Publicado em 31/05/2020 às 07:30:00
De Los Angeles (EUA), onde mora, Tiago Santiago acompanha a repercussão da reprise de Os Mutantes (2008), uma de suas novelas mais bem-sucedidas, na Record. Ao mesmo tempo, se preocupa com a situação da Cultura e do audiovisual no Brasil, em função da pandemia de coronavírus e do governo Bolsonaro.
Na avaliação de Santiago, sua última novela exibida no Brasil sequer seria produzida atualmente. Amor e Revolução, ambientada durante o Regime Militar (1964-1985), mostrou os horrores da ditadura, como prisões, torturas e assassinatos de opositores ao golpe, além de depoimentos de vítimas do Estado durante os anos de chumbo.
Quando o SBT estreou Amor e Revolução, em abril de 2011, o Brasil era governado por Dilma Rousseff, torturada pelos militares entre os anos 60 e 70. O presidente atual, Jair Bolsonaro, apoia abertamente o período e se recusa a chamá-lo de “golpe” ou “ditadura”. O SBT, por sua vez, se alinhou ao discurso do chefe do Executivo e já produziu campanhas resgatando slogans da ditadura, como “Brasil: ame-o ou deixe-o”.
"Não creio que Amor e Revolução seria produzida hoje no SBT. No decorrer da novela, ficou claro para mim que os grandes heróis da História foram os que lutaram dentro da legalidade para a volta à democracia”, analisa Santiago.
Em entrevista exclusiva ao NaTelinha, o novelista também fala sobre a continuação de Os Mutantes, provavelmente em quadrinhos, e a possível nomeação do ator Mário Frias, que interpretou um vampiro na novela da Record, para a Secretaria Especial de Cultura no lugar de Regina Duarte.
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Mesmo à distância, você tem acompanhado a reprise de Os Mutantes na Record. Os fãs que curtiram Caminhos do Coração te marcam em vídeos e fotos assistindo à sua trama. Depois de 12 anos da estreia, você fica surpreso com a repercussão?
Tiago Santiago - Recebo diariamente carinho dos fãs de Mutantes, mesmo quando as novelas não estão no ar. As pessoas têm profunda gratidão por toda diversão e fantasia que lhes proporcionamos, principalmente na infância. No começo, eu me surpreendia com a constância das mensagens de carinho, mas a gente se habitua a tudo, então deixou de ser uma surpresa. Agora, com as reprises, esse movimento aumentou, como era de se esperar.
Os Mutantes chamou muita atenção pelos efeitos especiais. Alguns foram elogiados e outros viraram até piadas (como o “sapão"). Você temeu que a reprise ficasse "datada" em função do avanço tecnológico? Você toparia refazer a novela com os efeitos de hoje?
Tiago Santiago - Nunca houve telenovela que investisse tanto em ficção científica e efeitos especiais como a trilogia de novelas dos Mutantes. É claro que os efeitos especiais de uma novela de seis capítulos por semana não podem se comparar aos de um filme que leva anos para ser produzido. De modo geral, acho os efeitos ótimos, e mesmo quando não são perfeitos fazem parte da diversão, e este sempre foi o propósito. Não creio que as novelas dos Mutantes vão ficar “datadas", porque são atemporais. Tenho assistido a muitas cenas de efeitos, com prazer. Não creio que a Record investiria em um remake, porque as novelas originais mantêm muita qualidade. Seria ótimo se a Record quisesse investir em uma continuação, com as crianças mutantes agora jovens na casa dos vinte anos, com mais qualidade ainda nos efeitos. Sonhar não custa nada. Os fãs fazem campanha para que isso aconteça, e eu adoraria.
Em uma de suas lives com atores de Os Mutantes, você falou que gostaria de publicar um livro sobre a trama. Chegou a sair do papel? O livro recontaria a novela ou seria uma continuação?
Tiago Santiago - Os fãs sempre me cobram uma continuação. É todo um universo que foi criado, e quem ama quer mais. Não tenho vontade de recontar as novelas em livro, mas tenho sim vontade de escrever a continuação da história. Depois que a nave mãe dos reptilianos é derrotada, muitos sobrevivem disfarçados de humanos, e a batalha pela Terra continua. Alguns mutantes se aliam aos reptilianos, e outros aos humanos. Vou fazer em livro, provavelmente em quadrinhos.
Amor e Revolução foi sua última novela na TV brasileira e repercutiu muito por abordar todos os abusos e crimes cometidos pela ditadura militar, como tortura, exílio e assassinato de opositores ao golpe. Hoje, a emissora que produziu a novela, o SBT, alinhou-se ao governo Bolsonaro, defensor do regime. Para você, Amor e Revolução seria produzida atualmente?
Tiago Santiago - Não creio que Amor e Revolução seria produzida hoje no SBT. No decorrer da novela, ficou claro para mim que os grandes heróis da História foram os que lutaram dentro da legalidade para a volta à democracia.
