Memória

Há 37 anos, Globo também ficava sem exibir Carnaval, mas por culpa da Manchete

Diferente da pandemia, em 1984 foi uma concorrente que tirou a festa da emissora

A Mangueira foi a campeã do Carnaval do Rio em 1984. Foto: Revista Manchete/Biblioteca Nacional
Por Diogo Cavalcante

Publicado em 14/02/2021 às 06:15:19

É estranho imaginar o Carnaval na televisão sem a tradicional transmissão dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. Mas a pandemia do novo coronavírus impôs essa realidade, ao forçar o cancelamento da folia. Há mais de 35 anos que a Globo não ficava sem exibir o evento em sua programação. A última vez que isso aconteceu foi em 1984, quando a extinta TV Manchete adquiriu, com exclusividade, os direitos de transmissão da festa.

O caso é tratado como um notório “baile” dado pela antiga emissora, pertencente ao empresário Adolpho Bloch. Até 1983, os desfiles no Rio de Janeiro eram realizados na Avenida Presidente Vargas e apenas em um dia: o domingo. Em 1984, a festa passou a ser realizada no sambódromo da Marquês da Sapucaí, idealizado pelo governo de Leonel Brizola e desenhado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Também foi a partir deste momento que o desfile foi dividido em dois dias - domingo e segunda -.

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Até 1983, a cobertura de Carnaval da Globo era limitada à transmissão do desfile do Rio, no domingo, e flashes mostrando a folia no resto do país, como em São Paulo, Recife, Olinda e Salvador. A tradição de mostrar as escolas de samba de São Paulo só começou em 1987, por exemplo.

Já em 1984, a Globo não chegou a um entendimento com o Governo do Rio de Janeiro e abriu mão da negociação. No entanto, como relatou José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, antigo chefão da TV, em seu livro de memórias, tratava-se de uma jogada ensaiada para conseguir passar a perna em Brizola: Boni combinou com Moysés Weltman, diretor de programação da Manchete à época, que o canal iria comprar os direitos para depois dividir com a Globo.

“O governo, com o sambódromo na mão, assumiu a negociação dos direitos. A coisa foi engrossando e, pressionado, achei uma saída: combinei com o Moysés Weltman que ele compraria o Carnaval sozinho e depois repassaria a minha parte. Esse compromisso foi assumido com pedra e cal, depois dele ter consultado o Adolpho Bloch. Uma vez assinado o contrato, no entanto, o Weltman não me atendia mais, e o Bloch não respondia nenhum telefonema do dr. Roberto Marinho, que declarou guerra ao Adolpho Bloch. Ficamos fora do Carnaval”, afirmou Boni em seu livro.

Filmes, Fantástico e Roberto Carlos: a grade alternativa da Globo para o Carnaval

Sem os direitos de transmissão do Carnaval do Rio, restou à Globo montar uma contra-programação para fazer frente. Em anúncio, divulgado nos principais veículos de comunicação na época, a emissora prometia: “Um Brasil de alegria e emoções para você”. 

O Cassinho do Charinha de sábado, 3 de março de 1984, foi classificado como especial, para "mostrar o que há de melhor para se cantar e brincar neste Carnaval". O Supercine, às 21h30, mostrou o filme Esta Pequena é Uma Parada, com Barbra Streisand e Ryan O'Neal.

No domingo, para enfrentar os desfiles, a programação especial anunciava Os Trapalhões na Serra Pelada para as 18h, na faixa do programa de Dedé, Didi, Mussum e Zacarias. Às 20h, foi exibido o Fantástico normalmente, com flashes da festa. Às 22h30, entrou em cena o Cinema Especial, com Bonnie e Clyde - Uma Rajada de Balas.

Na segunda-feira, quem enfrentou o desfile foi a novela das 20h, Champagne, de Cassiano Gabus Mendes, e um show de Roberto Carlos, programado para às 21h30. Na sequência, de 23h10, o Cinema Especial exibiu Os Doze Condenados.

Por fim, na terça-feira, dia 6 de março de 1984, logo após Champagne, entrou em cena o especial Coração Brasileiro, com Elba Ramalho, às 21h30. Às 22h40, o Cinema Especial trouxe o filme Rede de Intrigas.

A audiência foi péssima no Rio de Janeiro. No domingo, conforme noticiado pela imprensa na época, o Fantástico e o Cinema Especial perderam a liderança para o desfile na Manchete. Já na segunda-feira, segundo dados do Ibope doados ao acervo da Unicamp, liderou na média dia contra a Globo. Entre as 7h e 7h15 da manhã, a Manchete marcou 22 pontos, contra 4 da Globo e 1 do SBT.

Já em São Paulo, não teve tanto efeito. Os índices oscilaram entre os 3 e 5 pontos de audiência, ao longo das longas horas de transmissão. O Fantástico, os filmes e Champagne não tiveram suas médias afetadas.

No entanto, a vitória no Rio foi bastante celebrada pela direção da Manchete. “Certamente, tínhamos boas expectativas, e a Globo se armou bem com especiais de Gilberto Gil e Roberto Carlos, bons filmes como Rede de Intrigas e Doze Condenados, com a competência que ninguém lhe nega. Mas para a TV Manchete a cobertura do Carnaval equivale a uma segunda inauguração”, declarou Moysés Weltman, em entrevista ao Jornal do Brasil, em 8 de março de 1984.

Em 1985, foi criado um pool de transmissão, unindo Globo, Manchete e Band para transmitir os desfiles do Rio. Segundo reportagem da Veja, datada de 13 de fevereiro de 1985, as três emissoras se juntaram para pagar 1,7 bilhão de cruzeiros (moeda da época) à Riotur, para viabilizar os direitos.

A Globo e a Manchete rivalizaram por anos na transmissão de Carnaval. As exceções ficaram para o ano de 1993, quando a emissora da família Bloch não teve condições de exibir o desfile pela primeira vez; e em 1999, quando saiu de cena.

Depois do susto de 1984, nunca mais o Carnaval saiu da tela da Globo. Somente neste 2021, mas por força da pandemia.

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