Márcio Gomes fala de lenços no paletó, tempos no Japão, saída da Globo e chegada à CNN Brasil
À frente do CNN Prime Time, o jornalista revela bastidores da vida no Japão e relata breve retorno recente. Márcio Gomes revisita a carreira e não deixa de se mostrar empolgado com o que vem por aí

Publicado em 18/06/2025 às 00:20,
atualizado em 18/06/2025 às 10:48
Às vésperas de completar cinco anos na CNN Brasil, Márcio Gomes comanda um noticiário diário no canal. Com quase meia década de experiência na "nova" casa, não tem a menor dúvida de que era hora de respirar novos ares quando teve a chance. A decisão de sair da Globo veio depois de muitas conversas com amigos e esposa. O jornalista admite saudades do convívio com aquelas pessoas, mas diz que estava sem rumo. "Foi a melhor troca que eu posso ter feito na minha vida", sentencia.
A afirmação foi feita em uma longa entrevista ao NaTelinha publicada no YouTube (vídeo ao fim da matéria) e que também aparece aqui em formato de texto. Márcio Gomes é o 12º convidado de uma série de 20 entrevistas com personalidades que fizeram ou fazem a história da TV neste mês que marca as duas décadas do site.
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Uma das principais contratações da CNN Brasil logo no seu início, ele recorda o período que atuou como correspondente internacional da Globo no Japão. A ideia de viver no exterior foi dele mesmo. Imaginava que seria mandado para Londres ou Nova Iorque. Quando soube que era a Terra do Sol Nascente, um baque. O susto durou até conhecer o país com a esposa. Ele teve a ajuda de Roberto Kovalick nesse processo de adiantar como seria a vida por lá. "Mudou não apenas a minha vida profissional, mas pessoal e a vida de toda a minha família", reconhece.
Gomes também não esconde que viveu um luto quando teve que voltar. No fim de sua passagem pela Globo, foi o responsável por apresentar o programa diário Combate ao Coronavírus, que entrou no lugar de atrações como o Encontro e Mais Você. "Enquanto todo mundo foi para casa, eu fui para a rua", recorda ele no ápice da pandemia de Covid-19, no tempo que a vacina era somente um sopro de esperança.
Ao longo da conversa, o jornalista também relembra reportagens marcantes, os bastidores do outro lado do mundo e até os lenços que utiliza como parte do seu figurino diário. Veja:
NaTelinha - Primeiro, quero começar por algo mais 'relax' e saber quem que é o responsável pelo seu figurino, já que você é um dos poucos caras da televisão que utilizam, além do terno, o lenço no paletó...
É, acho que pouca gente usa gravata hoje em dia. Eu já tive uma fase que eu tirei a gravata, mas pelo destino, vontade de outras pessoas, voltou a gravata. E aí eu comecei a botar esse lencinho no Japão, quando eu fui correspondente lá. E nem sei porque, deu vontade. Foi até a minha mulher que comprou talvez o primeiro. E eu comecei a experimentar e vi que dava pra fazer combinações interessantes, ficava diferente. E quem me veste sou eu. A minha mulher me ajuda um pouco na questão dos lencinhos. Vários dos lenços que eu uso, no Japão você consegue comprar retalho de kimono. Kimonos antigos, usados. Então, vários dos lenços que eu uso são feitos de retalhos. Minha mulher fez, costurou de retalhos de kimonos antigos. Ela fez o lenço quadradinho, né? Square pocket, como se fala em inglês, quadradinhos. E outros eu comprei já, ou eu compro de vez em quando. Não é barato esses lenços, então eu não compro muito. Então, você tem a certeza que o lenço que você está vendo ali, alguns devem ter cinco, seis, sete, oito anos.
NaTelinha - E eles já se repetiram, então?
Eu tenho muitos lenços, mas eles se repetem com uma boa frequência.
NaTelinha - Márcio, você está às vésperas de completar já meia década na CNN Brasil. Queria saber quanto tempo você ficou sem dormir até aceitar a proposta da CNN e deixar a Globo. Teve algum período de análise profunda para você aceitar esse convite da CNN, já olhando nesse recorte de cinco anos?
Já, já. E é interessante o recorte de cinco anos que você dá. Eu também acho importante esse prazo de cinco anos, esse tempo de cinco anos. É um bom exercício olhar para trás e ver de onde a gente veio, de onde a gente saiu. Acho que é sempre bom fazer esse exercício. Não interessa se você tem mais de 30 anos de carreira como eu, ou se você está no começo. Olhar para trás e perceber de onde você veio é interessante para você entender para onde você pode estar indo, para abrir estradas, abrir rumos. E sim, não foi uma escolha fácil. Eu estava muito bem na TV Globo. Eu tinha acabado de voltar. Acabado não, eu tinha voltado há dois anos da minha correspondência, do meu período de correspondência na Ásia. E estava meio sem rumo ali na TV Globo, estava meio sem uma função definida. Eu era repórter do Jornal Nacional, mas quando veio a pandemia, e adoro ser repórter, não tenho problema nenhum para isso, adoro mesmo. Mas eu sinto falta do estúdio. Eu tava sentindo falta de estúdio. Especialmente porque eu já tava dois anos na rua como repórter do JN e vindo de cinco anos da correspondência na Ásia. Então, eu estava sentindo falta de estar em estúdio. Mas não tinha nenhum estúdio pra mim. E aí você tem que entender que em alguns momentos há limitações no lugar onde você trabalha e a gente tem que respeitar essas limitações. Não interessa se você é o mais novo da casa ou se você tinha, como era o meu caso, 24 anos e quase 25 anos de carreira naquela casa. Só que aí eu fui entendendo, fui entendendo, fui entendendo e aí veio o convite da CNN.
E aí quando veio o convite da CNN, eu por acaso estava no SP2, iria ser oficializado no SP2. Mas a proposta da CNN foi muito boa. E eu não digo só uma proposta financeira. De trabalho, de equipe nova, de jornal novo. E talvez a mudança de rumos e áreas que eu precisava depois de tanto tempo. Não que seja problema ficar a vida inteira numa empresa. Eu não acho problema. Mas há problema se você percebe que você não tem mais um campo de crescimento. Adorava as pessoas, ainda adoro as pessoas, as que estão lá, pelo menos, ainda adoro. Sinto muita saudade dessas pessoas, da convivência na redação, no trabalho, mas definitivamente não foi uma troca fácil por causa de tudo isso, do sentimento que eu carrego quando eu trabalho junto com a equipe, eu crio um sentimento muito forte com a equipe e com o lugar, e depois de tudo que aquele lugar me proporcionou, todas as experiências profissionais e crescimento profissional.
Mas era hora de mudar. E, de novo, não foi fácil. Foi muita conversa com amigos, com a minha esposa principalmente. Mas foi a melhor troca que eu posso ter feito na minha vida.
NaTelinha - Se não houvesse a proposta da CNN Brasil, você teria pedido demissão tanto quanto os outros que pediram da TV Globo naquele momento?
É difícil dizer isso agora, mas eu tinha acabado de receber esse novo desafio. Ainda era a pandemia, a gente lembra disso, né? Era no começo da pandemia, na verdade. A pandemia começou em março, em fevereiro de 2020. Eu saí em outubro de 2020. Eu ainda estava meio sem função ali. A pandemia mudou muita coisa. A pandemia, na TV Globo, me deu uma das oportunidades mais ricas que eu tive, que foi o Combate ao Coronavírus.
Foram três, quatro meses de programa intensos, desafiadores. Depois do programa, eu fiquei meio sem rumo. Minto... Depois do programa, eu fui para o SP2. Era para ser temporário durante a pandemia. Mas aí eu recebi a informação de que eu seria efetivado no SP2. Mas veio o convite da CNN. E aí falou muito mais alto, tudo de mudança, de desafio que eu ainda tinha pela frente, que eu acho que ainda tenho pela frente, apesar de toda a experiência que eu tenho, toda a idade que eu tenho, ainda acho que eu tenho muito a aprender. E aprendo todos os dias.
Então, esses cinco anos foram basicamente cinco anos de aprendizado, também de crescimento, mas de crescimento eu digo na carreira, de compartilhar conhecimento, de crescer junto com a emissora.
NaTelinha - E uma das últimas imagens que eu tenho de você na TV Globo, particularmente, era justamente com o Combate ao Coronavírus por lá. Eu queria que você lembrasse, não sei se você lembra, já passou algum tempo... Mas eu acho que isso foi muito marcante na sua carreira, não só na sua carreira, mas do mundo inteiro, né? Todo mundo lembra mais ou menos o que estava fazendo naquela época, eu acho que você também deve lembrar um pouco bem. Se você puder, Márcio, fazer um exercício das primeiras notícias do vírus até a explosão da pandemia. E também, se você lembra, como é que foi para você aquele primeiro trimestre de 2020, até você se efetivar. A Globo derrubou vários programas e tudo mais, mas um pouco antes disso, você lembra como é que você estava até acontecer tudo aquilo que a gente viu acontecer?
Eu era repórter do Jornal Nacional e vinha fazendo repórter. Eu era repórter do Jornal Nacional durante a semana, aos finais de semana eu fazia as folgas do Jornal Hoje. Na época era a Maju que apresentava o Jornal Hoje. Eu lembro que eu fiz algumas reportagens, eu fiz uma das primeiras reportagens de coronavírus, eu acho, aqui em São Paulo, para o Jornal Nacional, como a prefeitura de São Paulo se preparava, porque a gente já estava vendo casos.
