Publicado em 22/11/2022 às 06:05:00, atualizado em 22/11/2022 às 11:08:13
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A Fazenda 14 está se consolidando como a temporada mais violenta do reality show da Record. Dois participantes, Shayan Haghbin e Tiago Ramos, já foram expulsos após um embate físico. As agressões verbais também são rotineiras, assim como as ameaças de espancamento, principalmente feitas por Deolane Bezerra(veja alguns exemplos ao final deste texto). Nos telespectadores, tais cenas podem gerar uma série de transtornos, especialmente diante da ausência de uma punição efetiva por parte da produção do programa.
Saber se assistir à violência pode causar algum malefício ao telespectador é uma preocupação antiga dos pesquisadores da área de saúde mental, segundo o psicólogo André Vilela, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP). De acordo com o especialista, estudos desde a década de 1970 permitem algumas considerações importantes relacionadas a A Fazenda.
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“Os efeitos são graduais e mais indiretos do que diretos, mas, no longo prazo, a frequente exposição a esse tipo de conteúdo tende a produzir sintomas de ansiedade e uma sensação generalizada de que o mundo é um lugar perigoso”, destaca André.
Ele acrescenta: “O Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos também alerta que essa exposição pode dessensibilizar as pessoas em relação à dor e ao sofrimento do outro. De modo geral, os institutos e associações ligadas ao cuidado em saúde mental em vários países recomendam evitar esse tipo de exposição principalmente a crianças e adolescentes”.
Segundo Vilela, não é possível afirmar que o público tende a ficar mais agressivo por assistir a esse tipo de conteúdo. “Vai depender de crenças e valores que cada pessoa carrega decorrente de suas experiências anteriores, bem como do que ela faz e do conteúdo que consome no restante do tempo do seu dia”, exemplifica.
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Falta de punição por parte da produção de A Fazenda agrava o problema
De acordo com o estudioso, um dos efeitos de ficar muito tempo assistindo à televisão é a tendência a acreditar que as cenas correspondem à realidade social. “Ao ver essas situações em que condutas violentas são rotineiras, principalmente quando não há uma resposta por parte da produção do programa para coibir essas ações e refletir como esses atos violam princípios básicos de civilidade, o telespectador pode passar a acreditar que a violência é uma forma aceitável e efetiva de resolver problemas em diferentes contextos da vida social.”
“Quando as pessoas percebem que as regras ou as leis não estão sendo cumpridas, elas se encorajam a resolver os problemas ‘com as próprias mãos’, principalmente quando possuem o apoio de um grupo. As mídias têm o poder de formar a opinião de muitas pessoas, e seus atores servem de modelos para os telespectadores.”
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André Vilela
O especialista destaca: “E quanto menos diversidade de informações de qualidade as pessoas possuem, para poder compará-las e tomar decisões racionalmente embasadas, mais suscetíveis elas ficam de influências externas como essas, por mais primitivo que seja o teor ou a fonte da influência. Esse é um dos grandes riscos de consumir exclusivamente determinados conteúdos de informação, tanto na televisão quanto em outras mídias”.
Violência pode ser atrativo para telespectador, mas temporada de A Fazenda está com baixa audiência
Agressões físicas entre Shayan e Tiago foram as únicas punidas pela direção até agora - Foto: Reprodução/PlayPlus
Apesar de os “barracos” serem associados ao sucesso dos reality shows, a atual temporada de A Fazenda vem apresentando a mais baixa audiência de todas as edições. Segundo André Vilela, a violência tem sido explorada de diversas formas ao longo da história para cativar a atenção do público, mas está associada a uma série de fatores.
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“Em relação a esses programas, as pessoas não esperam que a violência aconteça em um ambiente controlado, transmitido em TV aberta, então quando isso acontece pode gerar uma surpresa que atrai os telespectadores. É como se as coisas estivessem saindo de controle, algo que não acontece sempre. Mas não é difícil de perceber que há muito planejamento para que essas situações ocorram. De todo modo, isso gera assunto e muitas pessoas não vão querer estar por fora.”
Vilela destaca que os algoritmos de praticamente todas as redes sociais fomentam essas práticas ao promover conteúdos que geram reações das pessoas, mesmo quando essas reações são de desaprovação. “Assim, quanto mais polêmico for um programa, ou mais polêmica for uma pessoa, maior a probabilidade de receberem visualizações. Então há pessoas que sequer se interessam por essa violência explícita, mas é o vídeo que aparece para elas na tela inicial do Youtube, e acabam clicando por curiosidade e retroalimentam esse sistema.”
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“Outras pessoas se interessam em ver algum desafeto sofrendo ou passando vergonha publicamente. Há ainda aqueles que consomem apenas pela curiosidade ou por um prazer trivial de ver uma vergonha alheia. A verdade é que há muitas razões pelas quais as pessoas podem se interessar por brigas ou barracos, seja na televisão seja na rua do bairro.”
O que mais preocupa, de acordo com o estudioso “é a direção do programa promover situações que potencializam agressões físicas e verbais entre os participantes, ou se omitirem quando essas interações violentas acontecem, dado as potenciais consequências negativas associadas a esse tipo de conteúdo”. Ele conclui: “O telespectador não pode achar que a violência é uma via aceitável para resolver conflitos ou diferenças pessoais”.
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