Publicado em 24/03/2021 às 04:29:30,
atualizado em 24/03/2021 às 14:57:00
Recentemente, a Netflix informou que pretende criar mecanismos para impedir a "rachadinha" de contas de seus assinantes, ou seja, acabar com os empréstimos de usuário e senha. Mas a estratégia da empresa de streaming, na verdade, é pôr um ponto final em um mercado que vem crescendo cada vez mais e buscando lucro contra as plataformas: as revendas de usuários. A estratégia da empresa não será tão simples, já que os comerciantes de contas do serviço são muito mais engenhosos do que possa parecer e criaram uma rede que dá lucro, embora seja ilegal.
O NaTelinha conversou com um desses comerciantes digitais - que praticam crime, é bom frisar - e que pediu para não ser identificado, por isso iremos chamá-lo de Marcos, nome fictício. A reportagem chegou a ele por meio de um anúncio de oferta de contas da Netflix, Amazon, Globoplay e até HBO Go por meio das redes sociais.
Marcos é fisioterapeuta e trabalha pelo menos seis horas por dia em seu consultório no Rio de Janeiro e, entre uma consulta e outra, atende pessoas interessadas em uma conta de um serviço de streaming, mas que quer pagar menos do que as plataformas cobram. Enquanto deixa um paciente em tratamento, ele vai até a cozinha de seu consultório e faz o atendimento.
"Os preços variam de acordo com a plataforma porque cada uma tem um valor diferente no mercado. A que mais sai é a Netflix, de cada dez pessoas que me procuram, sete são querendo uma conta dela", conta ele em entrevista exclusiva ao NaTelinha, explicando onde está seu público-alvo. "Atendo a maior parte de moradores do morro, que normalmente perderam suas contas por falta de pagamento".
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Marcos conta que o esquema é até simples. "O cliente me procura e faz o pagamento adiantado do mês, em seguida eu libero um login e uma senha para ele, pedindo para ele utilizar o usuário que eu orientar", explica. O empresário, como ele gosta de se definir, possui dezenas de contas da Netflix, normalmente a principal delas, que dá acesso até a quatro usuários, e faz a redistribuição.
Segundo Marcos, o controle é bastante rígido. "Se alguém utiliza o usuário de outro, eu altero a senha e derrubo o cliente, mesmo que ele tenha deixado pago antecipadamente, mas quase ninguém faz isso. O cara quer apenas assistir às séries", justifica. Ele explica que, apenas no Rio de Janeiro, neste momento, ele conta com mais de 300 clientes fixos e há fila para outras pessoas.
"Eu tenho muitos usuários, a maior parte com quatro usuários, isso facilita para o controle ser mais rápido e também dá um acesso de melhor qualidade para o cliente, que raramente entende de HD ou SD, mas que adora quando ofereço algo assim porque se sente valorizado com um produto que ele entende ser de melhor qualidade", garante o fisioterapeuta.
O fisioterapeuta não gosta de falar de números inteiros, mas abriu uma exceção para explicar como funciona o esquema financeiro. "Antes, eu fazia por transferência bancária, portanto, nos finais de semana praticamente não tinha clientes novos porque a transferência só concluía no próximo dia útil. O PIX deu um up no esquema porque a Netflix costuma cortar muitas contas por falta de pagamento justamente em fim de semana e agora ofereço um serviço paralelo", diz.
Marcos explica que ele cobra entre 8 e 12 reais para liberar um acesso. "Depende da pessoa que me procura, da conversa que a gente tem e também da demanda no momento do trabalho. Tem gente que eu percebo um desespero muito grande pela conta, aí vou mais caro", revela, sem dizer exatamente quanto lucra nesse esquema.
O NaTelinha fez um cálculo base, estabelecendo uma média de R$ 10 por usuário. Como o fisioterapeuta contou ter cerca de 300 clientes, é possível afirmar que o lucro dele gira em torno de R$ 3 mil por mês, ou seja, perto de três salários mínimos. "Eu ganho meu dinheiro, o cliente economiza muito ao final de um ano e todos ficam satisfeitos", revela ele.
Nem todos. De fato, o esquema permite economia para os usuários, afinal, se uma pessoa paga 10 reais por um acesso, ela economiza, no mínimo, R$ 12 todos os meses pelo plano mais em conta da Netflix, o que dá quase 150 reais de economia num ano. Mas a plataforma de streaming tem um prejuízo alto nesse esquema, considerado ilegal e que pode ser punido.
Apenas com Marcos, no cálculo da reportagem, o prejuízo anual da Netflix é de quase R$ 50 mil, números que parecem insignificantes para uma empresa que fatura mais de um bilhão de reais no Brasil, mas que pode ser multiplicado e muito, já que existem dezenas de Marcos espalhados pelo país. E com um esquema desse patamar, é difícil evitar o crime.
Mesmo o Globoplay ou a Amazon e até a HBO Go, que deve sair do ar para dar vida a HBO+, sofrem com o esquema e deixam de lucrar. Marcos garante que é impossível ser descoberto. "Os usuários são em nomes de pessoas reais, familiares, amigos, gente que eu tenho dados e que nem sabem o que estou fazendo, mas que não iriam me denunciar. Não há como as empresas descobrirem quais são os usuários assim", afirma ele sem demonstrar preocupação com o risco de ser flagrado.
Procurada, a Globo enviou a seguinte nota: "A Globo tem o constante compromisso de defesa dos direitos autorais. Participamos ativamente de ações de combate à pirataria, que causa danos e é passível de punição tanto nas esferas criminal, administrativa e cível. A pirataria expõe o usuário ao roubo de dados e crimes de outras naturezas. Utilizamos diversas ferramentas tecnológicas e estratégias de proteção ao nosso conteúdo, além de fazermos campanhas de esclarecimento e compreensão sobre a ilegalidade e riscos de sua utilização. Pirataria é crime".
O NaTelinha também tentou contato com a Amazon, que informou que não irá se pronunciar sobre o assunto. Netflix e HBO, não responderam.
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