A doença tinha surgido na China, foi para a Europa, fez aquela tragédia na Itália, depois foi com mais força para os Estados Unidos e a gente sabia que ia chegar no Brasil. Devia ser novembro, dezembro, janeiro. A gente começou a fazer essas reportagens. Desculpa se a data está errada, eu realmente não vou lembrar. E eu lembro de ter feito essa reportagem muito bem. Eu lembro muito bem da reportagem. Era o monitoramento de pessoas que podiam estar com a doença. Não, mas a doença não tinha chegado aqui ainda, isso talvez tenha sido depois então. Desculpa, eu não vou lembrar realmente as datas ou as reportagens que eu ia fazendo, mas eram pequenas reportagens para o Jornal Nacional, como a cidade se preparava, mas principalmente no Jornal Hoje. Como o mundo estava enfrentando aquilo, e o mundo já enfrentava aquilo.
Eu lembro da notícia 'construindo hospitais em cinco dias'. Aqueles hospitais de lata, modulados. A China tem aquela capacidade velocíssima de fazer as coisas. Construindo hospitais para receber os doentes. A Itália, as mortes acontecendo. Os casos chegando nos Estados Unidos. E aí todo o drama lá da falta de saúde pública, como aquelas pessoas iam ser atendidas. E o pânico que havia. O que vai acontecer com aquelas pessoas que não têm plano de saúde nos Estados Unidos? 'Vou morrer em casa'. O que vai acontecer quando essa doença chegar no Brasil? A proximidade que existe nas comunidades, nas favelas, como é que vai ser isso? Enfim, já havia toda uma preocupação e a gente acompanhando isso no jornalismo. Aí eu não vou lembrar exatamente o que aconteceu, eu lembro que eu estava em casa um dia e tocou meu telefone e fala... Aí veio a pandemia.
Ali em fevereiro, março. Veio a pandemia e aí começaram as mudanças na programação e entre as pessoas, as pessoas mais velhas principalmente, indo para casa. Então, a querida Ana Maria Braga, a querida Fátima Bernardes, tiveram que ir para casa. Abriu um buraco na programação. E eu lembro que foi uma, acho que foi uma sexta-feira. Sim, foi uma sexta-feira. Me ligaram, foi ideia do Ali Kamel, que era então diretor-geral de jornalismo: 'O jornalismo vai fazer esse programa e o Ali quer que você apresente. Você pode vir aqui na segunda-feira?'. Era no Rio. Então eu falei: 'Posso, posso'.
NaTelinha - Era um convite ou era uma intimação?
Era um convite, mas nessas horas de pandemia, soa como uma intimação, né? Porque você está sendo chamado para a guerra. Não tem outra expressão a usar. É batida, é barata, é clichê, mas é uma guerra naquela hora. E a nossa profissão estava na linha de frente dessa guerra. Não tinha como ser diferente. Enquanto todo mundo foi para casa, eu fui para a rua. Todos os jornalistas foram para a rua, não tinha jeito. Claro, os mais velhos, os que tinham problemas respiratórios, de coração, algum problema de saúde mais grave, esses ficaram resguardados, mas quem podia, era convocado. E aí, sim, foi uma convocação. Intimação, como você usou. Mas aí veio o fim de semana e falaram: 'Não vai ser mais no Rio, vai ser em São Paulo'. E aí, na segunda-feira, a gente se reuniu e aí pensou o nome do programa, como é que vai ser o programa.
A equipe do programa puxou um editor do Jornal da Globo, um editor do Jornal Hoje, um editor do Bom Dia Brasil, uma pessoa da arte para fazer as ilustrações, mapas, gráficos, um produtor sei lá de onde, e foi juntando. E aí formou-se uma equipe para um novo jornal, para um novo programa. E eu tive a honra de apresentar esse programa. E essa reunião foi na segunda, não é exagero, posso estar errado aqui, ou foi na terça ou foi na quarta que o programa estreou. E foi na terça ou na quarta. Na estreia do programa que o Brasil registrou a sua primeira morte por coronavírus. Ou seja, o programa estreou, e desculpa se eu não lembro a data, a primeira morte foi registrada. Quer dizer, a primeira morte foi confirmada por coronavírus.
A pessoa já tinha morrido e depois dos testes percebeu: 'Ah, aquela pessoa morreu de coronavírus'. Naquele dia houve a confirmação de que a primeira morte tinha sido registrada no Brasil por coronavírus. Na estreia do nosso programa. Então não é difícil perceber a importância daquele programa porque ninguém sabia nada. Nem eu sabia nada, os médicos não sabiam nada. Não que os médicos não soubessem nada, os médicos foram um amor. Os médicos são a razão do sucesso daquele programa. Todos muito bons, muito falantes, infectologistas de primeira linha que a nossa produção ia achando. E desculpa se eu não vou lembrar o nome de ninguém, porque eu sou péssimo para nomes e já faz muito tempo, mas o programa foi um sucesso também por causa disso, porque eram pessoas muito dedicadas, não apenas os médicos, mas toda a equipe que se juntou a esse programa.
E aí a nossa produção fazia entrevistas com esses médicos para ver se eles falavam bem, porque a gente precisava de pessoas que falassem bem, que tivessem informação, um mínimo de informação sobre a vida. A pandemia, algo completamente inédito para as nossas vidas, para a nossa geração, pelo menos. Então, e todo esse esforço individual de cada um, unido, junto, num trabalho de equipe, fez aquele programa tão importante e que eu acho que entra para a história da TV brasileira. Eu acho que, sem dúvida nenhuma, ali, e não eu, por favor, não eu, mas aquele programa fez história na TV brasileira.
NaTelinha - Eu tenho uma dúvida, Márcio, também, de se houve entre vocês, na criação do programa, de quanto o Combate ao Coronavírus duraria na grade de programação. Ele terminou em maio, mas ninguém sabia quando a pandemia, quanto tempo ela duraria, se a gente teria vacina, se não teria, estava tudo 'embrionário', tudo muito no começo. Eu me lembro que eu falava: 'Isso daí não é possível que vai chegar aqui no Brasil, isso aí é só isolar meia dúzia de pessoas e rapidamente o vírus se dissipa'. Mas acabou não acontecendo nada disso. Então, como é que vocês estipularam? O programa vai durar 'X semanas'? Ou vocês iam semanalmente avaliando a atração?
Não houve nenhuma previsão de quando ele ia terminar. A gente sabia que a gente tinha que preencher aquele espaço na programação, mas ao mesmo tempo a gente sabia que a gente tinha muita informação para passar, muita dúvida para tirar. Basicamente o programa era o quê? Receber dois médicos por dia e receber perguntas das pessoas de casa. Basicamente era isso. Claro, no meio tempo eu fazia perguntas também no que eu estudava, no que eu assistia, no que eu apurava, nas conversas com outros médicos. Mas basicamente era isso o programa. E nessa simplicidade, e por ser tão simples, talvez é que ele fez tanto sucesso, porque as pessoas assistiam, ligavam a TV para tirar a dúvida naquele momento tão, tão difícil. De novo, inédito na vida de todas elas. Então não havia nenhuma previsão de quanto esse programa ia terminar.
Você falou maio, eu juro que eu não lembrava quando ele terminou. Eu sabia que era dois, três meses... Eu não lembrava mesmo, não lembrava. Mas a gente sempre sabia que ia ter uma hora que ia chegar um fim nele, porque as perguntas começaram a ficar repetidas. Todo mundo foi começando a ficar mais bem informado sobre a doença, a gente foi entendendo melhor. Mas eu lembro dos sustos que eu fui levando ali. Enfim, foram vários momentos marcantes para mim do programa.
Um primeiro susto foi relacionado a isso que você fala. Quanto tempo ia durar para vir a cura, para vir um tratamento, para vir uma vacina? Eu lembro que quando começou a falar de vacina, eu lembro que eu perguntei para o médico, e aí: 'Em quanto tempo vai ter essa vacina? Em quanto tempo a gente vai ter essa vacina?'. 'Ah, pode ter uns dois ou três anos'. Anos? Eu lembro do susto que eu levei quando ele falou dois a três anos, porque eu tinha exatamente essa imagem.
Assim como toda criança que na primeira semana ficou em casa e pensou: 'Ah, vai durar só uma semana'. E quanto tempo as crianças ficam em casa? E quanto tempo o isolamento continuou e foi pregado pelas autoridades de saúde, pelos especialistas? Quando eu tomei a informação de que uma vacina para ser desenvolvida levaria dois, três anos, foi um susto que eu levei na hora. Esse foi um dos momentos mais marcantes pra mim, porque aí a gente vê a dificuldade que foi para com a nossa ciência e os nossos cientistas, nossos especialistas, nossos médicos são valorosos nisso, porque eles salvaram vidas, não apenas nas recomendações que eles faziam, mas na busca por uma vacina que nos protegesse. E graças a Deus, por todo o avanço do homem, chegou rápido, veio até rápido demais.
Em um trabalho também inédito, nunca tinha se feito uma vacina tão rápida assim. E acho que logo no fim do ano de 2020, 2021, já começava a vir a esperança da vacina. Claro, em pequenas quantidades ainda, em fase de testes muitas vezes, mas dando essa esperança. E enquanto isso, a gente ia ensinando as coisas básicas para as pessoas, como usar máscara. Eu tinha morado no Japão, então eu tinha uma noção do que as máscaras serviam e como os japoneses usavam máscara. Os japoneses usavam máscara não para se proteger, mas para proteger os outros. Quando eles estão com gripe, eles colocam máscara para andar de metrô, para ir para a rua, no mercado, para a máscara segurar o vírus ali quando eles espirrarem, quando eles tossirem.
