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Ricardo Boechat sobre saída da Globo: "Me feriu, me ofendeu, revoltou"

"Eles não respeitam a liberdade de ninguém", diz jornalista sobre a emissora carioca


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Crédito Fotos/ Divulgação/ Bandeirantes
Um dos mais respeitados jornalistas do Brasil atendeu o NaTelinha para uma conversa exclusiva na tarde desta quinta-feira (14). No meio de sua redação, Ricardo Boechat parou por alguns minutos a preparação para o “Jornal da Band”, que seria exibido pouco tempo depois.
 
Entre vários assuntos, Boechat contou como ingressou na carreira de jornalista. “O máximo que me imaginei foi ganhar uma grana para pagar as minhas coisas”, disse ele, explicando que não imaginava chegar aonde chegou. E comentou a respeito da obrigatoriedade de diploma: "Eu acho que não deveria se fazer uma exigência de diploma especifico porque eu não vejo currículo suficiente para se ensinar em quatro anos".
 

Ele tocou também em temas delicados, como a sua turbulenta saída da Globo em 2001, após sérias acusações. “Claro que aquilo me machucou absurdamente, me feriu, me ofendeu, me indignou, revoltou e conseguiu alguns anos de rancor. Claro que sim. Era meu ambiente, minha casa, meus amigos, minha vida”, desabafou.
 
Quando questionado se aceitaria voltar à Globo, Boechat é taxativo: “A troco de que? A Globo não tem culhão pra me dar a liberdade que a Band me dá. [...] Eu dificilmente toleraria isso”.
 
Confira a entrevista na íntegra:
 
NaTelinha - Você não fez faculdade e nem terminou o segundo grau. Principalmente por conta disso, algum dia você imaginou chegar aonde chegou?

Ricardo Boechat - Então, eu não fiz jornalismo como um projeto pré-elaborado. Eu fiz jornalismo como poderia ter feito outras coisas. Tanto que eu tentei formação em atividades completamente diferentes, como ser vendedor de material de escritório, mas isso eu estou falando de uma fase da vida em que eu tinha 16 anos. 
 
Por volta dos 17, meu objetivo era muito específico, muito focado, que era independência suficiente pra poder pagar minhas continhas, tomar meu chopp, ir ao cinema com minha namorada e tal. Essas coisas que os jovens que não tem mesada têm que conseguir por conta própria pra poder fazer o básico ou atender às demandas da adolescência, que apesar de serem relativamente baratas, são muitas.
 
É isso, mas a minha ansiedade era mesmo trabalhar, quem sabe morar sozinho mesmo.
 
 
NT - E como o jornalismo entrou nessa história?

RB - Foi meio que por acidente. Eu já tinha parado de estudar, estava de saco cheio da escola, estava vendendo livros. Na verdade minha mãe e meu pai vendiam livros e eu pegava material de propaganda de algumas coleções mais baratas, mais simples, mais geral, e procurava pais de amigos de escola. Então eu ia à casa deles e tentava vender uma coleção ou outra e ganhava um trocadinho nessa atividade.
 
Até que um dia o pai de uma amiga minha reclamou que eu estava dedicando o meu tempo a uma atividade que não correspondia às minhas vocações naturais, que ele enxergava, mas eu não. Eu gostava de escrever, escrevia com relativa facilidade, e tinha algumas características que o pai dessa minha amiga gostava muito.
 
Ele me disse que eu precisava trabalhar em algo que eu precisasse escrever e tal. Ele era do departamento comercial do “Diário de Notícias” e se chamava Kleber Savoia. O Kleber disse para eu ir à redação do jornal falar com o chefe de reportagem. Eu já tinha feito um curso para tentar duas ou três vagas no “Jornal do Brasil”, mas não consegui. Não só por que o JB estava a léguas de distância da minha capacidade àquela altura, como também a própria idade não me permitiria ficar com alguma das vagas.
 
Enfim, ele me arrumou essa apresentação e o chefe de reportagem do jornal disse "’fica aí então anotando essas coisas". Fui ficando.
 
 
NT - Você não imaginaria nunca chegar aonde chegou?

