Publicado em 24/10/2019 às 04:35:15
* Por Carlos Lombardi, autor da novela, especialmente para o NaTelinha
Há 25 anos estreava Quatro Por Quatro – sim, entre vários outros problemas a serem descritos neste texto, tínhamos que enfrentar o sol lá fora desde o primeiro capítulo, o que quebrava uma regra da programação.
Além disso, entrávamos depois de A Viagem, o maior sucesso da história das novelas da 7 e, com certeza, a pioneira no gênero novela espírita e sem dúvida a melhor história já contada no gênero. Era um remake da própria Ivani Ribeiro que já fora um sucesso devastador na Rede Tupi nos anos 70. Mais uma vez Cristiane Torloni herdava uma protagonista de Eva Vilma, indubitavelmente a atriz favorita de Ivani.
Era uma novela em que os personagens morriam, mas continuavam em cena – o que talvez a fizesse hoje em dia ser acusada de apropriação cultural e o Twitter exigiria que todos os personagens mortos devessem ser interpretados por atores mortos. Claro que seria complicado e três protagonistas teriam que ser kamikazes já que seus personagens começavam vivos e depois se tornavam espíritos. Mas divago...
Quatro por Quatro tinha tudo para dar errado. Ainda na fase de decolagem tinha que enfrentar o verão, o Natal e o Carnaval. Foi feita às pressas, em tempo recorde porque a novela programada para substituir A Viagem caiu na última hora. Fui pego de surpresa.
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Um dia Mário Lucio Vaz me pediu para ir ao Rio para mostrar os planos da minha próxima novela. Era cedo, só tinha que entregar a sinopse em março do ano seguinte. Ele leu, me mandou falar com Homero Icaza Sanchez, o mago das pesquisas que não criticou o texto, só me explicou quais eram as expectativas das telespectadoras que representavam as diferentes idades e classes sociais das 4 protagonistas. Foram dicas certeiras e sou eternamente grato por elas.
Na saída, disse pra Mario que ia para São Paulo escrever a sinopse, já que só mostrara um argumento curto, 10 páginas talvez e só tinha 15 personagens definidos. Mário me deixou arrepiado: "Esquece a sinopse. Vai escrever capítulo que a novela estreia em 56 dias". Protestei apavorado, me esganicei. Quando meu chilique passou, Mário disse com seu jeito de Oráculo de Delfos das minas gerais: "Estreia, sim. Porque você é o maluco que vai escrever e o Ricardo Waddington vai ser o maluco que vai dirigir. Vocês vão enlouquecer todo mundo mas a novela estreia". O mais surpreendente é que ele estava certo.
Para nossa sorte, apesar da novela ser o oposto de A Viagem (e talvez por isso mesmo) estreamos com ótima audiência. Já tinha feito sucesso antes com Vereda Tropical, Bebê a Bordo e Perigosas Peruas, mas Quatro por Quatro foi o meu primeiro arrasa quarteirão (ou blockbuster para os anglófilos). Na primeira semana a canção Metades, de Adriana Calcanhoto já dominava as rádios - era tema de Raí e Babalú, um dos mais bem sucedidos da minha galeria de casais que marca meu trabalho.
Verdade que a correria para cumprir o prazo apertadíssimo nunca terminou. Nunca havia estreado com tão poucos capítulos escritos (17) nem com tão poucos capítulos gravados. Na segunda da estreia gravávamos cenas para o capítulo 4, da quinta-feira. E a novela seguiu atrasada de início ao fim. Me agarrava na promessa de Mário Lúcio que dada a urgência me compensaria fazendo uma novela mais curta de 120 capítulos. Claro que essa promessa ele não cumpriu. Terminamos com, se não me engano, 233 intermináveis capítulos. Entreguei o último e fui direto para o hospital com desidratação, lumbago, ansiedade, gripe e tudo o que tinha direito para quem tinha corrido uma maratona.
Havia outras coisas que colocavam dúvida sobre o possível sucesso da obra. Boni estava viajando, já havia chamada no ar quando ele as viu na volta e mandou tirá-las do ar. A novela parou por dois dias. Ele alegava que não conhecia o elenco, que não tinha nenhuma estrela (tinha, Elizabeth Savala e a Juma de Pantanal, Cristiana Oliveira). Mas entre outros personagens principais tínhamos o primeiro protagonista de Humberto Martins como o primeiro de Marcelo Novaes. Sem falar em Letícia Spiller que fizera papéis pequenos numa novela e num programa de humor. Betty Lago havia chamado atenção na minissérie Anos Dourados, foi uma insistência certeira de Gilberto Braga, mas nunca fizera novela – muito menos num personagem de comédia.
Depois de dois dias vendo os testes e cenas gravadas, Boni liberou a novela – mas mandou regravar cenas de Betty dizendo que o cabelo dela estava errado. Segundo ela me contou, estava mesmo.
Mas isso foi depois do drama maior: a escalação de elenco mais complicada da minha vida.
Havia quem não confiasse em Humberto Martins, mas eu havia assistido outros trabalhos dele e punha fé, acompanhado por Paulo Ubiratan e Ricardo Waddington. Marcos Paulo para o vilão era uma tranquilidade. Mas das quatro atrizes que pedi para o quarteto de vingadoras não consegui absolutamente nenhuma.