A gente não tinha essa consciência, a gente não tinha esse espírito de cidadania, a gente nem sabia como usar uma máscara. E aí também foi uma coisa, e aí eu puxo um pouco para a minha sardinha, foi um pouco de ousadia, quando eu ensinei a fazer uma máscara de pano ali, porque já faltava máscara nas farmácias, o governo o tempo todo falando: 'Não, não precisa usar máscara, não precisa usar máscara, senão vai faltar para todo mundo, não precisa usar máscara'. De um dia para o outro o governo falou: 'Vamos usar máscara. Acabou a máscara'. É claro que não tinha máscara pra todo mundo no Brasil. A gente teve que trazer máscara do mundo inteiro. Aliás, o mundo inteiro precisou produzir muita máscara. E aí eu ensinei a fazer uma máscara de pano.
E aí aquilo foi até hoje eu recebo vídeos das pessoas brincando ou até agradecendo como eu ensinei a fazer a máscara. Eu aprendi a fazer aquela máscara na internet. E aí eu perguntei só para o meu chefe: 'Posso ensinar a fazer essa máscara?'. Claro, consultei os médicos antes. Essa máscara de pano funciona? Não é a ideal, mas funciona. Vai conter alguma coisa ali. Se a outra pessoa tiver de máscara de pano, também ajuda a conter. É muito fácil falar agora, olhando para trás, a máscara de pano era besteira, não funcionava nada. A gente ficou muito tempo em casa, o 'fica em casa' era besteira. É facílimo falar isso agora. É a coisa mais fácil do mundo viver olhando pelo retrovisor. 'Ah, eu sabia que aquilo iria acontecer'. Na época a gente não sabia. Na época a gente não sabia nada daquela doença. O que a gente sabia é que tinha gente morrendo na China, mas os números não eram muito claros. E tinha gente morrendo na Itália. E ali os números eram claros. Então a gente tinha que se proteger de qualquer maneira. Da maneira que a gente pudesse. 'Ah, vai fazer mal pra economia'. Gente, eu prefiro me manter vivo, desempregado. E eu sei que é terrível perder o emprego. Eu sei como as pessoas sofreram, como negócios sofreram, como empresas sofreram com o 'fique em casa'. Mas não tinha alternativa. Não tinha alternativa. A gente olhando pra fora, vendo o que estava acontecendo, como é que a gente vai se proteger? Ninguém sabia nada daquilo. Então, ensinar a fazer uma máscara de pano ali era aquela contribuição que a gente podia dar naquele momento para tranquilizar as pessoas: 'Olha, com isso aqui você pode pegar o seu ônibus, com isso aqui você pode ir ao mercado com um pouco mais de segurança para não pegar essa doença tão misteriosa e tão desconhecida'.
NaTelinha - E o quão estafante foi esse período pra você? Porque em uma realidade que a gente não sabia o que ia acontecer... Cheio de cuidados, né? Imagino que quem era escalado para trabalhar naquela época, principalmente você diante das câmeras, com um programa diário, com muito trabalho, com muita informação, o quão estafante foi esse recorte da sua jornada profissional num momento tão difícil? Importante, histórico e único, e espero que não volte nunca mais esse momento para a história do mundo.
Foi muito estafante, profissionalmente e pessoalmente falando, porque eu saía para ir para casa, mas via minha mulher presa em casa, meus filhos presos em casa, no auge da juventude deles, em 2020 eles deviam ter, sei lá, 12 anos, a minha filha menor. Meu filho maior 15, 16 anos, então era terrível vê-los presos em casa, sem poder encontrar os amigos. E o peso disso para a saúde mental foi de muito sofrimento, muito sofrimento. E ao mesmo tempo que você falou do trabalho, de ter que acompanhar o noticiário, eu trabalhava de manhã, o programa era de manhã, e depois eu ia para casa e à tarde tinha o então Ministro da Saúde, Henrique Mandetta, ele fazia todo dia uma entrevista coletiva. Aquilo também foi algo sensacional. Fenomenal.
O ministro Mandetta, ali, muitas pessoas fazem algumas críticas a ele, mas ali eu tiro o chapéu, porque era a maneira que se tinha de disseminar a informação. E ele é médico, ele é profissional da medicina, então, melhor do que ninguém, ele sabia o que é transmitir informação correta para as pessoas. Então, todo dia ele fazia uma entrevista coletiva, ele e seus técnicos ali, alguns técnicos a gente passava a conhecer. Porque eu ligava, conversava, pude tanto assisti-los mesmo, e gostar deles, perceber o entrosamento que havia e a vontade que havia de agir ali. E essas entrevistas eram muito boas, porque eram muito transparentes, muito sinceras, muito verdadeiras, e todas as recomendações de saúde eram importantes ali. O isolamento social, o de usar máscara quando começou, o seu usar máscara. Os remédios que muito se falava na época: 'Não, esse remédio não funciona, não adianta nada, cuidado com esse aqui, o que evitar, o que pode ajudar?'. E eu tinha que assistir aquilo ali, porque a partir daquelas entrevistas coletivas, no dia seguinte, muitas das pautas que a gente trazia ao programa eram baseadas naquelas informações quentes ainda, recentes, e de novo, novas, inéditas, para todo mundo que nunca tinha vivido uma pandemia.
Então, eu ficava trabalhando o dia inteiro, praticamente. Eu ia pra casa, e ligava a televisão e ficava acompanhando, ou no computador, claro, na internet, como a doença se desenvolvia em outros lugares, conversando com pessoas, médicos, e assistindo às entrevistas coletivas, conversando com gente do governo. E no programa, uma curiosidade é que também, dentro desse ineditismo, o cenário era basicamente duas tapadeiras laterais, azuis, no fundo tinha um telão, onde jogava-se informação, gráficos, números, a bancada era meio que improvisada, eu não lembro de que programa era, aquela bancada era adaptada de algum programa de televisão.
E aí, no primeiro dia, na primeira semana, o Ali Kamel falou, porque eu entrevistava médicos todo dia, e todos os dias eram esses médicos que estavam na linha de frente do combate à doença, eram infectologistas. E no comercial, eles conversando entre eles, falavam: 'Ah, estou com um paciente grave agora. Chegaram mais dois. Está faltando leito em tal lugar'. E eu de frente com aqueles médicos que podiam ficar doentes e transmitia a doença para mim e para o pessoal do estúdio. Então a bancada, foi o Ali que percebeu também, 'essa bancada está pequena. Vamos aumentar a distância'. Então fez um puxadinho na bancada para aumentar a distância dos entrevistados. Principalmente a minha distância. Em relação aos entrevistados, aos dois médicos. Mas eu não fiquei doente. Eu, pelo menos, nunca deu positivo meus testes de Covid-19. Se eu peguei e foi assim, nunca tive a doença.
NaTelinha - Milagre.
Milagre mesmo. Porque eu não fiquei em casa nenhum dia. E conversando diretamente com esses médicos que, de novo, estavam ali tratando de pessoas com a doença. Muitas que faleceram. Então foi realmente um milagre não ter pego a doença. Mas havia ainda mais esse risco de levar pra minha casa, porque aí também, no meio do caminho, minha mulher teve essa ideia de levar minha mãe e minha sogra, que moravam no Rio, pra ficar com a gente aqui em São Paulo e ficar em segurança com a gente. Então, imagina eu trabalhando sozinho, trabalhando na rua, com risco de levar a doença para minha casa. Então, essa era uma tensão a mais nessa conta toda.
NaTelinha - Márcio, vamos falar de outro período transformador na sua vida agora, positivo, imagino eu, que foi sua passagem pelo Japão como correspondente internacional da TV Globo. Eu tive um colega de quarto japonês em um intercâmbio que eu fiz, e eu tive vários amigos japoneses, e para mim era um aprendizado diário. Para você, imagino que tenha sido algo parecido, mas vamos com calma, porque eu primeiro quero saber como é que surgiu o convite da TV Globo para colocar você como correspondente no Japão. Você pensou em dizer não?
O convite foi, eu já fazia, foi em 2011, eu já estava na TV Globo desde... 96? Faz as contas. Sempre apresentando jornais. Fui repórter no começo. Não, minto. Eu já entrei na Globo como apresentador da GloboNews. E depois fui pra TV Globo fazer o Bom Dia Rio. Claro, fazia reportagens também, porque adoro fazer reportagens, mas sempre fui apresentador. Então eu já estava há anos como apresentador e eu queria ter a experiência de correspondente internacional. Então um dia eu fui até o Ali Kamel, que era o diretor na época, e falei: 'Queria ter a experiência de ser correspondente'. Ele tomou um susto, porque para algumas pessoas, não é nem errado pensar assim, a apresentação é algo importante, algo que você conquista depois de muito tempo de carreira. Eu até fui cedo para a apresentação e gostaram de mim e fui ficando como estou até hoje. Mas eu queria ter a oportunidade de morar fora, eu queria dar essa oportunidade para os meus filhos de ter a vida, uma cabeça internacional, não ficar só no Brasil.
Nunca poderia morar fora por minha própria conta, tinha que ser como correspondente. E aí eu fui fazer esse pedido. Ele tomou um susto porque ele me via como apresentador e principalmente me via como todas as funções que eu fazia. Eu abriria a mão de tudo isso, as folgas no Jornal Nacional, a cobertura de eleições que eu sempre fiz e adorava fazer, e adoro porque até hoje faço na CNN também. Carnaval, apuração de escola de samba, apuração de eleição. Ou seja, eu tinha muitas funções ali que eu fazia, mas naquele momento eu estava como apresentador do RJ2. Eu já estava há uns quatro, cinco anos como apresentador do RJ2. Eu tinha ficado 10 anos no RJ1, alguns anos no Bom Dia Rio. Então era uma evolução naturalmente. Para onde essa evolução me levaria?
