Os Jogos Olímpicos do Rio, por Flavia Delaroli

NaTelinha convida mulheres da TV para escreverem crônicas sobre a Olimpíada

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Por Redação NT

Publicado em 24/08/2016 às 15:10:03

Durante 17 dias, o mundo se voltou ao Brasil, onde aconteceu a Olimpíada do Rio de Janeiro, de 5 a 21 de agosto. Esta edição foi das mulheres, já que contou com a maior participação feminina da história, com 45% de todos os atletas.

Elas nos deram alegrias em todas as modalidades, demonstrando muita garra, com cenas emocionantes, históricas e ganhando mais medalhas que os homens no geral. Pensando nisso, nessa fase pós-Olimpíada, o NaTelinha criou "Os Jogos pelas Mulheres", onde destaques femininos das transmissões na TV escrevem textos especiais para o site e contam como o evento passou pelos seus olhos.

Na estreia da série, Flavia Delaroli, comentarista de natação na ESPN.

Confira:

Oito anos. Tempo que passou da última vez que estive em uma Olimpíada. Destes, quatro foram ainda nadando. Os outros foram compostos por oito meses de gravidez, dois sendo mamãe e mais um tanto sendo estudante (de cursinho e depois faculdade de nutrição, ainda em andamento).

O amor estava lá, mas eu não lembrava mais. Tinha muita sombra, muito asco de uma vida que eu não queria mais (apesar de muito grata por tudo). Eu sabia que tinha os Jogos como sagrados, mas a relação com a natação não era tão boa e se misturava. Sério, não entro em piscina por nada mais. Ok, pelo meu filho sim. Além disso, 2008 me traz dor. Pra sempre. Nadei mal e isso pra mim equivale a dor. O que quero dizer é que a última lembrança real do que os Jogos Olímpicos significam pra mim é de 2004, quando fui finalista olímpica nos 50 metros livre com o melhor tempo da vida - até aquele momento. A realização me permitia amar tudo aquilo, a dor me fez querer esquecer.

Mas estava ali, na sexta-feira, dia 5 de agosto de 2016, foi só olhar pra trás na cobertura de um apartamento onde a ESPN tinha estúdio: o Parque Olímpico todo iluminado. O que é isso que eu estou sentindo? - logo pensei. Não decifrei, me permiti sentir somente.

Aí veio a cerimonia de abertura. De repente, tudo o que estávamos tentando traduzir para as pessoas ficou claro. Todo mundo pirou na pira! As luzes internas acenderam. Chegando na piscina pela primeira vez e, olha lá! Caras conhecidas! Alain Bernard, Fernando Scherer, Gustavo Borges, Laure Manaudou, Jose Meolans, Rick Neethling. Espera, onde estou? Pelo amor de Deus, não vou ter que nadar não, né? Ufa, não. Sério, ainda tenho pesadelos com isso! (Risos).

Tantos rostos que via na beira da piscina agora são responsáveis pela transmissão em canais de TV. Aquele estádio enorme, caramba! É sério! Vai começar de verdade! Não mentiram pra mim... Locutor falando, taquicardia. E ainda tenho que aprender a mexer em um monte de botões? Post it neles.

Começa e estou em casa. Fim do primeiro dia e é tanta alegria e adrenalina que não cabem em mim! Adrenalina, a senhora estava na caixa de memórias errada! Saudades “miga”!!!

Só assim para: dormir às 3 da manhã (as vezes mais, e isso porque eu sou do tipo “encostou, dormiu”), acordar às 8h e dormir no máximo meia hora entre sessões pra descansar, durante mais de uma semana. Ainda por cima, ser esfaqueada nos olhos toda vez que quer comer. A janta era a mais triste: 78 reais por alface, cebola, tomate, cenoura, arroz, feijão preto e frango. 98 reais o quilo. Minha próxima janta foi pipoca com latinha de atum no quarto. E sempre feliz da vida.

Durante a competição, cada emoção foi única, permeada por toda minha história e torcendo por amigos. Alegrias e tristezas, tudo fez parte do show. E ainda por cima teve Phelps (despedida e tudo), Katinka, Ledecky, Simone Manuel com e sem Penny Oleksiak, Joseph Schooling, Anthony Erving, Adam Peaty, Sarah Sjöström, Maya Dirado, despedida e quarta final olímpica de Thiago, Phelps e Pinóquio - Ops!- Lochte.