Silvio Santos chegou a reclamar publicamente do excesso de violência e de crítica aos militares em Amor e Revolução. Uma ala das Forças Armadas, inclusive, pediu a retirada da novela do ar. Você chegou a sofrer represálias dentro e fora do SBT por causa da trama?
Tiago Santiago - Amor e Revolução foi a novela mais difícil que escrevi em minha vida. O protagonista, vivido por Cláudio Lins, era um dos militares que ficou ao lado da democracia no golpe militar. Na verdade, senti pressões quando deixamos de exibir o depoimento do ex-companheiro da Dilma [Rousseff], pai da filha dela, por medo de desagradar o governo petista da época; e quando uma marca retirou a cota de patrocínio, por causa do beijo lésbico, que foi ao ar, e de um beijo gay, que foi gravado, mas não exibido. Um movimento de militares da reserva foi esboçado para tirar a novela do ar, mas a Constituição impede a censura no país, e isso é uma de suas cláusulas pétreas, ou seja, que não podem ser modificadas.
Considerando o histórico de Silvio com os militares (ele adulou o regime em agradecimento pela concessão de TV, inclusive mandando exibir o programa Semana do Presidente), você acha que ter contado no SBT os horrores da ditadura militar, um tema ainda mal resolvido no Brasil (basta observar o apoio do presidente e de parte da sociedade), foi sua maior ousadia?
Tiago Santiago - Se eu conhecesse o SBT naquela época como conheço hoje, é possível que eu só tivesse feito novelas para toda a família, inclusive crianças, como meus sucessos na Record. Foram essas novelas que deixei para o fim do meu contrato lá, escrevi, mas não foram produzidas até hoje. E acho, sim, que foi uma ousadia fazer uma novela sobre a ditadura no SBT.
Como tem acompanhado a situação da cultura brasileira nos últimos dois anos? No período, a Cultura perdeu ministério, foi comandada por um secretário que depois foi demitido por um discurso com inclinação nazista [Roberto Alvim], e parou nas mãos de Regina Duarte. Hoje, os artistas penam para sobreviver sem palco em meio à pandemia. O mais cotado para assumir a pasta é Mário Frias, ator para quem você escreveu em Os Mutantes. Você se preocupa com a questão da cultura atualmente no país?
Tiago Santiago - Tenho acompanhado a questão da cultura no Brasil. Abomino qualquer flerte com o nazismo, ditadura ou autoritarismo. Rezo para que a Constituição de 1988 continue a nortear os caminhos da democracia em nosso país. Fiquei chocado ao ver que a Regina Duarte não quis ouvir a Maitê Proença. Escutar o outro é uma das primeiras lições das artes cênicas. Com teatros e cinemas fechados e gravações de TV paradas, urge um plano de assistência emergencial aos artistas. Vamos todos ter que nos reinventar neste futuro próximo. Eu me preocupo muito, sim. Tenho simpatia pelo Mário Frias, que trabalhou nos Mutantes. Se ele assumir mesmo a Secretaria de Cultura, desejo que faça bom trabalho e considere com especial carinho o amparo emergencial a artistas em situação de necessidade, durante os tempos da pandemia.
Passados quase dez anos de sua última novela no Brasil, como está sua rotina de trabalho nos Estados Unidos, principalmente durante a pandemia? O coronavírus entraria em uma trama como Mutantes, por exemplo?
Tiago Santiago - Continuo a trabalhar diariamente. Acabo de terminar mais um roteiro em inglês, e sei que é apenas questão de tempo até eu ter meus filmes e trabalhos produzidos aqui em Hollywood, onde o mercado é muito maior que no Brasil. Meu filme Possessões já ganhou vários prêmios, no Brasil e no exterior, e foi selecionado para o Festival de Cinema Brasileiro em Paris. Estou pensando em fazer pré-venda dele em VOD (video on demand), para deixá-lo acessível a quem quiser assistir. Escrevi também o livro Tudo é Magia, sobre minhas experiências com magia e a busca de iluminação espiritual, e vou publicá-lo em breve. Pretendo me dedicar cada vez mais ao cinema e à literatura. No universo dos Mutantes, uma pandemia seria uma estratégia reptiliana contra a humanidade, mas em respeito às muitas vítimas e seus familiares, não usaria o nome Covid ou coronavírus.
Como tem se cuidado para não se infectar com o coronavírus?
Tiago Santiago - Tenho ficado muito em casa. Uso máscara quando vou ao mercado ou à farmácia. Procuro estocar ao máximo, quando faço compras de mercado, para não ter que voltar tão cedo. Tomo zinco, vitaminas C e D, equinácea, alho, gengibre, limão, multivitamínico, tudo que possa aumentar minha imunidade. Corro quase diariamente para fortalecer pulmões. Cuido muito da higiene bucal, que é onde entendo que começa a infecção.
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