Não sei. Mas tem uma hora que você... De novo, como a nossa conversa começou da saída da Globo para a CNN, alguma coisa te fala: 'Aqui já não está tão legal'. Como é que posso mudar? E sendo correspondente, tendo essa experiência, dando essa experiência para a minha família. E fui falar com o Ali, ele tomou esse susto, mas falou: 'Vamos pensar'. Isso foi em 2011, mais ou menos. Um ano depois, ele me liga e fala: 'Vem aqui na minha sala'. Surgiu uma oportunidade para ser correspondente. Aí você logo pensa: Nova Iorque ou Londres, porque são os lugares que a Globo tem um escritório grande. Eu falo inglês, então, naturalmente, são esses lugares. 'Tóquio'. Aí foi um susto. Um susto enorme, porque como é que eu vou levar minha família? Não era sozinho. Se eu fosse sozinho, eu iria. Mas eu não era sozinho. Eu tinha minha família. Como é que eu vou fazer para adaptá-los? Como é que vai ser essa vida deles lá?
Eu nunca tinha ido ao Japão. E aí: 'Não, tudo bem, não tem problema, pensa bem'. E aí a Globo pagou uma passagem de experiência para ver o Japão, conversar com o correspondente da época que ainda estava lá, que era o Roberto Kovalick, um amor de pessoa, que foi o primeiro correspondente da Globo no Japão, um super profissional que me ensinou muita coisa, muita coisa mesmo. E digo sem mentiras, eu tive tanto destaque na minha carreira como correspondente foi porque eu tive ele como professor, durante uma semana, uma semana e meia. O quanto que ele me ajudou nessa uma semana, uma semana e meia, não está no gibi. Mas ele tinha que sair lá do Japão. E aí precisavam de alguém, me escolheram. E fui eu e minha mulher, fomos eu e minha mulher para o Japão. E a gente gostou, a gente viu lá. 'Acho que vai funcionar bem'. O Kovalick que ajudou muito a gente a mostrar as coisas, como seria a vida lá. A gente nem falou tanto de trabalho, a gente falou mais de vida. Porque nesse momento, a gente não sabe... Como é que vai ser a adaptação da minha família? De novo: eu me viro sozinho. Mas três pessoas, minha mulher e dois filhos? E aí, quando a gente voltou, a gente tinha certeza que seria lá.
E aí fomos em julho de 2013 pra lá e ficamos cinco anos no Japão. E foi o período que mudou não apenas a minha vida profissional, mas pessoal e a vida de toda a minha família. Meu filho tá no Japão agora. Ele mora no Japão, ele faz música eletrônica, ele tem hoje 21 anos. Minha filha abriu a cabeça pro mundo, ela tinha 5 anos quando ela chegou, saiu com 10. E morar 5 anos ali, não apenas morar no exterior, mas morar no Japão abre a cabeça da gente, porque é muito diferente. Não apenas por ser do outro lado do planeta, ou seja, é um outro planeta, é um outro mundo, completamente diferente, culturalmente falando, comportamento das pessoas, mas também porque é uma experiência internacional, uma vivência que eu aconselho todo mundo a ter, qualquer pessoa a ter.
Ah, você não gosta do Brasil? Amo o Brasil, adoro o Brasil, mas é importante para a gente viver bem, até para a gente entender melhor o Brasil, é importante a gente ter a experiência internacional, ver como as coisas funcionam em outros lugares, ver como a cabeça das pessoas pode ser diferente, a gente fica meio que olhando de fora. A gente nunca deixou de ser brasileiro. E aí a gente entende. Eu sabia que um dia eu ia voltar. O primeiro contrato era de dois anos, mas gostaram, renovaram por mais dois anos. E depois renovaram por mais um ano, porque depois viria a Olimpíada. E aí, tradicionalmente, a Globo manda um repórter de esporte para lá. Foi uma pena, mas foi um querido colega também. Muita gente boa.
E eu acho que eu fui tão legal com ele quanto com o Kovalick que foi comigo, que foi o Carlos Gil que me substituiu lá, que era do esporte, para cobrir as Olimpíadas de Tóquio.
NaTelinha - E os perrengues com o idioma, Márcio? Porque você fala inglês muito bem, mas os japoneses geralmente não falam tão bem o inglês assim. Ou pelo menos que eu saiba, não falava tão bem o inglês assim. Seus filhos conseguiram aprender japonês? Você aprendeu? Você não passava fome, pelo menos em japonês? Como que era essa questão do idioma mesmo? Porque você morava no Japão com uma língua completamente, um alfabeto completamente diferente do nosso. Estar do outro lado do mundo, estar em outro lado do planeta, leva a isso também. É uma diferença de comportamento, uma diferença de país, de visão de mundo, das pessoas, mas também de língua, de cultura.
Eu tinha aula de japonês uma vez, duas vezes por semana, mas eu não aprendi quase nada. Meus filhos, sim, estudavam. Meus filhos estudavam numa escola internacional que tinha japonês todo dia. Então eles aprenderam muita coisa, eles lembram ainda muita coisa. Minha mulher fazia aula também, então ela aprendeu um pouco mais também. E eu não aprendia porque na minha aula de japonês a professora ia lá em casa e, enfim, ela falava comigo em japonês, claro, a gente tentava se comunicar. Quer dizer, a aula era em inglês, claro. Mas eu mais perguntava coisas para ela do que queria realmente, eu queria entender o país. Então aquela minha professora, eu sempre esqueço, depois vou tentar lembrar o nome dela, porque é muito importante, ela foi muito importante nesse meu tempo lá, porque ela me abriu os olhos para vários temas que naturalmente como uma pessoa estrangeira vivendo lá, eu não teria acesso.
E tudo isso nasceu nas conversas que eu tinha com ela. Ela era uma péssima professora, porque ela aceitava que o aluno falasse com ela em inglês o tempo todo e fizesse mais perguntas. Mas o japonês é muito assim, muito gentil, né? Quase subserviente. Quando você tem uma relação de, não de poder, mas de pagamento, eu tinha que pagar a minha professora, então ela acabava entrando mais no meu desejo de aprender sobre o país. E, por favor, eu não quis falar mal dela, não. Ela é uma excelente professora. Mas eu fazia tantas perguntas que ela deve ter falado: 'Ah, desisto'. Não vou ficar me gastando aqui, trazendo de volta a aula, não. E aí ela me ensinou, nas perguntas que eu fazia, algum entendimento daquele mundo tão diferente.
E aí, quantas matérias, quantas reportagens surgiram daquela conversa. Mas sim, os perrengues eram muitos, mas todos engraçados. De ir no mercado e não entender aqueles produtos ali, o que era sal, o que era açúcar, porque os rótulos são diferentes. Na farmácia, então, é uma loucura. Mas todas as embalagens têm um 'desenhozinho'. Então, se tem a embalagem de um remédio para dor de dente, você tem um bonequinho com a bochecha inchada vermelha. 'Ah, isso é dor de dente'. Talvez seja uma espinha também para a bochecha, na pele, não sabemos. Você vai experimentar. Mas isso era mais engraçado do que realmente perrengue. Eu lembro logo nos primeiros dias, quando a gente foi comer num restaurante e a gente pediu um prato, um prato todo em japonês, e a gente sabe lá se comunicando como, eles são muito gentis... Eles realmente não falam muito inglês. Como você falou, o inglês deles é péssimo, mesmo entre os mais jovens.
Depois da Olimpíada, certamente melhorou um pouco. Mas quase nada, quase nada. E eu lembro que a gente pediu um prato e aí veio um prato com umas coisas mexendo assim. Eu lembro dos quatro fazendo um movimento em direção ao prato. O que é isso? Os quatro... Minha filha de 5 anos, uma boneca, meu filho bonitinho também, minha esposa linda. Os quatro com uma cara de susto assim. O que é aquilo? Era esse 'cama de peixe' que, quando vem quente, ela fica se mexendo ainda. A gente crente que era uma coisa viva, uma minhoca viva, porque, de novo, na nossa ignorância, a gente achava que tudo é escorpião, tudo é minhoca, tudo é grilo, gafanhoto que se come.
Claro que se come, às vezes, coisas na Ásia, mas em Tóquio você tem que batalhar, tem que lutar muito para achar coisas diferentes. Mas às vezes os pratos normais deles têm essas coisas diferentes. Então tudo isso foi muito aprendizado pra gente. E quando eu fui pra lá, eu tinha 43 anos. Você imagina uma pessoa com 43 anos ainda começando do zero. Ou seja, aprendendo a viver num novo lugar. O quanto que isso foi. Muito vibrante pra mim. Muito cansativo também. A questão de trabalhar no fuso é muito difícil. Mas o quanto foi de incrível. E essa temporada no Japão, você tem razão. Mudou a minha vida, mudou a vida da família inteira. E está guardada no nosso coração como uma das mais importantes das nossas vidas.
NaTelinha - Eu ia te perguntar justamente isso agora, Márcio, a questão do fuso horário. Nova Iorque e Londres é um fuso horário 'mais acessível' para o brasileiro, mas o Japão é justamente o contrário. São 12 horas de diferença geralmente. Você tinha que trabalhar alinhado com o fuso do Brasil, alinhado com o fuso do Japão ou alinhado com os dois ao mesmo tempo e você mais ou menos se encontrando nessa bagunça?
