"Tenho muito orgulho em ser gay e jornalista", diz Pedro Figueiredo
Pedro Figueiredo virou ícone LGBTQIAP+ e vem se destacando como jornalista investigativo na Globo
Publicado em 28/06/2022 às 04:00,
atualizado em 28/06/2022 às 15:23
Nem tudo são louros para um jornalista que trabalha na área investigativa. No caso de Pedro Figueiredo, que é repórter da Globo, até sua vida íntima foi utilizada por haters quando ele fez uma entrevista com o vereador do Rio de Janeiro, Gabriel Monteiro (PL), em março deste ano. Na época, o político passou a ser investigado pelo Ministério Público após três mulheres terem lhe acusado de estupro. Irritado com o resultado da reportagem que foi ao ar, o parlamentar usou suas redes sociais para se voltar contra os profissionais que haviam feito a matéria. Como Pedro é casado com o também jornalista, Erick Rianelli, ameaças de cunho homofóbicos também lhe foram proferidas.
"É difícil não se abalar", contou o repórter, em entrevista exclusiva ao NaTelinha. Mas, apesar dos momentos ruins da profissão, Pedro também se alegra com os comentários carinhosos acerca de seu relacionamento com Erick. Juntos desde 2013, o repórter do Bom Dia, Rio surpreendeu Figueiredo com uma mensagem romântica feita no ar no dia dos namorados do ano passado. "[Ele] está assistindo a gente, já falei com ele. Meu amor, meu marido. Eu te amo. Feliz Dia dos Namorados para gente e para todos os casais apaixonados que estão nos assistindo'', se declarou. O vídeo também viralizou nas redes sociais com diversos feedbacks positivos do público.
Neste dia mundial do Orgulho LGBTQIAP+, o NaTelinha publica uma entrevista na íntegra com Pedro Figueiredo. Nela, o jornalista abre o jogo sobre seu momento atual na carreira, percalços profissionais e, claro, sua decisão de compartilhar seu relacionamento com Erick Rianelli desde quando foi promovido a repórter na Globo: "Tenho muito orgulho em ser gay e jornalista".
Confira a entrevista com o jornalista Pedro Figueiredo
Você se tornou uma das grandes revelações no jornalismo investigativo. Como você avalia esse momento da sua carreira?
Pedro Figueiredo - Com sobriedade e serenidade. Uma vez ouvi numa palestra que a nossa trajetória às vezes tem vida própria. Nunca pensei em ser um jornalista investigativo. Sempre quis ser jornalista e sempre amei política e me enxergava trabalhando com isso. Essa veia investigativa veio com o tempo e com as oportunidades. Acho que estou num bom momento da carreira, em que consigo equilibrar a vida profissional com a pessoal. Agora, não tem segredo: trabalho duro, sobriedade, serenidade e uma dose de maturidade para continuar correndo atrás de histórias de interesse público, sem desrespeitar ninguém e nem passar do ponto.
Qual a reportagem foi a mais desafiadora para você até agora? Por quê?
Pedro Figueiredo - Posso escolher duas? (risos). Acho que Barcelona foi desafiadora pela situação. Eu e Erick, de férias, numa cidade estrangeira, longe da redação. E, de repente, um atentado terrorista e a responsabilidade de transmitir aquela informação para milhões de brasileiros. Aquilo foi muito desafiador. A outra, sem dúvidas, foi a reportagem dos fantasmas da Alerj. Aquela era uma reportagem difícil de ser feita, com uma investigação que precisava ser cuidadosa e delicada. Acho que conseguimos. Fomos indicados ao Emmy. Essas duas, sem dúvida nenhuma, me marcam muito. Tanto que memórias delas estão por toda a parte na minha casa.
Além de ser reconhecido pelo seu trabalho, você acabou se tornando um ícone do jornalismo para a comunidade LGBTQIAP+ pela transparência que sempre tratou o assunto publicamente. Em algum momento teve medo de se assumir? Por quê?
Pedro Figueiredo - Tive sim. Eu comecei a namorar o Erick há nove anos, em 2013. Ele ainda não tinha entrado na Globo, eu já. Todos sabiam que éramos namorados. Mas nossa vida era restrita ao nosso círculo de amigos e às nossas redes sociais fechadas. Em 2016, fui promovido de produtor a repórter. Naquele momento, entendi que era importante abrir minhas redes. Mas tive receio em contar para o mundo que eu era gay. "Será que vão aceitar bem?", pensava. Uma pessoa muito importante nesse processo foi o Erick. Ele me disse que eu precisava ser quem eu sou e que isso nunca seria uma questão. Não foi.
Tenho muito orgulho em ser gay e jornalista. E somos muito acolhidos por isso, mesmo entre pessoas mais conservadoras. Não era nosso objetivo, mas ficamos felizes de tanta gente nos ter como referências.
Pedro Figueiredo
Depois de você, diversos repórteres e âncoras passaram a falar abertamente sobre a própria sexualidade. Como você enxerga isso? Acha que quebrou um tabu?