Eliane Giardini foi abatida pela chefia. Gostavam dela (no que estávamos todos de acordo) mas julgavam que ela era muito verde para o papel. Mário Lúcio pôs Savalla na mesa e não se discutiu mais. Ela deu uma bela humanidade para a mulher passada para trás pelo marido novo rico (mais um delicioso trabalho de Tato Gabus, um dos atores que melhor lê meu texto desde sempre).
Para a gaga e romântica Tatiana eu queria Malu Mader. Além dela ser uma simpatia de pessoa, sempre teve um baita carisma. O público a adorava. Mas Mário Lúcio considerou que precisava dela para uma novela das 6 onde seria protagonista absoluta enquanto minhas quatro poderiam ser um pouco mais de risco. Veio Cristiana Oliveira. Eu tinha medo das passagens de comédia, já que só a vira fazendo papéis dramáticos – mas no ar logo relaxei. Ela agarrou a personagem diferente das anteriores com gana e se jogou de cabeça.
(Uma pausa: não é do quarteto, pouca gente acreditava em Helena Ranaldi para a vilã, mas Ricardo estava convencido que ela dava conta sim e surpreenderia muita gente. Eu e ele estávamos certos).
Para a dondoca Abigail, que logo se tornaria Bibi, a escolha inicial era Bruna Lombardi, com quem queria muito trabalhar. Linda, elegante, mas com uma moleca na alma que dava bandeira nos faiscantes olhos azuis, só teria que se soltar para enfrentar uma comédia pela primeira vez. Não lembro porque não rolou. Não sei se ela já tinha outros compromissos ou não acertou grana ou queria descansar de novelas.
Para Bibi, porém, logo tinha um nome na ponta da língua. Gostara muito de Betty (Lago) em Anos Rebeldes, mas era um drama heavy. A beleza diferente, sofisticada, o nariz aquilino perfeito e a voz mágica conquistavam com facilidade. Mas quem me alertou que ela era muito engraçada foi um amigo em comum, Vinicius Vianna, amigo e colaborador de outros trabalhos. Ele mandou eu ver os primeiros capítulos de uma mini de Calmon onde Vinicius era o colaborador de texto.
Logo vi que Betty era uma palhaça com um baita timing de comédia e uma figura mágica, que não deixava a gente olhar para outro lado quando entrava em cena. Falamos pelo telefone, logo vi que tínhamos senso de humor semelhante. Insisti muito e apesar de certa insegurança, toparam.
Foi ali que começou uma das maiores parcerias da minha carreira e uma das maiores amizades de minha vida. Muita saudade, Betty. O céu devia ter pelo menos telefone, maluca.
Ao contrário de muita gente, principalmente da crítica de TV da época, eu já sabia que Adriana Esteves ia ser uma das maiores atrizes do país, talvez a melhor de sua geração. Enquanto a crítica desceu o malho na sua garota fatal, mas apaixonada de Renascer, de Benedito Rui Barbosa, tinha adorado o desempenho dela. Ao rever a novela pouco tempo atrás no Canal Viva, vi que estava certo. Sua interpretação em tom baixo, mais olho do que voz era a interpretação mais moderna da novela, não envelheceu nada – assim como é o caso de Vivian Leigh em O Vento Levou. Fora injustiçada. Talvez tanta beleza e tanto talento juntos fosse ofensivo pra muita gente.
Fiz Babalú pensando nela, pra ela. Adriana até tentou (mas nunca falamos pessoalmente), mas ela estava doente, crise braba de pânico. O massacre da crítica fora implacável. Não estava em condições de trabalhar.
A gente sem Babalú e já fazendo reunião de elenco. Claro, a novela estreava em pouquíssimo tempo. Nessa reunião, chamou a atenção tanto de mim como de Paulo Ubiratan a loira de rosto incrível e corpo mais ainda de sobrenome alemão, Letícia Spiller. Um sorriso que iluminava a sala. Ela estava escalada para um papel coadjuvante, uma médica interna inteligente e independente que trabalharia no hospital, um dos cenários principais da novela.
Paulo falou em arriscar um teste. Não preciso dizer que Letícia matou a pau e tínhamos (se Boni deixasse) uma Babalú e tanto. Claro que ela era verde, precisava de atenção da direção para não subir o tom mas era mágica. A câmera e ela foi um caso de paixão a primeira vista. E Letícia era disciplinada, agarrou o personagem a unha.
Como curiosidade, a substituta dela como a jovem médica foi outra beldade que me chamara atenção na mesma mini de Calmon, Luana Piovani – outra parceria que se repetiu mais vezes em minha vida, sendo que o ponto alto foi a Marquesa de Santos da minha querida Quinto dos Infernos.
Sim, foi uma novela que tinha tudo para dar errado, mas com proteção do astral, não tenho dúvida. Grandes lançamentos, veteranos em papéis que não eram os que costumavam fazer (Savalla, Marcos Paulo), muita coisa dando certo. Claro que como qualquer novela houve um erro ou outro de escalação, um núcleo que eu não soube desenvolver direito, etc mas o resultado foi melhor do que a encomenda.
Mesmo que da metade para o fim da novela meu único objetivo era sair vivo daquela maratona, foi uma novela que me deu muito prazer e da qual tenho saudades. Me solidificou como autor de sucesso, me permitiu ousadias maiores como Uga Uga, Quinto dos Infernos e Kubanacan. Mas foi, antes de mais nada, uma prova que anjo da guarda existe.
Obrigado a todos os talentos envolvidos e à generosidade do público. E a Mário Lúcio Vaz e Paulo Ubiratan. Se o céu tiver happy hour tenho certeza que estão lá rindo muito com a desbocada Betty.
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