RB - Não, o máximo que me imaginei foi ganhar uma grana para pagar as minhas coisas.
 
 
NT - O tempo passou e hoje você é considerado um dos melhores jornalistas do Brasil, apesar de não ter diploma. O que acha dessa obrigatoriedade de ter diploma para jornalista?

RB - Olha, supondo que eu estivesse falando em causa própria, eu não acho que seja válido. Evidentemente pela minha própria história de vida, pelo menos no meu caso, acho que o diploma não foi indispensável. Mas há outros exemplos também, de jornalistas, da minha geração e de outras, que entraram na carreira por vários caminhos diferentes.
 
O Joelmir Beting, por exemplo, fez sociologia. É só ter gosto pela notícia, aí a pessoa vai indo, vai entrando...
 
 
NT - Você acha que hoje em dia está mais difícil de isso acontecer?

RB - Antigamente era possível isso, muito mais pela função do apelo à profissão. Hoje, pra você entrar numa redação de jornal, você passa por tantas barreiras que é mais fácil invadir a sede do Banco Central. Antes não, qualquer pessoa poderia entrar numa redação. A profissão poderia ser acessada por qualquer pessoa que tivesse vontade de entrar.
 
Antigamente era mais bem concebida a ideia de que qualquer pessoa já é jornalista em sua origem e a profissão somente lapida.
 
Então é isso, não acho que seja uma área onde você tenha que estabelecer barreiras, com arame farpado, e falar “daqui você não passa”. Acho que as pessoas que tem o dom devem se deixar encantar pela atividade. Assim como o contrário também existe.
 
NT - Como assim o contrário?

RB - Muita gente vai para a faculdade, pega o diploma e não está vocacionado para isso. Se você chegar numa redação e perguntar, muitos vão dizer que estão ali por estar, somente. Sem satisfação.
 
Mas o próprio mercado se encarrega de passar um pente, fazer uma lei de sobrevivência muito forte para quem quer essa área. Salário baixo, carga horária alta... é um processo natural que filtra e deixa somente quem tem os apetrechos necessários para ficar. Só os melhores sobrevivem.
 
Eu acho que não deveria se fazer uma exigência de diploma especifico porque eu não vejo currículo suficiente para se ensinar em quatro anos. Segundo eu acho que outras pessoas, de outras áreas, se descobrirem vocação, poderiam tranquilamente entrar no jornalismo.
 
NT - Hoje, você está na televisão, em horário nobre, também faz rádio e tem coluna em revista. Sente-se realizado profissionalmente?

 
RB - Sem dúvida. As vezes quando eu paro pra pensar, eu acho que o destino me deu mais do que eu fiz por merecer. Eu sempre trabalhei demais, sempre fui obcecado por trabalho, mas tenho que reconhecer que a vida me deu bastante coisa. Não tive formação, nunca remei a favor da corrente, tomei uma porrada no auge de minha carreira, mas estou no mercado, ganho bem. Sou realizado sim.
 
NT - Você acabou de falar de uma “porrada” que tomou da vida. Então, você saiu da Globo de uma maneira turbulenta. Guarda mágoas das Organizações Globo?

RB - Hoje mais não... Cara, se eu te perguntasse se você tem raiva daquele “meio-fio” que você arrebentou o dedão do pé, você responderia o quê? Que ficou puto, na hora. Que você ficou doído, que você sofreu durante algum tempo até que cicatrizasse.
 
Claro que aquilo me machucou absurdamente, me feriu, me ofendeu, me indignou, revoltou e conseguiu alguns anos de rancor. Claro que sim. Era meu ambiente, minha casa, meus amigos, minha vida.
 
Tem certos momentos que eu paro pra dizer o seguinte: se eu não tivesse passado por aquilo, o que eu estaria fazendo hoje na Globo? Provavelmente eu estaria fazendo a coluna que eu sempre fiz em “O Globo” e teria uma função no “Bom Dia Brasil”, talvez como colunista ou talvez dando uma bicada num programa qualquer da Globo News.
 
Certamente eu não estaria fazendo rádio, certamente eu não faria o que mais me realiza, mais me dar prazer, que é o rádio. Muito certamente, aliás, sou absolutamente convicto que eu não teria a liberdade que eu tenho na Band. 
 