Pedro Figueiredo - Acho que contribuí para o debate. Eu só consegui virar para mundo e falar "olha, sou jornalista da Globo e sou gay, tenho namorado" porque vários colegas gays, que muitas vezes não revelaram seus afetos, abriram espaço para nós na redação, na sociedade.
O mundo mudou muito nos últimos anos. Quando eu era adolescente, assistia na televisão o pai perguntando onde foi que errou ao ver o filho gay num programa de humor. Hoje isso é inimaginável. E isso se tornou inimaginável porque muita gente lutou pelos nossos direitos. Vejo isso como uma construção coletiva.
Pedro Figueiredo
Quando eu virei repórter, foi a minha vez de falar: "sou repórter e sou gay, algum problema?" Mas só consegui fazer isso porque muita gente abriu as portas. Sou privilegiado de ter chegado nesse momento. Então, não gosto de me considerar pioneiro, mesmo sabendo que minha atitude possa ter inspirado. Fico feliz de ver que depois do meu exemplo - e do Erick que, alguns anos depois, também se tornou repórter - tivemos tantos outros colegas demonstrando seus afetos, postando fotos com seus namorados, namoradas, maridos, esposas. O próprio Erick fez uma declaração linda de amor ao vivo no ar. Eu fico emocionado só de lembrar.
Você é casado com o Erick Rianelli que também é repórter da Globo Rio. Como é para vocês ganharem o título do novo casal 20 da TV? Pensa em dividir a bancada de um telejornal com ele?
Pedro Figueiredo - Penso em dividir a vida com ele. Eu e Erick nos conhecemos no olhar. Sei quando ele está feliz ou insatisfeito com qualquer coisa pela forma como me olha. Depois de alguns anos de união estável, vamos nos casar agora no dia 2 de julho - celebrar nosso amor com família e amigos.
Acho carinhoso quando dizem que somos o novo casal 20. Que bom saber que vivemos numa época em que casais gays podem ocupar esse espaço. Se um dia surgir a oportunidade de dividir uma bancada com o Erick, será uma felicidade sem tamanho. Primeiro pelo marco que seria e de poder estar fazendo parte desse momento ao lado de quem eu amo. Segundo, porque se um dia eu tiver a oportunidade de apresentar um jornal, espero que seja ao lado de alguém que me ensine e que eu admire como jornalista. O Erick preenche todos esses requisitos.
Pedro Figueiredo
Como você responde quando sente o preconceito na pele? Qual situação você já enfrentou que mais te afetou emocionalmente?
Pedro Figueiredo - Eu acredito muito que o preconceito é fruto da desinformação. Tento sempre que possível tratar o preconceito com informação. Eu tenho uma visão extremamente pragmática de situações assim. Separo o preconceito em dois tipos: com e sem intenção. Claro que todos os tipos de preconceito devem ser combatidos. Mas muita gente faz comentários LGBTfóbicos sem perceber que o que está falando é preconceituoso. São pessoas que vêm de uma outra geração, de uma outra criação e que costumam reverberar que o mundo está chato. Chato para quem? Só se for para quem não pode mais falar abertamente seus preconceitos sem ser repreendido. Com esse grupo, opto pela informação, pela conscientização, por mostrar que aquela fala machuca, que faz mal a casais como eu e Erick.
Agora, tem um outro grupo que quer machucar, constranger. Para essas pessoas, não há diálogo. Acho que, sem dúvidas, o sermão do padre do interior do Mato Grosso foi muito pesado emocionalmente para mim. Assim como ameaças e xingamentos que recebi de seguidores do vereador Gabriel Monteiro, depois que fizemos reportagens denunciando o que acontecia no gabinete dele. É difícil não se abalar.
Pedro Figueiredo
Você acredita que estamos evoluindo para uma sociedade menos preconceituosa?
Pedro Figueiredo - Acredito. Na verdade, acredito que uma das leis da física se aplica à conjuntura social. Toda ação gera uma reação. Nesse momento, vemos eclodir em todo o mundo uma forte onda reacionária depois de uma década de muitos avanços. Precisamos ser fortes, resistir e não permitir que as conquistas sejam perdidas. Mas, em breve, tenho fé de que voltaremos a progredir nas garantias das liberdades individuais.
Pago impostos igual a qualquer heterossexual. Trabalho igual a todos e todas. Ninguém pode me impedir de me casar com quem eu quiser, de formar uma família com outra pessoa do mesmo sexo que eu. Sou um cidadão responsável, cumpridor dos meus deveres. Por que meus direitos devem ser diferentes? É esse pensamento que, na minha opinião, precisa se tornar predominante na sociedade. E acredito que a representatividade mostre isso, destrua os preconceitos, gere informação
Pedro Figueiredo
Olhando para o futuro, a onde o Pedro Figueiredo quer chegar como jornalista?
Pedro Figueiredo - O Pedro Figueiredo já chegou aonde ele queria chegar, isso eu posso garantir. Eu sou um menino do subúrbio que, desde pequeno, sonhou em ser repórter de TV. Esse sonho eu já alcancei e já concretizei. Claro que tenho muitos planos para a minha carreira. Mas também tenho um lado supersticioso de não falar sobre eles (risos). Até porque o maior sonho eu já conquistei e me orgulho dele todos os dias.