Publicado em 23/11/2010 às 13:10:39
Hoje, dou uma pausa nas atualidades para um resgate precioso de importante momento do passado da TV esportiva.
Um leitor me enviou há alguns dias dois tesouros maravilhosos: duas reportagens da revista Veja, do comecinho dos anos 1980, relativas a Gérson, o Canhotinha de Ouro da Seleção do Tri, e sua participação na Rede Globo. Uma reportagem é de quando ele chegou à emissora, e a outra de quando saiu. O espaço entre um e outro fato é de um ano.
Apreciem:
Veja, 4 de Março de 1981: "Medo de avião"
A mais nova estrela da televisão brasileira não surgiu na novela das 8 ou num bem-sucedido programa humorístico. Formado nos campos de futebol, Gérson de Oliveira Nunes - o meio-campo Gérson de antigas seleções brasileiras - invadiu as transmissões de futebol da Rede Globo para, com o carisma de um galã famoso, tornar menos enfadonhos os intervalos de 15 minutos das partidas de futebol. Como comentarista, ele desperta curiosidade suficiente para que a Globo seja mais atraente num período em que sua principal concorrente, a Bandeirantes, tenta fixar uma imagem de especialista em esportes.
Só que ainda não desencarnou o personagem de seu comercial dos cigarros Vila Rica, o "tipo leva vantagem". É comedido e elegante, mas com frequência age mais como torcedor do que como comentarista. Gosta de culpar o juiz e cai nos detestáveis discursos definitivos que acabam sendo arrasados com um chute. No jogo contra a Bolívia, por exemplo, ele criticava a falta de pontaria dos atacantes, até que Reinaldo fez o segundo gol. Então, na melhor tradição da velha crônica radiofônica, chamou o gol de "fabuloso" e foi em frente.
Gérson sem dúvida entende de futebol, sabe se exprimir e seus tropeços podem ser atribuídos apenas à falta de experiência. Um obstáculo, porém, só ele poderá eliminar: como não gosta de avião, fica no estúdio durante os jogos da Seleção, vendo a mesma imagem que é dada aos espectadores. Com isso, perde a visão de conjunto essencial para o comentarista. Afinal, o mínimo que se espera de um comentarista de futebol é que veja o jogo. E o jogo, Gérson o sabe tão bem quanto os espectadores, é jogado no campo e não no vídeo.
Contratado pela Globo por um salário de 250.000 cruzeiro por mês - depois de ter comentado para a TVS carioca, de Silvio Santos, os jogos do Mundialito -, Gérson exigiu como uma "prima donna" do canto lírico, ao assinar o contrato, a garantia de que não seria obrigado a viajar de avião.
Mas isso não é tudo: inexplicavelmente, a Globo vestiu suas transmissões com traje formal. E Gérson de paletó fica tão deslocado quanto Cid Moreira de camiseta.
Veja, 17 de Março de 1982: "O papagaio voou"
Criticado por ser demasiado prolixo em seus comentários, evitar críticas ao desempenho dos jogadores e alugar excessivamente sua imagem a anúncios publicitários, o ex-meia-armador da Seleção Brasileira e comentarista de futebol Gérson de Oliveira Nunes, 41 anos, está deixando a TV Globo. Na quinta-feira passada, pela manhã, seu sogro e procurador, Elídio Soares, foi surpreendido por um pedido de Ciro José, diretor de esportes da emissora, para rescindir o contrato assinado há quatorze meses e que só acabaria em Julho, junto com a Copa do Mundo.
Há duas semanas, a Globo já reduzira a 15 segundos as intervenções de Gérson durante as partidas. Em seguida, contrariada com seus anúncios da goma de mascar Tatoo - veiculados justamente quando a marca rival, Ping Pong, patrocina o "Globinho Esporte" - e planos para novos com o cigarro Vila Rica, da Reynolds, quando a Souza Cruz injeta 6 milhões de dólares na transmissão da Copa, a Globo resolvera colocar no ar apenas sua voz, sem imagem.
"Ele não achou a medida certa do negócio. A televisão não permite uma fala tão descontraída", diz Ciro José. Embora achasse inviável explicar uma mudança tática em 15 segundos, Gérson prometera melhorar. Não conseguiu. Certa vez, um redator do programa diário "Globo Esporte", no qual ele aparecia por 1 minuto, lhe disse que deveria criticar o time do Flamengo, que andava mal. "Não posso", argumentou. "E se logo mais, no jogo, eles fizerem oito gols?". Ex-jogador, sentia-se inibido para criticar um colega em atividade e preferia não opinar. A mais exótica característica desse comentarista que não opinava, porém, era o fato de analisar jogos fora do eixo Rio/São Paulo instalado não na cabine do estádio, mas numa confortável poltrona do estúdio no Jardim Botânico.
No seu contrato, estabelecera que jamais viajaria de avião (iria à Copa na Espanha, por exemplo, de navio). Resultado: sua análise ficava prejudicada e a concorrente TVS começou a anunciar seu comentarista como "aquele que está aqui no estádio, vendo tudo realmente". No jogo Flamengo x Corinthians, no mês passado, Gérson, justificando o apelido de "papagaio", ainda tagarelava quando a bola rolava em campo já havia 1 minuto. Na semana passada, enquanto ele ia assistir ao Flamengo como simples espectador, a Globo procurava substituto: poderá ser o jornalista Sérgio Noronha, ex-contratado da casa.
2010
Gérson há muitos anos é comentarista da Rádio Globo do Rio de Janeiro, fez com o parceiro radiofônico José Carlos Araújo a "Mesa Redonda" na CNT do Rio e, há três anos, está com ele no "Jogo Aberto Rio" da TV Bandeirantes.
"Momento Raridade Rara"
Infelizmente não há quase nada de Gérson na Rede Globo disponível na web. Mas vale conferir o vídeo abaixo, que traz um destes momentos. É a decisão do Campeonato Brasileiro de 1981, vencida pelo Grêmio sobre o São Paulo em pleno Morumbi. O narrador é Luciano do Valle.
Edu César é colunista do NaTelinha e editor do site www.papodebola.com.br
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