Empate triplo, volta de saída queimada acidentalmente, ônibus perdido com finalistas, baby Boomer.... e tantas outras pessoas e momentos que compuseram o enredo deste que foi - pra mim - um conto de fadas moderno. Nele, a mocinha - meio sem modos - se “reapaixona” pela natação de uma maneira totalmente nova, mas não menos especial.

E ainda teve Etiene e sua final olímpica! Onde? Nos 50m livre. Que presente! Somos em cinco mulheres finalistas em provas individuais agora - ainda os melhores resultados obtidos por mulheres brasileiras na natação em Olimpíadas. Nas maratonas aquáticas a Poliana Okimoto consegue ser a primeira mulher a conseguir uma medalha em esportes aquáticos! Que título para coroar toda uma história de vida! Cintra e Poliana, vocês conseguiram! Como me emocionei por vocês!

Voltando às piscinas: se eu queria mais? Muito mais. Mas contos de fadas modernos são assim... Altos e baixos, emoção e saudade, além de uma mensagem de “aguardem as cenas dos próximos capítulos... daqui a quatro anos”.

Diante de tanta coisa pra digerir, o que menos despertou meu olhar crítico foram as instalações. Achei tudo lindo! (risos). Até porque já vi os erros de outros países também. Só achei meio - muito - absurdo os motoristas de ônibus (de imprensa e atletas) recém-chegados e sem instrução. “Moço, por que está demorando tanto a sair?”. “Ah, então, o ônibus da frente não esperou e eu não sei o caminho, sou novo aqui”. True story.

Disseram também que, dado momento, faltou comida no Parque Olímpico. COMIDA. Comida não gente, pecado. Agora, wi-fi em todo lugar, até no ônibus! Obrigada senhor. Aproveitei o dia dos pais como telespectadora, com meus pais. Sendo idosos, conseguiam acesso muito bom, transporte até quase a porta dos estádios, andavam pouco, curti. Pernilongo? Não vi. Nem ouvi falar de Zika.

Voltei pra casa mas foi - está sendo - bem difícil aterrissar. A cabeça ficou um pouco lá, um pouco aqui – desculpem professores. Ainda bem que pude assistir às emoções de outros esportes, as últimas provas de Usain Bolt, vibrar com as medalhas brasileiras e ver o Isaquias se tornar o primeiro brasileiro a ganhar três medalhas em uma única edição.

Essa é a minha - totalmente pessoal - experiência olímpica no Rio, com a equipe de transmissão da ESPN. Aliás, esta merece menção especial, que equipe!!!! William e Nardini então? Me ajudaram o tempo todo, incríveis. Estou totalmente estragada, de tão bem tratada que fui. Mudaram meu conceito sobre a TV, quanta gente legal tive oportunidade de conhecer.

Sinceramente, o sucesso dos Jogos é relativo à impressão, e essa foi a melhor possível. Estava tudo certo? Não. Em geral, adoraram? Sim. É isso.

Meu lamento fica por conta das confederações, que continuam surfando em talentos descobertos aleatoriamente sem investimento em base e má gestão (generalizando)  Algumas com medalhas pra mostrar como o “trabalho” foi “bem feito”. Outras, como a natação, tentando fazer engolir que está tudo bem, tranquilo e favorável. Legado de calor humano. Que a medalha da Poli tem algo a ver com a piscina. Tenha piedade deles senhor, eles não sabem o que fazem. E ainda tem a tristeza da perspectiva do que vem por aí - ou do que não vem. Aguardem!

Para fechar com coisa boa, quantas redescobertas fiz! Consegui finalmente separar amores de dores. Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, muito obrigada! Você me proporcionou não somente uma experiência nova e empolgante como comentarista, mas me fez lembrar de um amor antigo, que estava coberto por um pouco de pó. Posso finalmente voltar a falar sinceramente: Natação, memamamu! (eu te amo, na língua do meu filho - porque é muito mais legal).

Sobre Flavia Delaroli:

Ex-nadadora dos 50 metros livre e 4X100 metros livre, Flavia traz em seu currículo seis mundiais de piscina curta, seis mundiais de esportes aquáticos, além de quatro Jogos Pan-Americanos, sendo medalhista em todos, e duas participações em Olimpíadas (Atenas-04 e Pequim-08).

Nos Jogos Olímpicos de Atenas, Flavia foi às finais dos 50 metros livre e apagou a lacuna de 56 anos do Brasil sem mulheres em uma final olímpica.

Neste ano, integrou o time de comentaristas olímpicos dos canais ESPN para os Jogos Rio 2016.

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