Publicado em 06/11/2020 às 11:49:39
A redação do jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, solicitou o desligamento do jornalista Rodrigo Constantino, em virtude dos recentes posicionamentos do profissional, que afirmou que não denunciaria possíveis estupradores de sua filha, dependendo dos fatos do suposto episódio, abordando o caso da blogueira Mariana Ferrer. O periódico decidiu mantê-lo em seu quadro de funcionários, ainda que a Record, Jovem Pan, Rádio Guaíba e o Correio do Povo tenham o demitido.
Em carta interna à direção do Gazeta do Povo, do qual o NaTelinha teve acesso, os funcionários relembram o posicionamento de Constantino e pedem: "Gostaríamos de um canal de comunicação mais ativo da empresa para com os colaboradores, que sinalizasse o que está sendo feito em relação ao episódio. Gostaríamos, assim, de mais transparência da direção ao tema e seus possíveis desdobramentos".
Para os funcionários, o posicionamento de Constantino, ainda, é mais uma situação de opressão em cima da mulher e seu discurso a responsabiliza por um crime cometido pelo homem. A carta também traz números de estupros no Brasil reportados no ano de 2019, como o de 85,7% das vítimas eram do sexo feminino e um crime como esse ocorre a cada oito minutos. "Optar por ignorar a violência de gênero neste caso é um retrocesso de décadas de lutas e conquistas jurídicas que garantem a integridade da mulher", diz outro trecho da carta, assinada por mais de 120 profissionais da redação.
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Os funcionários também afirmam que tudo isso contraria as próprias visões da Gazeta do Povo, que lançou, em 2017, um caderno de convicções que são defendidas pelo jornal e a empresa garante não abrir mão, como a dignidade humana e a valorização da mulher. Outro item listado pelos colaboradores é de que a empresa entende que a liberdade de expressão tem sim limites. "Não podemos tolerar o racismo, as ofensas à honra ou qualquer agressão que diminua o ser humano em dignidade na comparação com seus iguais", diz.
Por fim, a carta relata que Rodrigo Constantino relativizou de forma machista, covarde e retrógada o Artigo 217A do Código Penal uma transgressão bárbara, o estupro. E criminalizou as vítimas nos casos de vulnerabilidade e as consequências disso podem afetar a cultura da Gazeta do Povo.
Em carta interna da direção, que o NaTelinha também teve acesso, é reconhecido que Constantino teve opiniões infelizes e inoportunas, e enfatizou que a opinião dos colunistas não representa o posicionamento do jornal.
Os esclarecimentos prestados por ele em suas redes sociais fez com que a direção fosse cautelosa com a análise do tema. "Entendemos que os esclarecimentos fornecidos pelo colunista foram suficientemente satisfatórios para que não seja necessário tomar nenhuma medida mais drástica", diz um trecho do documento, assinado por Ana Amélia, sócia-proprietária do jornal Gazeta do Povo.
"Não vemos, no presente momento, motivo para desligá-lo de nosso quadro de colunistas", encerra.
Confira a resposta da direção na íntegra:
"As considerações iniciais feitas pelo jornalista Rodrigo Constantino sobre estupro na última quarta-feira (4), em seu perfil pessoal nas redes sociais, foram, na nossa opinião, infelizes e inoportunas. Lamentamos profundamente o constrangimento que o episódio causou em muitos de vocês. Reiteramos que a opinião de nossos colunistas não representa, necessariamente, o pensamento do jornal. Por outro lado, vocês conhecem nossas convicções, entre as quais queríamos destacar a de que “a valorização da mulher é não apenas uma exigência de um olhar justo sobre o ser humano, como uma necessidade para o bem comum de qualquer comunidade”.
Foi precisa uma análise de todos os posts feitos pelo Constantino, de um vídeo com esclarecimento, publicado no fim da tarde de anteontem, e de um esclarecimento dele publicado ontem na Gazeta, para compreender que ele não se referia ao caso específico de Mariana Ferrer e, muito menos, amenizava a gravidade do abuso sexual, em qualquer circunstância.
O colunista admitiu que errou na abordagem de um tema tão delicado e, nesse texto publicado ontem na Gazeta do Povo, esclareceu seu posicionamento. "Não acredito que nenhuma pessoa com um mínimo de consciência e moralidade seja capaz de fazer apologia ao estupro. Portanto, venho aqui registrar e defender o óbvio: o estupro é um crime abominável e deve ser combatido por toda a sociedade, por todos os homens e mulheres de bem", escreveu.
Temas relativos a comportamentos suscitam hoje divergências agudas e inconciliáveis, algo que dificulta e torna nebulosa a compreensão de qualquer discurso intempestivo e eventualmente formulado com imprecisão. Essa realidade obriga a evitar soluções simplistas e unidimensionais e convida a mais reflexão e ponderação.
Justamente por isso, antes de tomar qualquer decisão, fomos cautelosos na análise do tema. Pedimos desculpas pela demora na manifestação de nosso posicionamento. Aqueles que nos acompanham há mais tempo e todos vocês que conhecem nossas convicções sabem que a Gazeta do Povo jamais considerou a liberdade de expressão como um direito absoluto, sem limites; em diversas ocasiões deixamos clara nossa posição de que há, sim, discursos que não são protegidos por essa liberdade. No entanto, também entendemos que os esclarecimentos fornecidos pelo colunista foram suficientemente satisfatórios para que não seja necessário tomar nenhuma medida mais drástica.
O pedido de desculpas feito por Constantino a todas as mulheres que se sentiram ofendidas com as palavras grosseiras ditas por ele, em redes sociais, pesou em nossa decisão. "Se perguntar para uma mulher se ela é feminista, talvez ela diga que sim, e ao pedir explicação, ela dirá que defende a liberdade, independência, respeito, direito de igualdade e empoderamento da mulher. Mas estou de acordo com isso tudo! E se de alguma forma minhas palavras mais fortes magoaram as mulheres, peço desculpas", afirmou.
Assim, confiando no discernimento de Constantino quanto ao aprendizado gerado por este episódio, e reafirmando nosso compromisso com a liberdade de expressão, não vemos, no presente momento, motivo para desligá-lo de nosso quadro de colunistas.
Ana Amélia."
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