Você acredita em TV?
Espaço Aberto é a coluna do NaTelinha onde você pode opinar e mandar sua análise sobre TV
Publicado em 19/03/2018 às 06:00
Ano eleitoral. Intervenção militar no Rio de Janeiro. Violência. Denúncias de corrupções nas mais diferentes esferas dos governos. Federal, estaduais, municipais. Mais violência. E mais violência. E mais. Problemas na Saúde, na Educação, na Previdência. E mais, mais violência.
Muitos veem o Brasil à beira do caos. É nesse cenário de guerra que vamos às urnas daqui a seis meses para esboçar nosso futuro político. Nessa árdua missão, temos um fator complicador: não sabemos mais no que acreditar.
Em tempos de pós-verdade, em que o uso que se faz da informação importa mais que a busca pelo fato, em que se acredita na notícia e a compartilha apenas se é favorável ideologicamente, nos vemos imersos numa quantidade assustadora das chamadas “fake news” tão logo ligamos o computador ou tocamos a tela do celular. As “fake” integram um mercado gigantesco e que continua em expansão. Seu papel como ferramenta de influência política já é inquestionável e, portanto, elas devem ser uma marca do processo eleitoral que se avizinha. Têm força para gerar um impacto imensurável.
Mas ainda não tão grande como o da TV, cujo poder de alterar comportamentos é, muitas vezes, negligenciado nos bate-papos cotidianos sobre eleições. Fosse em outras situações e épocas, como o emblemático debate entre Collor e Lula, o último do segundo turno de 1989, em que a Rede Globo teria levado ao ar, no dia seguinte, uma edição tendenciosa, em benefício de Collor, a TV teria protagonismo maior como objeto de análise. Não tínhamos, na época, acesso à internet. Com o advento das novas tecnologias, a telinha parece ter perdido espaço nessa discussão e passado a ocupar um segundo plano. O que vai na contramão de pesquisas recentes.
Temos, no Brasil, uma população estimada em pouco mais de 208 milhões de habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos quais pouco mais de 120 milhões estavam conectados à internet no ano passado. A informação é de um levantamento divulgado no último mês de outubro pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).
Com esse número, nosso País ocupava o quarto lugar no mundo em número de usuários, ficando atrás dos Estados Unidos, com 242 milhões, Índia, com 333 milhões, e China, com 705 milhões. Quando os dados eram avaliados proporcionalmente à população, o Brasil caía para o sexto lugar, com 59% de usuários. Nesse quesito, perdia para o Reino Unido, com 94%, Japão, com 92%, Alemanha, com 90%, Estados Unidos e Rússia, com 76% cada.
Outros dois estudos recentes colocam uma pimenta nessa conversa. O primeiro, publicado ano passado, foi feito em 2016. A “Pesquisa Brasileira de Mídia – Hábitos de Consumo de Mídia pela população brasileira” apontou que 63% dos brasileiros se informavam, prioritariamente, pela televisão, contra 26% pela internet. Quando perguntados se a TV era, entre outros, um de seus meios de informação, os entrevistados responderam sim em 89% dos casos. Para a internet, esse índice foi de 49%.
O Brasil tem, segundo o IBGE, perto de 69 milhões de residências. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD de 2016 apontou que a TV estava presente em 97,2% delas. Se estendermos esse percentual para o número de habitantes, são pouco mais de 202 milhões de habitantes com acesso à TV, 82 milhões a mais em comparação com os usuários de internet. Entre esses 202 milhões de espectadores, cerca de 40 milhões só têm acesso à TV aberta.
O segundo estudo dos quais comecei a me referir dois parágrafos acima mostra que o consumo de TV bateu todos os recordes no Brasil em 2017. De acordo com a Kantar Ibope Media, a quantidade de TVs ligadas no horário das 7h às 0h, em 15 regiões metropolitanas, foi, em média, de 46,17%, contra 45,78% em 2016, 42,7% em 2015, e 41,2% em 2014. O tempo diário que o brasileiro passa em frente aos aparelhos de televisão também subiu. De 5h50 em 2014 para 6h08 em 2015, 6h15 em 2016 e 6h25 em 2017.
A julgar só por esse emaranhado de números, a possibilidade de influência maior da TV no processo eleitoral já poderia encontrar argumentos plausíveis. Mas não é só isso. Vejamos.
Enquanto a internet vive uma crise de credibilidade, isso ainda não parece acontecer tão fortemente com a TV, apesar das críticas advindas de alguns movimentos sociais, principalmente à Globo. Em contrapartida, outro levantamento divulgado no ano passado, pelo Instituto Reuters, indica que os telejornais da Globo e da GloboNews são os mais consumidos no Brasil entre os veículos de TV, rádio e impresso e que o índice de confiança na mídia brasileira é de 60%. Entre os entrevistados, 24% avaliaram como bom o trabalho das redes sociais para separar fato de boato. Para a imprensa tradicional, esse índice sobe para 40%.
Mais uma relevante questão nesse contexto é que as campanhas recentes contra as “fake news” parecem ter surtido algum efeito. Quem usa a internet para buscar informação séria já consegue, em grande parte, desconfiar de quando a notícia é inventada. Ou seja, há bastantes indícios de um exercício crítico ao consumir a notícia. Já na TV, pelo que se pode extrair dos índices dessas pesquisas recentes, o índice de aceitação de que a informação venha travestida de “verdade” é maior. E é aí que pode morar um risco.
Se até pouco tempo atrás, o Jornalismo estava ancorado nos pilares da objetividade, da neutralidade e da imparcialidade, hoje não é mais segredo que a notícia é resultado de uma série de interferências subjetivas e mercadológicas. É, portanto, ideológica. Se, na TV, por exemplo, ela não chega a ser “fake”, pode estar recheada de intenções persuasivas, sob o manto da veracidade dada pela imagem em movimento, que serviria como mecanismo de comprovação daquilo que se apresenta.
Por tudo isso, acredito que a televisão continuará dando as cartas do processo eleitoral. Não dá pra negar que a internet terá uma influência de peso. Mas é fundamental também prestar atenção à forma como as grandes corporações de TV irão abordar o nosso maltratado País. E pelo menos na mesma intensidade que os perfis fake da internet.
Igor Savenhago é Jornalista e Professor, residente na cidade de Pontal, interior de São Paulo. Faça como ele, envie sua análise, crítica ou reflexão sobre a TV. Saiba como aqui.