A Globo enfrentou uma quinta-feira de terror e deu sinal que o modelo da atual grade precisa passar por profundas modificações artísticas, e me arrisco dizer, até ideológicas.
Publicado em 25/11/2018 às 08:00:38
Os números conquistados pelos concorrentes da Globo na última quinta-feira (22), quando nove programas do canal perderam a liderança, podem, intrigantemente, sinalizar um movimento maior que apenas um avanço de atrações do SBT e Record TV, mas a ausência de uma grade que gere identificação maior com o conservadorismo, tendência crescente em todo o mundo.
O império de comunicação que hoje é a Globo teve seu início na época da Revolução de 64, quando, lado a lado, militares e diretores da emissora transformaram o veículo, praticamente, na única fonte de informação e entretenimento entre os telespectadores brasileiros.
Quando montou a TV Globo, Roberto Marinho nomeou Boni e Walter Clark para comandarem o novo canal e dando liberdade de ação aos dois, ladeados por Joe Walash no comando financeiro.
A Globo enfrentou uma quinta-feira de terror e deu sinal que o modelo da atual grade precisa passar por profundas modificações artísticas, e me arrisco dizer, até ideológicas.
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Quando chegou na emissora, em 1967, Boni vinha de uma passagem pela TV Excelsior. De lá, trouxe a ideia, originalmente criada pelo jornalista Álvaro De Moia, de uma grade no prime time, horário nobre, dividida na seguinte ordem: novela, telejornal, novela e linha de show. Um desenho de programação que funciona até os dias de hoje.
Além do feeling assertivo dos jovens Boni e Clark, o crescimento da Globo contou com a fragilidade na administração da TV Tupi e o fim da TV Excelsior, cujo dono era adversário dos militares, e a decadência da Record, que pertencia a família Machado de Carvalho.
E com este cenário foi fácil desfalcar seus concorrentes. Os diretores levaram para a Globo os principais nomes de dramaturgia da TV Excelsior, da Tupi e os talentos musicais e shows da Record.
Jô Soares, Chico Anysio, Os Trapalhões, Manoel Carlos, Carlos Manga, Nilton Travesso, Carlos Alberto de Nóbrega, dentre outros, migraram num bloco artístico para um único canal. Algo que em tempo algum se repetiu na televisão.
Atravessando uma época de período militar, Boni soube decodificar o que uma sociedade buscava se identificar assistindo a tela da Globo. Diferente do que ocorre hoje, a pontualidade do início da veiculação dos programas na grade serviam com referência para acertar o relógio do público. Em consequência disto, a liderança de audiência era natural e compacta. O canal da família Marinho atingia mais de 80% na preferência dos telespectadores. E isso permaneceu durante anos.
Porém, nesta semana, houve um blackout na audiência. A Globo enfrentou uma quinta-feira de terror e deu sinal que o modelo da atual grade precisa passar por profundas modificações artísticas, e me arrisco dizer, até ideológicas.
"Jornal Hoje", "Vídeo Show", "Malhação", "Espelho da Vida", "Os Melhores Anos das Nossas Vidas", "Jornal da Globo", "Conversa com Bial", "Empire" e "Corujão" perderam a liderança na Grande São Paulo. Destaque para o programa de Lázaro Ramos, que ficou em terceiro lugar na preferência do telespectador, sendo derrotado pela eliminação de Léo Stronda em "A Fazenda" e o tradicional humor de "A Praça é Nossa". Perder para Record TV e SBT no horário nobre é um espanto para a Globo.
Pelo seu desempenho na audiência, é nítido que existem problemas artísticos e de execução nesses projetos que perderam a liderança. Mas paralelamente a isso, esse cenário pode ser reflexo de um fenômeno que vem ocorrendo na sociedade em todo o mundo: a retomada do conservadorismo das classes média, média alta e baixa, que comandam o mercado de consumo. Um movimento que pode não estar encontrando seu reflexo dentro da programação da Globo.
No país, a eleição de Jair Bolsonaro refletiu nas urnas a força dessa nova onda conservadora e também de direita que surge. Os defensores e militantes das redes sociais do então candidato à presidência da República apontavam que o canal produzia uma grade que agredia a família tradicional e era esquerdizante.
Para a afirmação, justificavam com os temas do "Amor & Sexo", o humor do "Zorra", as pautas do "Encontro" e as tramas na dramaturgia.
Como exemplo, "Segundo Sol", que continha uma trama onde a esposa do personagem principal o traía com seu próprio irmão e criava um filho, roubado, fruto de uma relação do marido com outra mulher.
É ficção, mas o conservadorismo pode não estar encontrando identificação com esses produtos. Os baixos números da telenovela de João Emanuel Carneiro podem ser, também, um reflexo disto.
Claro que não basta apenas exibir um conteúdo conservador pra conquistar altos números na medição da Kantar Ibope, a qualidade e a correta produção do programa ainda são alguns dos fatores relevantes para o sucesso.
A onda conservadora precisa ser entendida não apenas como um fenômeno nas urnas, mas com uma tendência no comportamento de uma sociedade que consome cultura e também busca entretenimento na televisão.
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A prova disso é a novela bíblica "Jesus", da Record TV, que neste momento poderia ser um sucesso estrondoso de audiência. Só não é, pelo motivo de não estar sendo bem produzida. Do outro lado, no SBT, a história singela de "Aventuras de Poliana" conquista médias bem superiores e vem tirando preciosos pontos da novata "O Sétimo Guardião".
Esse movimento de entender o mercado de consumo aconteceu com a Globo entre 2015 e 2016. A emissora exibia "Babilônia", que retratava o romance de duas mulheres da terceira idade, que em seguida, foi sucedida no horário pela violenta "A Regra do Jogo". Os produtos tiveram rejeição e o público se debandou para a Record TV, onde encontrou uma linguagem de identificação na trama de "Os Dez Mandamentos".
A Globo percebeu essa mudança sociológica no telespectador e estreou às 21h a rural 'Velho Chico", e no horário das seis, escalou a ingênua "Êta Mundo Bom", essa última uma das maiores audiência em sua faixa. Para buscar soluções e enfrentar seu apagão na audiência, a emissora precisa fazer essa nova autoavaliação.
Mas parece que está faltando conhecimento de quem está atrás da mesa na alta cúpula da emissora. Falta o Boni. A sensação de quem acompanha os bastidores da televisão é que estão produzindo novelas e shows com conteúdos que interessam apenas aos diretores e seus interesses e não os da donas de casa, que comandam o caminho da audiência na TV aberta.
Não bastará à Globo fazer um novo ataque agressivo ao elenco das outras emissoras, como fez no início dos anos 2000, para estancar sua decadência como líder. Vai além.
A onda conservadora precisa ser entendida não apenas como um fenômeno nas urnas, mas com uma tendência no comportamento de uma sociedade que consome cultura e também busca entretenimento na televisão. Se a Globo não entender isso, pode enfrentar uma fuga ainda maior na sua audiência.
Quando este cenário for parâmetro técnico para a nova divisão de verba publicitária, o futuro pode ficar ainda mais nebuloso.
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