma novela hoje em dia para poder comparar com a minha última, que foi ‘Força de um Desejo’, em 2000. Mas continua sendo um trabalho muito árduo, de muita concentração, porque são muitas cenas diariamente, muito texto para decorar, muito volumoso – e basicamente eu acho que essa é a maior dificuldade. Mas eu também adoro esse lado, porque é uma espécie de maratona pessoal: dar conta, conseguir memorizar tudo, colocar a sensibilidade `a serviço do trabalho e fazer as cenas. Têm cenas que é para você brilhar, têm outras que não, é apenas uma cena de passagem e você está ali fazendo uma escada para alguém. É muito bonito, gosto bastante. Foi a minha escola, cresci fazendo novela. Com 11, 12 anos de idade eu já tinha três novelas nas costas e foi ali que eu aprendi, vendo outros atores, outras formas de trabalhar. Estou me sentindo voltando para a escola.
Por falar nisso, você gravou muitos capítulos antes da pandemia e depois teve mudanças intensas por causa dos protocolos. Qual foi sua maior estranheza em gravar em período de pandemia?
Comecei antes da pandemia e, quando a pandemia interrompeu a novela, fizemos ‘Sessão de Terapia’ com os protocolos. Ali já serviu como parâmetro de como trabalhar com protocolos. Já saquei ali como era, com todas as atenções e cuidados, e depois foi aplicado na novela. Então, eu já tinha tido essa experiência no ‘Sessão’, que fizemos exatamente nesse hiato da novela. É muito curioso, porque no fim das contas, eu não vou ter feito uma novela “normal” para poder avaliar o que mudou. Por exemplo, cenas com muita figuração hoje em dia são resolvidas na pós-produção, com tecnologia. Muita coisa eu não consegui saber como é, mas tudo bem, porque estou ali mergulhado nesse personagem, na sua história, em todas as suas facetas e possibilidades. É um personagem muito rico, e também uma grande responsabilidade.
E como você é um autor que pensa em cada detalhe ao compor um personagem, foi difícil essa interrupção? Ao voltar a gravar, você teve dificuldades para recuperar o tom do personagem?
Não, é como andar de bicicleta. Quando a gente retomou, foram só uns dias para lembrar como era e se reacostumar com a roupa, que não é confortável, principalmente no calor. Na vida eu gosto mais de frio, de serra. Então é difícil as vezes aquela roupa de veludo em um lugar quente, mais ainda para as atrizes. Isso é mais difícil que decorar texto e lembrar como fazia o personagem, mas a dificuldade física do calor, para mim pesa. Agora está uma temperatura excelente, está ótimo de gravar!
No período em que esteve fora, você foi cogitado em alguns papéis, inclusive chegou a comentar que foi convidado para Avenida Brasil. Olhando para trás, se arrepende de ter ficado tanto tempo fora das novelas?
São escolhas. Quando a gente escolhe um caminho, tem sempre os outros noventa e nove que você fica olhando e fala ‘humm, fiz bem ou fiz mal?’. Mas foi de coração, as coisas que realizei nesse período longe das novelas me deram muita satisfação. Eu até posso ter me arrependido aqui ou acolá, mas ao mesmo tempo, muito contente com as coisas que realizei. Olhando pra trás, gosto do que eu vejo.
Vamos falar um pouco de Nos Tempos do Imperador: Seu personagem é um dos mais importantes da História do Brasil, como é a responsabilidade e o prazer de interpretá-lo?
O prazer é enorme! Fazer um homem que faz parte do imaginário do Brasil, tão importante. Ao mesmo tempo, uma responsabilidade muito grande. Tem pessoas que idealizam esse Dom Pedro, de uma forma X, outro de forma Y. Um acha isso dele, outro aquilo... Eu estou fazendo o que os autores escreveram, um recorte de um período desse personagem. E estou fazendo seguindo minha intuição, minha sensibilidade, minha impressão sobre esse homem, esse Imperador, esse cidadão, esse pai, esse cara que era muitas coisas. É muito gratificante, muito emocionante trabalhar com um material assim tão raro.
O que esperar de Dom Pedro II, da novela? Porque o Dom Pedro I, mostrado em Novo Mundo, passava longe de ser um mocinho de novela porque era muito complexo e cheio de defeitos, isso vai se repetir?