 
NT - Aceitaria voltar pra lá, caso fosse feita uma proposta?

RB - A troco de quê? A Globo não tem culhão pra me dar a liberdade que a Band me dá. Eles não respeitam a liberdade de ninguém, aliás, eles respeitam até certo nível de liberdade. Ou melhor, ninguém abusa tanto de liberdade assim, tipo ‘vamos ver até aonde vai mesmo?’.
 
Por isso que eu dificilmente toleraria isso. Seria uma “encheção” de saco tremenda. Dificilmente eu faria o que faço, lá, e ganharia o que ganho aqui.
 
NT - Você já sofreu ameaças por conta do jornalismo?

RB - Veja só, o que é ameaça pra você? Porrada, tiro, faca, coça? Eu nunca levei. Processos já aconteceram sim, hoje (ontem) mesmo levei três. Processos tenho dezenas, talvez mais de uma centena ao longo da carreira. Mas isso eu não vejo como ameaça.
 
Agora é importante dizer o seguinte. O “Jornal do Brasil” e o Grupo Bandeirantes sempre se responsabilizaram pela defesa e por todas as consequências resultantes do exercício da liberdade na profissão.
 
Tenho que citar também o jornal "O Globo", pois a casa dos Marinho, nesse aspecto (e em outros, diga-se), sempre foi impecável, comigo e com outros jornalistas na mesma situação.
 
 
NT - O que você acha do atual jornalismo praticado pelas emissoras de rádio e televisão atualmente no Brasil?

RB - Acho melhor do que de outrora. Estamos enfrentando uma concorrência mais numerosa, mais ampla, mais pulverizada, as pessoas estão cada vez mais se tornando jornalistas...
 
 
 
NT - Tem mais fontes de informação...

RB - Eu acho que elas próprias mais testemunham do que veem notícia.
 
Eu tenho repetido o seguinte: o que caracteriza o jornalista predominantemente na história? Ele era apropriador da notícia testemunhada por terceiros, ou seja, um apurador de relatos. O Repórter Esso tinha um bordão muito legal, que era “o seu Repórter Esso, testemunha ocular da história”. Na verdade o Repórter Esso nunca foi testemunha de coisa nenhuma, ele estava lá na redação.
 
É curioso isso. Repórteres e jornalistas não são testemunhas oculares. Com exceção dos correspondentes de guerras, que evidentemente estão lá testemunhando coisas no primeiro plano.
 
Mas, normalmente o que somos nós no nosso cotidiano? Nós vamos atrás das testemunhas, dos fatos. Daqueles que viveram o fato em primeira pessoa. O jornalista não está dentro do avião que caiu ou do tsunami que passou por ali. Ele vai de encontro às pessoas pra capturar informações, levá-las para as redações, e, com pesquisas, coloca tudo no ar.
 
 
NT - Então é falsa a marca de que o jornalista é testemunha ocular da história...

RB - Completamente falsa. Nós não somos testemunhas oculares de coisa nenhuma. O que está acontecendo é que as testemunhas que alimentavam os jornalistas estão elas próprias trabalhando com os novos meios de comunicação, com ajuda de celulares que têm internet, máquinas filmadoras etc.
 
Então essa figura de jornalista que fica na redação esperando que a testemunha ocular da história entregue o ouro para que ele apareça na televisão engravatado e parecendo um gênio da informação, está condenada. E é ótimo que esteja.
 
NT - Por quê?

RB - Porque isso significa que 7 bilhões de pessoas serão jornalistas e trabalharão com a informação primária, difundirão a informação. Tem riscos? Muitos. Mas é melhor ter 7 bilhões de pessoas com informações do que 7 ou 70 tentando manipular 7 bilhões de pessoas.
 
Então o jornalismo hoje em dia percebe essa concorrência, apesar de esse não ser o nome correto, por não ter esse propósito, mas ele percebe essa avassaladora presença da informação circulando nas mãos de todo mundo. Isso obriga o jornalista a criar os seus diferenciais, impor-se pela qualidade, pela coerência e seriedade.
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