É, quase sempre era com os dois. Porque durante o dia eu produzia as matérias que eu tinha muita liberdade para sugerir matérias. E claro, o Jornal Nacional pedia matérias. O Fantástico pedia matérias, mas eu tinha muita liberdade. Eu tinha muita liberdade para conduzir a minha própria pauta e fazer matérias. E particularmente eu adorava as reportagens que eu fazia, eram muitas de comportamento. E adorava, adorava. Enfim, posso lembrar de várias aqui legais. Mas aí eu fazia isso durante o dia. Aí quando chegava em casa à noite, tipo, 18h, 19h, voltando da gravação, às vezes tocava o meu telefone. Eu tinha um telefone direto conectado com a redação do Rio de Janeiro. Aí é o pessoal da manhã. Da manhã, no Brasil. Já era 19h na Ásia, 7h no Brasil. Eles estavam acordando e falavam: 'Márcio, na China está acontecendo um problema agora, caiu um avião'. Ou então um tufão passou pela China, tem alguns mortos. Por favor, 'façam matéria sobre isso'. Costuma ser assim também. Como correspondente, é importante você estar nos lugares onde a notícia acontece.
Mas estando ali na Ásia, você cobre a Ásia como um todo, com a ajuda das agências internacionais. Se não era um assunto que demandava atenção, viajar para lá era um tufão. Não sabemos o número de mortos ainda. Então, por enquanto, desculpa falar assim, parece uma coisa fria, mas apenas três mortos. Três mortos é uma coisa terrível já, mas comparado com outras tragédias, é um número pequeno ainda de mortes. Então, não vale a pena você viajar para lá para fazer esse desastre natural, porque você pode estar perdendo outras coisas na sua base. Então, eu fazia com a ajuda das agências internacionais. Só que fazia isso que horas? A partir das 19h, no meu horário.
Então eu passava algumas vezes a madrugada toda trabalhando, olhando as imagens, escrevendo o texto, tentando ligar para alguém, principalmente embaixadas brasileiras, nesses lugares para entender se havia brasileiros feridos naquele desastre, naquele tufão, coisas assim. Então tinha vezes que eu começava a trabalhar, sei lá, às 10h, na rua, já em Tóquio, para gravar, chegava em casa às 18h e tinha que continuar trabalhando, mas agora na outra manhã, na manhã do Brasil.
NaTelinha - Nossa! E teve alguma época que simplesmente não tinha nada de acontecendo de interessante e você era pouco acionado? Teve esse momento de, vamos dizer, de 'ócio', se é que a gente pode chamar?
Não, ócio eu nunca tinha porque eu estava sempre procurando matérias. Eu estava sempre procurando, agitando e pautando meu produtor. Eu trabalhava lá com o cinegrafista, Luciano Tsuda, um super profissional, excelente colega, brasileiro, mas descendente de japoneses, já mora lá há muito tempo, e um produtor, que era também meu tradutor, que era o Kunihiro Otsuka. Ele era japonês, mas falava um português perfeito. Então, eu estava sempre pautando o Kunihiro para fazer as minhas reportagens. Então, eu falava: 'Kunihiro, eu quero fazer essa reportagem aqui, como é que limpa o trem-bala? Eu quero fazer essa reportagem aqui, como é que as escolas japonesas, como é que os alunos limpam a sala de aula? Kunihiro, eu quero ir nas empresas japonesas ver como é que é o sistema de trabalho dentro de uma empresa japonesa'. E eu ia passando essas matérias para ele.
E aí, não é sempre, eu passo numa segunda-feira, na terça-feira que eu vou gravar, ele tem que ligar, ele tem que fazer a produção. Eu até, no meu parco japonês, ou nos contatos que eu tinha, que eu podia fazer em inglês, eu ajudava ele nessa produção, mas basicamente a produção era dele, de conseguir fazer aquela reportagem, de ligar pra empresa de trem-bala: 'Oi, eu sou da TV brasileira, queremos fazer uma reportagem aí, eu não tenho japonês pra fazer isso, pra falar isso. Queremos fazer uma reportagem sobre a limpeza do trem-bala'. Foi uma das reportagens mais incríveis que eu fiz lá no Japão. Quem puder botar aí, você vai ver: 'Trem-bala, limpeza, Márcio Gomes'. Vai ter. No YouTube tem, no Google tem. É super legal a reportagem.
Mas nem sempre ele conseguia para o dia seguinte. E às vezes o Brasil não demandava nada. Não acontecia nada importante ali na Ásia, de forma geral. Então tinha dias que realmente pode soar como ócio porque não entrava no ar. Mas certamente eu estava trabalhando ali, buscando matérias, procurando matérias. Até porque eu sabia que era muito caro manter um correspondente no Japão. Um correspondente com família, uma equipe lá, um cinegrafista, um produtor. Então eu tinha que fazer render aquela equipe ali. Não porque sou bonzinho, mas porque tenho a consciência de que jornalismo é uma coisa cara. Mas principalmente, jornalismo é uma coisa importante. E daí a minha vontade de estar sempre trabalhando ali, empolgado que estava, principalmente, de contar tanta história.
NaTelinha - Qual era o tamanho da sua autonomia? Teve alguma matéria muito interessante como essa do trem-bala que você narrou aqui para a gente, mas que você, por alguma razão, não conseguiu colocar no ar, ou ela não foi aprovada, mas que você sentiu muito, porque na sua visão era muito interessante? Não às vezes só na questão comportamental, mas na questão da curiosidade.
A minha mulher que fala isso, a gente tinha muito esse papel de não ensinar as coisas no Brasil. Não tem país mais importante. 'Ah, o Japão está mais evoluído que o Brasil'. Não é isso. É que são países completamente diferentes. Então, muita coisa que se faz no Japão acaba servindo de lição ou inspiração para o Brasil. E eu até hoje recebo mensagens de reportagens que eu fiz de como inspiraram pessoas aqui.
Tem uma empresa de trem aqui no Brasil, a MRS Logística, e não é propaganda, não. Mas eles se basearam numa reportagem que eu fiz para mudar todo o esquema de segurança nas linhas férreas deles, introduzindo uma coisa que eu mostrei nas minhas reportagens lá, que era um sistema de apontar e falar. O japonês nas linhas férreas, no metrô e em várias outras funções, ele antes de fazer uma função no seu trabalho, ele aponta e fala. Então aqui, por exemplo, câmera ligada, gravação começando, porta fechada, luz ligada. Ok, ele faz isso para memorizar que ele já fez todo aquele checklist de segurança. Então, a empresa férrea, ele faz sinal verde, manivela para frente, trem para frente, portas fechadas, trilhos limpos. Vamos partir, go!
A MRS Logística, aqui no Brasil, viu aquela reportagem no Jornal Nacional e passou a usar nos seus sistemas de treinamento, nos seus sistemas de de linha férrea. Desculpa que eu não sei falar como eles usam isso, e reduziu o número de acidentes e funcionou muito bem para eles. Várias empresas japonesas também usam esse sistema aqui. Empresas japonesas aqui no Brasil usam esse sistema também. Então, eu achei interessante mostrar. Então, as reportagens que eu fui fazendo, como eles tratam com o lixo também. Aqui no Brasil, até hoje, a gente tem lixão espalhado por aí, apesar da lei falar que não pode lixão. Pois bem, no Japão, um país pequeno, não tem lixão. Como é que eles fazem com o lixo doméstico, o lixo industrial? Eu fui mostrar um lugar que cuida do lixo.
Essa, então, até hoje eu recebo views da matéria, comentários da matéria, até hoje. Enfim, então eu tinha essa autonomia para pautar meus assuntos. Claro, nem todas as pautas eram compradas. Por exemplo, eu quis fazer uma pauta uma vez de um soldado na Segunda Guerra Mundial, japonês. Ele ficou numa ilha ali no Pacífico e ele foi ficando sozinho na ilha, sozinho. E ele ficou tão sozinho que ele não sabia que a guerra tinha acabado. Ele ficou durante mais uns dois, três anos lutando sozinho. Inclusive lutando contra japoneses que chegavam lá. E ele falava: 'Por favor, soldado Onoda, acabou a guerra'. Ele achava que era uma armadilha dos americanos. Então ele atirava contra as pessoas que chegavam. Esse soldado, por acaso, japonês, ele foi morar no Brasil. Ele virou fazendeiro aqui no Brasil.
E depois ele voltou para o Japão já velhinho. Eu queria fazer uma reportagem com ele. E também queria ir nas Filipinas, porque era uma ilha nas Filipinas onde ele ficou. Enfim, aqueles sonhos de repórter, de mostrar uma super reportagem dessa, um super personagem. Mas aí não aprovaram, e aí eu insisti mais uma vez, e no final ele morreu. E aí, desculpa, eu não lembro se ele morreu no Brasil ou se ele morreu no Japão. Mas ele morreu. E aí, infelizmente, não deu mais para fazer a reportagem com ele. Mas sim, é normal. Você propõe matérias, mas nem sempre aceitam as matérias. Às vezes até insistia um pouco. 'Gente, confia que essa é legal. Essa vai ficar bacana'. Muitas vezes eles confiavam e ficava legal. Outras vezes não ficava legal também.
Não tem nenhum super-herói aqui. Mas, de novo, é um trabalho de equipe também. Propor e você tem que entender no que o Brasil está atento, no que interessa ao Brasil. Às vezes, quando a gente está fora, a gente acha que tudo é interessante. A gente perde um pouco, é preciso não perder, mas pela distância você perde um pouco a noção do que o Brasil está interessado ou não. Às vezes a gente se estressa, a gente fica irritado por isso, mas não tem jeito. De novo, tem que ser um vai e vem de vontades e desejos ali e entender.
NaTelinha - Márcio, que você cobriu tufão no Japão, a gente sabe, mas quero saber como é o modus operandi de um correspondente exatamente para o pessoal entender, o pessoal que sonha em ser correspondente internacional... Por exemplo, a Globo vai lá e te coloca como correspondente em Tóquio, como foi o seu caso. Como é que funciona para escolher a casa, aluguel, escola para os filhos? Você recebe em yen, por exemplo? Ou você recebe em dólar que era convertido? Como que funciona essa mecânica?
