Publicado em 12/05/2020 às 05:33:00
A estudante de Psicologia Victória Pannunzio transformou sua revolta em deboche e viralizou nas redes sociais com uma sátira bem-humorada à campanha do Enem 2020, mantido pelo Ministério da Educação apesar dos pedidos para o adiamento em função da pandemia de coronavírus. A universitária é filha do jornalista Fábio Pannunzio e, como o pai, recebeu ataques e até ameaças de morte pelas críticas ao governo.
Somente no Twitter, o vídeo de Victória Pannunzio acumula 1,6 milhão de visualizações, mais que o dobro do publicado pelo Ministério da Educação (531 mil). Na campanha, a pasta do governo federal mostra adolescentes com celulares e computadores estudando para o Enem porque “o Brasil não pode parar”.
A filha de Fábio Pannunzio, vestida com a camisa da seleção brasileira, imita os jovens do vídeo do MEC, tira sarro da frase “E daí?”, dita por Jair Bolsonaro ao ser questionado sobre o recorde de mortos por coronavírus no Brasil, e brinca que os alunos podem estudar ou “tirar coisas da própria cabeça e tomar como verdade”, como faz o “mito” (apelido do presidente dado por seus apoiadores).
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Em entrevista ao NaTelinha, Victória Pannunzio conta que gravou a sátira logo após o governo veicular a campanha polêmica para o Enem.
"Quando vi a propaganda do MEC, não posso dizer que fiquei chocada, até porque era de se esperar algo parecido vindo do governo atual, né? (risos) Eu só pensei que aquilo ali era um retrato extremamente elitista da realidade dos estudantes brasileiros. Passei em uma faculdade pública porque, além do meu esforço pude contar com privilégios como um cursinho e uma escola particular, mas essa não é a realidade da maioria dos brasileiros. Procuro com os meus privilégios eventualmente chamar atenção pra os assuntos que acabam por consolidar uma ideia meritocrática e que não leva em conta e exclusão e a desigualdade social no nosso país”, analisa.
A universitária de 21 anos admite certa pressão para agradar aos seus novos seguidores. Em uma semana, saltou de 2 mil fãs para mais de 84 mil. O vídeo também repercutiu entre famosos como o ator Bruno Gagliasso e o humorista Marcelo Adnet.
"Eu realmente me emocionei quando alguns ídolos meus assistiram ao meu vídeo. O carinho do Marcelo Adnet foi um sonho realizado pra mim, porque desde os 11 anos eu o admiro e consumo, quase que loucamente, o trabalho dele. Eu me emocionei bastante com o carinho dos jornalistas e artistas que têm a coragem de se opor ao governo e de ser resistência em tempos tão sombrios", comemora.
Entre os jornalistas que apoiaram Victória, está o mais importante para ela: seu pai, Fábio Pannunzio. Poucas pessoas desconfiaram do parentesco até o ex-apresentador da Band compartilhar, orgulhoso, a paródia da filha em seu Twitter.
A estudante conta que o pai a ajudou a lidar com os ataques sofridos por causa do teor da sátira. Ela recebeu ameaças de estupro e violência após debochar de Bolsonaro.
"Uma coisa que sempre foi gatilho para minha ansiedade era ver o ódio que meu pai sofria desses perfis que me atacaram. Por anos eu não podia procurar o nome dele na internet porque se eu visse alguém falando qualquer coisa ruim dele eu ficava muito mal. É complicado quando você vê alguém criticando a sua maior referência de figura masculina, de pai, amigo e, sobretudo, meu ídolo como jornalista. Ele me ajudou muito quando eu fiquei mal pelos ataques, afinal, ele é vítima deles há anos e parece inabalável. Meu pai é a pessoa que eu quero ser quando crescer (risos). Ele continua com a mensagem dele mesmo com gente tentando o derrubar. Por isso, sou muito orgulhosa e tive o ensinamento desde criança de que eu não poderia me calar, e não vou!", avisa.
Embora tenha ficado abalada com as mensagens de ódio, a autora da paródia do Enem confessa ter ficado mais preocupada com pessoas que recebem ataques semelhantes e recorrem a medidas drásticas, inclusive contra a própria vida.
"Eu, por sorte, trabalhei diversas questões em terapia e hoje tenho a ansiedade controlada, tanto por hábitos que adquiri quanto pelo uso de medicação psiquiátrica mesmo. O ódio que eu recebi, mesmo com tudo isso, mexeu bastante comigo, não a ponto de tomar uma decisão radical, mas penso que pessoas mais vulneráveis emocionalmente poderiam sofrer muito e se colocar em risco. Isso me deixou ainda mais triste, porque eu sabia que a maioria dos ataques era misógina e tinha o objetivo de me desequilibrar. Por sorte e com muito apoio de quem eu amo, além de um trabalho muito intenso e depois de tirar um tempinho pra mim, acordei melhor no dia seguinte e com a certeza de que, se eu me calasse, ia ceder ao que aquelas pessoas queriam. Eu não vou me calar e espero ajudar muita gente, mesmo que isso me renda muitos comentários maldosos. Desejo a cada um que estiver lendo isso e que vier a passar pelo mesmo que seja forte e lembre-se que sua vida importa, e que nenhum ódio é maior do que o amor que você pode trazer para o mundo".
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