Ótima pergunta! Sim, vai se repetir. Ele é um homem, errou, vacilou aqui, falhou ali. Ao mesmo tempo, fez coisas extraordinárias do outro lado, coisas que as biografias não conseguem responder completamente. Fazer esse personagem é diariamente descobrir essas falhas, essa humanidade no final das contas. E eu acho isso muito bonito, porque o público vai ter a chance de pensar junto , de ter dúvida, de estudar, de refletir “será que foi assim?”. Se criar essa reflexão, já é o máximo. Estaremos fazendo entretenimento e também levando cultura, reflexão, curiosidades sobre a nossa história. Conhecer o passado para iluminar o presente e tentar não repetir erros no presente e no futuro.
Como foi seu processo de composição para o personagem? Foi ler sobre Dom Pedro, estudar o assunto ou preferiu se distanciar do personagem real?
Eu leio bastante, li muitos livros, com vertentes diferentes, com autores que achavam coisas diferentes dele, para eu poder ter elementos distintos. E depois eu vou e faço. Como eu era na infância atuando. Para mim, atuar é algo leve. Por isso fiquei tão comovido com a Raíssa, nossa skatista medalhista, fiquei muito comovido com essa menina, porque ela estava ali, fazendo o trabalho dela, com leveza, se divertindo. Fiquei emocionado. Assim que eu era e assim que eu sou como ator. Me divirto, é leve, não tem grandes psicologismos ou preparações. Eu já sabia desde cedo que esse era o meu caminho, então eu continuo trazendo essa leveza para o meu trabalho. Claro, respeitando o processo histórico, respeitando traços marcantes desse personagem. Mas, ao mesmo tempo, fazendo do meu jeito, como eu imaginei que ele poderia ser.
Sobre o período que o Brasil vive, você acha que a cultura vive um momento delicado?
Não apenas a cultura. Vivemos tempos obscuros, que flertam com um Brasil ultrapassado. Em tempos assim, a cultura sempre é escanteada, sucateada, como se fosse algo não importante. Mas sempre vamos nos reinventar, podem tirar tudo dos profissionais da cultura, mas nunca podem tirar o poder de nossa imaginação e inventividade.
Você é um árduo defensor do cinema brasileiro e o atual governo faz muitas críticas a filmes e também a Lei Rouanet. O que você pensa de incentivo público para fomentar o cinema?
O incentivo público é usado em dezenas de países, França, Alemanha, incluindo os Estados Unidos. Pelo fato de compreender que além do entretenimento existe a elaboração de quem somos. A cultura é o espelho de um país. E é uma economia fortíssima, gera lucros gigantes para os cofres públicos, muitos empregos. Há pouco tempo, quando estávamos a pleno vapor, a cultura gerava mais dinheiro para o país do que o turismo, por exemplo. Ajustes sempre devem ser feitos, mas não encerrar um ciclo virtuoso que leva o Brasil para todo o mundo, mostrando nossa diversidade e capacidade criativa. Mesma coisa no esporte, é preciso investir mais nos atletas. O Collor acabou com o cinema, depois veio a retomada e coisas absolutamente potentes foram criadas, fiz parte de muitas delas, e assim devemos nos levantar em breve.
Está preparado para se ver todos os dias na tela depois de tanto tempo? Pretende assistir a novela?
Adoro assistir! Tem atores que não gostam, né? Mas eu vou ver e falar “aqui eu fiz melhor; hum, errei; aqui estou bem”. Assistir é parte do processo, a gente aprende fazendo. E pretendo super assistir à novela. A gente também tem tanto volume de trabalho, e essa novela tem um elenco maravilhoso, com um trabalho extraordinário, que eu não estou vendo o que eles estão fazendo. Então vou assistir como um espectador, me surpreendendo com os meus colegas, fazendo aventuras e romances e coisas que eu nem sabia, porque não estava com eles nas cenas. Como ainda estamos gravando, pretendo durante um período assistir como se fosse uma série: domingo, que é a folga, certamente vou assistir seis capítulos, vou maratonar a novela. Contar nossa História para reviver o passado, como uma forma de não cometer os mesmos erros no presente e iluminar o futuro.
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