Bom, eu confesso que agora não sei como é que está, mesmo porque até a Globo não tem mais correspondente no Japão. O último foi o Carlos Gil, depois da Olimpíada, ele retornou para o Brasil. Mas na minha época, e foi tudo facilitado, porque a gente tinha o Kovalick antes lá. Então eu fiquei no mesmo apartamento que era do Roberto Kovalik. Era um apartamento bom, bem localizado. Por coincidência, ficou perto da escola das crianças, dos meus filhos. Então era um apartamento muito prático para a gente.
Eu confesso que eu não lembro agora. Eu acho que havia um acerto. As coisas no Japão são muito caras, então a Globo me ajudava a pagar o aluguel. Eu acho que era metade do aluguel pago pela Globo, a outra metade era pago por mim. Tinha um desconto direto no meu salário. Mas eu não vou lembrar realmente. A gente tinha um plano de saúde internacional, mas a saúde pública no Japão é muito boa. O plano internacional ajuda você a ir numa clínica que fale inglês. Os hospitais públicos japoneses muitas vezes não falam inglês. Aconteceu que eu precisei de um hospital público uma vez japonês. Foi uma dificuldade falar com eles, mas consegui. De novo, muita boa vontade.
A CNN tem correspondente em Londres, tem dois correspondentes nos Estados Unidos, tem correspondente em Buenos Aires. De novo, a palavra parceria. Confesso que eu não sei como é o esquema de aluguel deles, acredito que não seja mais um esquema de pagar aluguel, mesmo sendo cidades caras como Washington, Nova Iorque, Londres, nem se fala. Buenos Aires agora está ficando cara. Eu não sei como é o esquema de divisão de aluguel, mas certamente há uma conversa muito intensa ali, porque a realidade é muito diferente de Nova Iorque com São Paulo. É uma cidade muito mais cara. Então, há de ter uma compensação aí no salário.
NaTelinha - E como é que esses colegas da CNN trabalham hoje em dia? Tem liberdade para propor suas sugestões de reportagem, de entradas ao vivo?
Claro que tem. Eles, melhor do que ninguém, sabem qual é o assunto quente nas suas cidades ali. Mas ao mesmo tempo tem as nossas demandas aqui, entendeu? O Trump, principalmente, como o Trump está afetando o mundo. Então é natural que a gente tenha nossas curiosidades sobre como o Trump está governando e como isso afeta não apenas os Estados Unidos, mas pode nos afetar também. Nessa troca de informações que tem que ter sempre entre a base, a redação principal e o correspondente, a gente conversa muito com a Mariana Janjá, que é uma correspondente da CNN em Washington, e a nossa correspondente em Nova Iorque, a Priscilia Yazbek.
E trocamos muito com elas e o que elas dizem, o que a gente sugere, para ver onde a gente encontra um lugar comum do que é mais importante para quem nos assiste. Qual é a informação mais relevante que merece ser tratada naquele dia ali. E o Trump? Tem notícia relevante todo dia. Não necessariamente relevante, mas tem notícia barulhenta, com barulho todo dia. Relevante a gente não sabe se é. Muitas vezes ela soa relevante, ela faz muito barulho, mas talvez ela não seja tão importante assim. É quase uma cortina de fumaça para esconder alguns problemas ou limitações que ele tem. Mas aí é outro assunto político, não precisamos entrar nisso. Mas, definitivamente, o trabalho do correspondente é muito ligado à redação, à redação do Brasil.
Mas é claro que elas, o Américo Martins, nosso correspondente em Londres, e a Luciana Taddeo, nossa correspondente em Buenos Aires, existe uma ligação muito próxima com a redação da CNN Brasil, com esses profissionais, mas é claro que eles precisam ter autonomia para dizer: 'Eu acho isso mais importante, acho que tem que ser assim'. E muitas vezes a redação tem que confiar nessas pessoas.
NaTelinha - E por que você voltou para o Brasil? O quanto você sofreu quando a TV Globo disse: 'Márcio, vamos ter que te puxar para o Brasil novamente'. Porque pelo que eu vejo sempre de você, e aqui também, mais uma vez, eu estou vendo isso, você falando com muito carinho, com muito apreço do Japão. Eu imagino que deve ter sido viver um luto.
Foi. O luto é muito forte, mas porque, de novo, era bom voltar para o Brasil também. Minha mãe estava aqui, minha sogra estava aqui, minha família estava aqui. Acho que era importante para as crianças também terem uma noção de Brasil. Minha filha, principalmente, que saiu com 5 anos, mal lembrava do Brasil. A gente veio só uma vez para cá nas férias, porque a gente viajou muito por lá para aproveitar, para conhecer outros países por lá, pela Ásia. Então, a gente veio poucas vezes, uma vez apenas pra cá. Mas é claro que a gente queria ficar. É claro que a gente preferia ter ficado. Até para completar talvez o ano escolar, meu filho até conseguiu completar. Ele saiu de lá com 15 anos, foi o fim do ensino fundamental.
Depois vem o ensino médio. A minha filha voltou com 10 anos. Ela se alfabetizou em inglês numa escola internacional no Japão. Então, aqui era retomar o português quando ela voltou com 10 anos de idade. A gente falava em português em casa, é claro, mas é outra coisa ter a escola, uma professora em português. E aí era importante voltar a ter isso. Então, no final das contas, sempre foi sofrimento voltar, mas também foi bom. E voltei porque não tinha mais como ficar. É como eu falei. Até então, antes da pandemia, havia todo um rodízio de correspondentes. O próprio Kovalick, eu acho que ele ficou menos de cinco anos no Japão...
Então, o meu primeiro contrato era de dois anos. 'Vamos ver se dá certo'. Deu certo. Renovou para mais dois. Daqui a pouco é a pandemia. É a Olimpíada. Mais um, porque o esporte tem que ir. Quando falaram que eu tinha que voltar, eu tentei ir para outras praças, ou Londres ou Nova Iorque. Triste demais, porque eu não queria sair de Tóquio. Mas ok, ir para Nova Iorque, ok, ir para Londres, cidades incríveis, mas, enfim, para mim nem se comparam com Tóquio. Mas não, não tinha como. Havia uma questão financeira também, estava caro demais, e a Olimpíada, claro, era importante, e o esporte da Globo passou a pagar aquele correspondente ali. E ainda mais um profissional como o Gil, que faz o esporte bem como ninguém, e também cobre outros assuntos bem como ninguém, um super profissional, ele fazia os dois lados, entendeu?
Então, para o jornalismo era ótimo, era o esporte que pagava, o jornalismo se beneficiava daquele super profissional sem ter grandes gastos ali. E, de novo, um super profissional. Mas aí, depois, de novo, a pandemia adiou por um ano, o Gil ficou por mais um ano lá em Tóquio por causa da pandemia, até a Olimpíada, que era de 2020, ser realizada em 2021. E depois ele voltou e não tinha mais ninguém lá. Houve mudanças e nenhuma crítica aqui à TV Globo, nenhuma. Porque, de novo, a gente sabe como a questão financeira importa. Você bota na balança. 'Está tendo prejuízo aqui. A gente tem que economizar'. O que a gente vai cortar? E aí você corta onde considera-se menos importante. Eu acho um erro porque a Ásia está sem ninguém.
E a Ásia não tem só o Japão, que é um país rico em matérias. Tem a China, tem a Coreia do Sul, que é importante também. A Coreia do Norte nem se fala. Uma próxima guerra, o que dizem, pode ser a China invadindo o Taiwan. E não tem ninguém ali perto para dar esse apoio. A CNN usa muito o apoio da nossa irmã, a CNN Internacional. E a CNN Internacional tem um correspondente em Tóquio. A CNN Internacional tem um correspondente em Pequim. A CNN Internacional tem um correspondente em Taiwan, na cidade de Taipé. Então, a gente, mal bem, usa essa estrutura e nos dá uma guarida. Não é a mesma coisa de ter o nosso próprio correspondente. Mas já temos uma ponte com essas pessoas que nos ajuda muito.
NaTelinha - E você voltou recentemente para o Japão, mas agora de uma outra maneira, para realizar um baita documentário. Quem não assistiu ainda assista, porque o documentário é muito bom. Está disponível no YouTube. E eu vi você falando que encontrou algumas diferenças, você mostrando arranha-céus por lá e tudo mais, mas você sentiu alguma mudança de comportamento do povo japonês em relação ao período que você viveu lá? Ou seja, nesse período que você ficou fora, você voltando, você sentiu alguma coisa? Mudança de comportamento do povo japonês?
Primeiro, eu fiquei pouco tempo lá. Eu fiquei uma semana, duas, um pouco mais de duas semanas, talvez, para fazer cinco reportagens para o CNN Prime Time, o jornal que eu apresento às 20h, mas que viraram também um documentário do fim de semana. E muito obrigado pela sua lembrança. Está no YouTube. É só botar 'Japão, CNN Brasil'. É fácil achar. Então não fiquei muito tempo lá, mas o que eu percebia ainda era um país, talvez tenha tido mudanças na questão do inglês, por exemplo, depois da Olimpíada. É um país cada vez mais internacional, cada vez mais estrangeiros vão morar lá, mas ainda com os mesmos problemas de envelhecimento da população, de uma população diminuindo no país, cidades do interior perdendo gente atraídas que são para as cidades grandes do Japão, principalmente Nagoia, principalmente Tóquio. A cidade de Nagoia talvez ainda resista, ainda receba mais gente do que perde em mortes, no envelhecimento. Mas Tóquio é a cidade que ainda cresce de população. Mas eu não vi muita diferença, não. E isso que é o incrível do Japão.
