Coração Alado

Há 40 anos, Janete Clair deixava o país de cabelo em pé com masturbação feminina e estupro

Novela sofreu com as críticas por ser considerada realista demais

Coração Alado deixou o Brasil de cabelos em pé com sequência forte - Foto: Divulgação
Por Daniel César

Publicado em 19/07/2020 às 10:04:10

Em 1980 a Globo estreou Coração Alado, outra novela de Janete Clair que, neste período, já dividia com Ivani Ribeiro os louros de ser a principal novelista do país. Mas neste trabalho em especial, a autora chocou o país com duas cenas em particular: um estupro contra a protagonista vivida por Vera Fisher e uma simulação de masturbação feminina, em papel feito por Débora Duarte. A produção ainda sofreu rejeição por parte do público por ser considerada melodramática demais e com personagens infelizes, além de debater temas do cotidiano como a diabetes.

Considerada uma das cenas mais fortes da teledramaturgia brasileira até então, Janete Clair escreveu a sequência em que Vivian é estuprada pelo cunhado, mas houve rejeição automática dos telespectadores. Eu não consigo ainda entender isso direito, já que a própria televisão mostra diariamente cenas reais de violência muito mais sérias do que esta. A mesma rádio que fala mal de Coração Alado num programa, logo depois apresenta seu noticiário local mostrando as maiores barbaridades. Acho uma incoerência que a ficção agrida mais que a realidade", reclamou a novelista em entrevista à Revista Amiga naquele ano.

O próprio Ney Latorraca chegou a comentar as dificuldades em se fazer a tal cena do estupro. “A cena era muito delicada, difícil de fazer. Precisávamos ensaiar e tinha muita gente olhando. Não foi um ataque de estrelismo, mas naquele momento, Vera (Fischer) e eu pedimos por favor para que os estranhos à gravação saíssem do estúdio (…) A cena teve que ser refeita várias vezes, por que Vera é muito forte e eu, no auge de minha magreza, não conseguia derrubá-la, até inventarem um artifício para facilitar as coisas. Eu dava um remedinho para ela, a personagem ficava meio grogue, e aí dava para gravar a cena do estupro", detalhou o autor em seu livro Muito Além do Scritp.

Janete Clair e a masturbação feminina

Janete Clair parecia à vontade em Coração Alado para chocar o país em todas as ramificações, tanto que não teve problema de escrever uma cena em que a personagem Catucha se masturba para matar a saudades do marido. O diretor Roberto Talma teria optado por ângulos de simulação, como os pés em posição circular e a expressão de facial da personagem, tudo combinado com a novelista que havia pedido sequências fortes.

A cena chocou tanto a população, também porque uma falha técnica fez com que um áudio de Talma vazasse com ele instruindo Débora Duarte a simular expressões de masturbação, que a Globo desapareceu com o roteiro deste capítulo e a fita foi completamente apagada para não haver registro da situação ocorrida pouco antes do início abertura da Ditadura Militar. Por conta de tantas polêmicas, a trama jamais foi reprisada.

Janete Clair realista demais

Coração Alado foi acusada de ser realista demais em outros núcleos. O personagem Alberto, vivido por Mário Cardoso, era diabético e, por isso aparecia quase que diariamente fazendo uso de medicação, como a insulina. As sequências geraram onda de protestos na Globo porque as mães consideravam que novela era entretenimento e não para discutir doenças para as crianças.

Não se sabe se convencida do argumento ou por orientação da Globo, Janete Clair retirou as cenas da medicação e foi alvo de novo protesto, dessa vez da Associação de Diabetes Juvenil, que via no núcleo a chance de se debater um assunto importante e que não era tratado para o grande público. Por fim, a autora decidiu manter a originalidade da história e voltou com a insulina.

Sobre as sequência de realismo, o crítico Arthur Xexéo pontuou no livro Janete Clair, a Usineira dos Sonhos, “A novela era depressiva, com poucas gravações externas, e um texto puxado para o melodrama que não se encaixava mais no horário das oito”.

Janete Clair: Coração Alado

Embora tenha sofrido rejeição por parte do público, Coração Alado terminou com média de 56,9 pontos, apenas 1,1 abaixo de sua antecessora, Água Viva, segundo dados da Kantar Ibope a que o NaTelinha teve acesso junto à fontes do mercado. Mas muito abaixo dos 61,60 de um ano antes, quando a própria Janete havia escrito Pai Heroi, um de seus maiores sucessos.

A novela teve como títulos provisórios Vernissage, que foi substituído diretamente por Boni, então diretor geral da Globo. “O título Vernissage, que já era considerado definitivo, foi mudado, em uma reunião de Janete Clair com Boni, para Coração Alado. A música ‘Noturno’ de Fagner, que faz referência ao tal coração, foi usada como tema de abertura. Boni chegou a tocar a música para a autora ouvir e ela achou-a lindíssima", explicou o jornalista Hildegard Angel no Jornal O Globo

Janete Clair e Coração Alado: a história

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A história de Coração Alado acompanhava Juca Pitanga (Tarcísio Meira), um escultor que enviava suas obras para serem vendidas na cidade grande até descobrir que os objetos eram negociados pelo dobro do preço pelo vilão Leandro Serrano (Ney Latorraca). De mudança para o Rio de Janeiro, o protagonista conhece Vivian (Vera Fisher), por quem se apaixonada, mas a vida acaba os separando.

Enquanto ele se envolve cada vez mais com a vilã Catucha (Débora Duarte), Vivian não resiste ao assédio constante de Leandro e acaba estuprada pelo cunhado. Além disso, ela engravida do homem e não tem coragem de ficar com a criança a entregando para a adoção. Sem saber de nada, Vivian acaba deixando comque seu filho seja criado por Catucha, que diz ser mãe legítima do bebê com Juca.

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