Quem morou no Japão nos anos 70, nos anos 80, nos anos 90, em 2013 a 2018, como foi o meu caso, sempre vai encontrar o mesmo país, as pessoas muito dedicadas ao trabalho, muito dedicadas às suas famílias também, mas pensando muito no trabalho, no país, e com orgulho do que foi construído ao longo de séculos e séculos, de uma cultura muito deles e muito rica. Eu acho que eu arranhei um pouquinho dessa cultura só na minha vivência lá e nas minhas reportagens, pude passar um pouco disso para os brasileiros aqui. Mas eu não vi grandes diferenças, não. Mas foi incrível esse retorno. E esse retorno me deixou muito orgulhoso também, porque foi o consulado-geral do Japão, foi o governo japonês, através do consulado-geral do Japão, em São Paulo, que me convidou para voltar.
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'Mas por que você está me convidando?'. Para você ver como está o Japão. Aí eu falei: 'Posso fazer reportagens?'. 'Pode'. Eles nem esperavam isso. Vou querer ver o que tem de novo no Japão, claro, mas também ir trabalhando. A CNN topou a ideia e o consulado foi absolutamente independente, independente no seguinte sentido: eles me ajudaram na produção de matérias, por exemplo. Tinha acabado de acontecer um terremoto na província de Ishikawa. Foi no dia 1º de janeiro de 2024 esse terremoto. E a nossa passagem estava marcada para fevereiro, fim de fevereiro, ou seja, os sintomas do terremoto, a destruição do terremoto ainda estaria muito viva. Eu falei: 'Eu quero ir para essa região, vocês me ajudam a chegar lá?'. O consulado, o governo japonês nunca falou: 'Não, de jeito nenhum, vai estar feio, você não vai não, você vai visitar só Tóquio e os prédios lindos que estão surgindo em Tóquio'. Eles arranjaram motorista, tradutor, pagaram tudo isso pra gente ir naquele lugar onde havia problemas ainda de água, problemas de construção. Muita gente morreu, muitos prédios caíram. Foi um terremoto muito forte. E não houve um 'ai'. Não houve um a 'gente quer ver a reportagem antes'. Não houve um pedido desse. Foi impressionante a maneira como os japoneses abriram o país para a CNN Brasil estar lá nessas duas semanas que nós estivemos fazendo tanta reportagem. Claro, fizemos as matérias leves também, de comida, de visitar Tóquio, como a cidade estava. Eu senti essa diferença, talvez, que você bem destacou: os arranha-céus. Parece que havia uma nova legislação que permitia prédios ainda mais altos no Japão.
Tóquio nunca teve prédios arranha-céus, talvez por causa do perigo dos terremotos, apesar da tecnologia que eles têm. Mas os maiores prédios do mundo, Taiwan já teve o maior prédio do mundo, Kuala Lumpur já teve o maior prédio do mundo, Dubai hoje tem o maior prédio do mundo ainda, o Burj Khalifa. Tóquio nunca teve os maiores prédios do mundo. Agora que começa a ter altas torres, e realmente altas, foi uma mudança na legislação. Então, essa foi uma diferença que eu vi. Mas o consulado japonês, o governo japonês, não fez uma objeção a nenhuma das pautas que eu propus. Nenhuma. Me ajudaram em todas. E a CNN comprou essa ideia, a quem eu sou muito agradecido também.
Então, foi um ganha-ganha dos dois lados. A gente trouxe um material muito interessante, muito rico, do Japão, de hoje. E foi ótimo para a CNN. Foi maravilhoso para mim, porque revi meu filho que estava lá já. E foi ótimo encontrá-lo de novo. E foi ótimo rever a cidade, rever o país.
NaTelinha - E, Marcio, para quem está planejando uma viagem para o Japão, qual é a cidade mais bonita que você viu lá no Japão? Porque tem algumas fotografias que eu já vi fantásticas ali. Você tem alguma dica? Qual é a mais bonita que você viu?
Eu acho que uma visita ao Japão... Kyoto é lindo por causa dos templos. São palácios maravilhosos. É muito diferente. Mas Tóquio é muito diferente também. Eu não acho a cidade de Tóquio muito bonita. Os prédios não são muito bonitos, até por causa da tecnologia que precisam ter. Eles têm uma resistência contra o tremor, então alguns prédios mais antigos precisam ter toda uma armadura para protegê-los. Então eu não acho a cidade muito bonita. Mas é uma cidade muito interessante porque ela é muito limpa. Apesar de ter, sei lá, o dobro dos moradores de São Paulo, se a gente pensar na região metropolitana de Tóquio, você não vê um papel no chão. Você não ouve uma buzina no trânsito. É outro mundo. Então você tem que ir a Tóquio também. Mas a cidade que eu mais gosto do Japão e que eu acho que todo mundo tem que ir é Hiroshima. Foi castigada pela bomba atômica em 1945 e se reconstruiu.
É uma cidade linda, verde, mas guarda as memórias daquele dia, 6 de agosto de 1945, quando a bomba nuclear explodiu por lá. E ainda tem as memórias, as marcas daquele dia. O Museu da Bomba é uma pancada que você leva ao visitar. É muito forte, mas é preciso conhecer. Mas é uma cidade muito bonita, é uma cidade muito alegre.
A comida que tem lá, eu acho a mais gostosa de todas do Japão, que é o okonomiyaki, como se fosse uma panqueca japonesa. E a história é boa também, porque na época, depois da bomba, os americanos não tinham o que comer, tudo foi destruído. Então os americanos davam farinha para os moradores de Hiroshima e com aquela farinha eles misturavam com o que eles tinham ali, verduras, legumes, algum macarrão e faziam uma panqueca.
Mais ou menos um okonomiyaki é isso, num resumo bem livre que eu me permito fazer aqui. É uma delícia o prato. E com toda essa história, eu acho que ganha ainda mais significado. Eu adorei. No Japão, cada cidade tem meio que o seu prato típico, assim. Hiroshima, o prato típico é o okonomiyaki. Tem okonomiyaki em outros lugares, mas o de Hiroshima é o melhor.
NaTelinha - E fazendo exercício hoje, se você tivesse que escolher um lugar pra ser correspondente, não vale o Japão, hein? Qual país você escolheria? Talvez que você tenha curiosidade de viver a cultura, de conhecer as pessoas?
Eu gostaria muito de morar um pouco em Londres. São duas cidades que eu gostaria de morar, até para entender como elas funcionam. Londres eu conheço bem. Eu conheci muito bem Londres. Eu tinha ido a Londres antes como turista, mas trabalhei durante mais de duas semanas em Londres pela CNN quando a Rainha Elizabeth morreu, em 2022. Eu fui mandado para lá no dia da morte da rainha. Cheguei no dia seguinte já ancorando o CNN Prime Time ao vivo das ruas de Londres. Foi incrível a experiência e foi incrível conhecer melhor a cidade. Nessas duas semanas a gente ficou acompanhando todos os preparativos para os funerais da rainha e vendo como a população reagia à morte da monarca e que durante todos os anos foi rainha. Para muitos ingleses, ela foi a única rainha que eles conheceram. Para muitas gerações de ingleses. Já que ela entrou no trono aos 16 e morreu com 80 e não lembro quantos.
Mas então, foi um símbolo que se foi. Por isso que foi tão importante a CNN Brasil ter me mandado para lá. E eu fiquei muito feliz com essa oportunidade de entender aquele momento histórico para a Grã-Bretanha, para Londres. E foi incrível estar lá e eu queria voltar lá para morar lá, para entender um pouco mais a cidade. Entendi muito naquele momento, mas eu gostaria de voltar para morar lá. E outra cidade que eu gostaria de voltar muito seria Los Angeles. Eu gosto da Califórnia, eu amo a Califórnia. Já estive em várias cidades da Califórnia a passeio. Acho que nunca trabalho, mas morar em Los Angeles eu acho que eu ia gostar. Ainda mais que as Olimpíadas estão chegando também. Ver como a cidade se prepara. É uma cidade desafiadora, muito espalhada.
E diferentemente, por exemplo, de Paris, que é uma cidade, claro, grande também, mas bem menor que Los Angeles, tem um metrô que funciona perfeitamente. Eu fui também para as Olimpíadas de Paris em 2024 pela CNN, fiz o jornal de lá ao vivo todos os dias, cobrindo os jogos, e vi como a cidade funcionou. Era como se não houvesse Jogos Olímpicos na cidade. Tinha muito turista, muito turista. Mas o metrô funcionava bem, o ônibus funcionava bem, a bicicleta funcionava bem. Era impressionante como a cidade, por ter um bom transporte público, funciona perfeitamente. Los Angeles, que tem um transporte público um pouco mais deficiente, é a cultura do carro na cabeça dos americanos e principalmente na Califórnia e em Los Angeles.
Como é que vai ser essa junção da cultura do carro com a necessidade de você ter um transporte público para levar milhares de pessoas que vão chegar àquela cidade e não tem carro? E não vão conseguir alugar carro, porque senão a cidade não vai andar. A cidade já não anda. Com as pessoas alugando o carro, não vão andar mais ainda. Então, por isso que os organizadores falam: 'Aqui ninguém vai chegar de carro nas avenidas, nos estádios, nos ginásios'. Como é que vai chegar, então? É o que eles têm ainda mais alguns anos para dizer.
NaTelinha - Pois é, mas por enquanto você mora em São Paulo. Você gosta de morar em São Paulo?
Eu sou carioca, então eu sinto muita saudade do Rio, sinto muita saudade da praia, do sol, da vegetação, da natureza. Eu sinto muita, muita saudade de fazer treino, de ir na praia, mergulhar. Ah, 'estou cansado, vou mergulhar'. Aí você vai e volta. No Rio é assim. Em São Paulo: 'Quero mergulhar'. Duas horas de carro, você mergulha lá em Santos, na Baixada e volta. Então, eu sinto muita saudade do Rio. Mas aprendi a gostar de São Paulo. E, de novo, as pessoas de São Paulo nos recebem tão bem. Não tem rivalidade, nunca teve, nunca me senti. Me sinto um pouco um turista aqui, às vezes conhecendo pontos diferentes da cidade. Mas gosto tanto da cidade, gosto tanto das pessoas que sinto a curiosidade de estar em lugares diferentes para viver um pouco daquilo que eu vivi quando morei fora e estava descobrindo lugares diferentes em cidades diferentes por onde eu passei.
Em São Paulo, às vezes, eu sinto esse ar de novidade. Isso me encanta muito.
NaTelinha - E você hoje apresentando o CNN Prime, assim, é um programa diário, enfim, mas tem algum projeto da CNN para com você sendo desenvolvido ou que está prometido ou que vai estrear em algum momento?
Sempre tem novidades para mim e para todos na CNN. E eu digo para todos, para o público e para quem trabalha na CNN. Enfim, eu apresento o CNN Prime Time todo dia às 20h, mas isso não impede que eu faça reportagens especiais, que eu viaje quando preciso estar no local onde a notícia acontece. Parece chavão, e muitos jornalistas falam isso, mas é meio que chavão para muitos deles. Nós não. Quando a notícia acontece, o CNN Prime Time vai estar lá.
Se não comigo, o apresentador do jornal com o nosso correspondente que viajou para lá, entendeu? É um esforço, uma dificuldade para fazer isso, mas eu acho que vale a pena. Então, essa é uma missão que sempre me dão quando acontece algo importante. Por exemplo, no fim do ano, eu já estou me preparando. Eu sei que eu vou para Belém cobrir a COP30. A CNN vai montar uma equipe boa para ir para lá. Eu serei uma das pessoas dessa equipe, um dos integrantes dessa equipe.
Um programa que nós teremos duas temporadas este ano é o CNN Sustentabilidade. Já gravamos a primeira temporada, a próxima temporada vai ao ar mais próximo da COP30. Então, são missões diferentes também que eu tenho, além do CNN Prime Time. Mas sempre tem a época da eleição, alguma cobertura especial, mesmo sendo aqui no Brasil, que eu tenha que fazer ou me dedicar um pouco mais. Sempre tem algo especial. Tem alguma coisa diferente pintando? Talvez até tenha, mas é claro que eu não posso falar, né?
NaTelinha - É claro que não pode falar, não pode entregar tudo assim também de bandeja, né? Calma também, né? (risos)
Não, não dá. Já entreguei é que vai ter uma segunda temporada do CNN Sustentabilidade, por exemplo. Mas sempre tem coisas novas. A CNN é interessante por isso também. Tem as suas pessoas, mas sempre você pode ver de várias maneiras isso. Como somos um canal pequeno ainda, de tamanho, não de relevância, não de importância, mas de tamanho ainda, isso exige que muitas vezes a gente precise se desdobrar para fazer outras coisas. Eu trabalho muito no meu jornal. Eu reviso páginas, eu tenho uma editora-chefe extremamente competente, que é a Nathalia Boscolo, tenho um editor executivo também, tenho dois editores espetaculares no nosso jornal, tenho toda uma redação que trabalha também para o CNN Prime Time, mas eu tenho que botar a mão na massa também ali, para acompanhar o que o jornal está fazendo, sugerir coisas, isso exige muita coisa também do profissional. E estou reclamando? Não, estou adorando. Me canso muito mais? Certamente me canso muito mais, mas isso me dá uma, ao mesmo tempo, me dá uma energia muito grande também para compartilhar. Primeiro, tanto conhecimento que eu tenho, tanta experiência que eu tenho nesses 30 anos de carreira, mais de 30 anos de carreira, mas também, de novo, para aprender e colaborar com o crescimento da emissora, que eu acho que está, completamos esses cinco anos, chegando com uma maturidade que nos permite ver, sempre pensando nas dificuldades, não apenas no mercado jornalístico, mas no país como um todo, ou do globo como um todo, como a gente está vendo agora, sabendo que não é fácil, mas ainda é uma missão muito grande e a CNN nos dá as ferramentas e é uma vitrine excepcional para a gente cumprir essa nossa missão.
NaTelinha - Mas você como profissional, sente falta de estar um pouco mais na rua? Porque a gente falou muito do seu ofício de repórter no começo da conversa e ficou muito claro que você tem uma paixão muito grande por estar na rua, por estar contando histórias propriamente. Eu sei que você faz reportagens e tudo mais, mas se dedicar exclusivamente ao ofício de repórter para você, profissionalmente falando, seria mais realizador, se é que posso falar assim?
Não, acho que não. Eu gosto muito do estúdio também. Eu gosto de ser o último elo de uma grande corrente que nasceu lá na reportagem, ou antes da reportagem, na produção da reportagem, em quem teve a ideia daquela reportagem, todo o processo de produção, de fazer a reportagem, da edição, até chegar na apresentação. Eu gosto de participar de todas essas etapas, meio que supervisionando, não é a palavra, mas olhando do alto assim como está sendo construído tudo isso para chegar na minha hora, fazer a minha parte bem também.
Eu adoro reportagem e de vez em quando eu faço algumas, agora até tenho feito poucas até, tenho até que voltar para ir para a rua mesmo, mas é porque assumir outras funções. O Sustentabilidade, por exemplo, me toma muito tempo de estudar, eu preciso estudar. Eu estudo, vou para a COP30 em novembro, eu já estou estudando. Já estou conversando com pessoas, já estou entendendo o que vai ser tratado, o que precisa ser discutido, o que precisa ser perguntado lá. Eu estudo muito. Ninguém é gênio, eu principalmente não sou nem um pouco gênio, mas eu preciso estudar para entender o que está acontecendo. E a COP30 é só um exemplo. Se o Trump decide que vai fazer tal medida, eu preciso entender aquela medida.
Eu preciso sentar com o meu analista de economia para entender se é uma medida econômica, se é uma questão migratória, conversar com alguém que entenda de migração. Eu preciso fazer esse dever de casa para poder reportar, para poder transmitir, fazer uma entrevista, conversar com o meu analista ou simplesmente fazer uma reportagem, se for o caso. Então, eu estudo muito. Então, eu estou tendo menos tempo de ir para a rua fazer reportagens. Mas não, eu gosto da complementariedade que existe entre o repórter na rua e o apresentador. Eu não seria um bom apresentador. Se eu sou um bom apresentador, eu não seria tão bom apresentador assim se eu não tivesse tido a experiência da rua. E acho que a experiência do estúdio ajuda o repórter também para entender o que é mais importante, para entender o timing da matéria.
É difícil explicar, mas as duas funções se ajudam ali. Por isso que eu acho que é tão importante saber fazer as duas coisas. Eu acho que, pelo menos, acham que eu faço bem assim.
NaTelinha - Claro que faz, faz muito bem. Claro que faz. Acha. não... Tem certeza. Porque quem acha não tem certeza. (risos) Tem algum fato histórico que você olha para trás e pensa: 'Putz, esse fato eu gostaria de estar lá em in loco para fazer a cobertura? Você fez grandes coberturas importantes, mas não dá para estar em todas, né?
Não, não dá para estar em todas. É, estar neste momento nos Estados Unidos talvez esteja sendo muito interessante para as nossas colegas que estão lá, as nossas correspondentes Mariana Janjácomo e Priscila Yazbek. Extremamente estressante. É estressante para quem está aqui. Imagina para quem está lá. Aqui é muito trabalho acompanhar todo o noticiário, entender todo o noticiário, interpretar o que realmente ele quer com aquela notícia, com aquele comportamento dele. E digo isso porque é importante entender o que ele quer para passar exatamente, no final das contas, o objetivo daquela medida, o objetivo daquela fala do presidente americano. É muito estressante estar aqui. Você imagina estar lá, mergulhado, mergulhadas, aquelas duas meninas estão, eu falo meninos, mas elas são super profissionais, elas são jovens, Mariana Janjá e Priscila Yazbek, mergulhadas que estão com tanta notícia, recebendo tanta informação, selecionar o que é importante, é entender aquilo, é muito trabalho para elas. Mas eu acho que neste momento é muito importante estar lá. E eu acho que eu gostaria de estar lá neste momento.
NaTelinha - Você gostaria de estar lá nesse momento? Está aí, está dando o recado em CNN, o homem quer ir. Então, se quiser mandar, está a postos...
É, não, mas não, o país está muito bem coberto por elas! Definitivamente, com certeza. Mas, sim, eu sempre tenho vontade de estar nos lugares. E dou o exemplo internacional porque é o que me vem à cabeça agora. Mas não pensem que eu não tenho vontade, não estou ansioso de ir para a Copa. Nossa, eu estou louco para ir para Belém. Louco para conhecer os lugares. Já estou pensando em matérias aqui e não ficar só na cidade de Belém, conhecer ao redor, visitar coisas interessantes, conversar com pessoas diferentes. É isso que me encanta muito na minha profissão e por isso considero a minha profissão a melhor do mundo, porque me dá oportunidade de lugares que as pessoas normalmente não vão.
Me dá oportunidade de conversar com gente que as pessoas não têm. E eu não estou falando só do dono da empresa, o governador do estado, o prefeito da cidade. Não, eu estou falando de gente comum, que constrói aquela cidade, que dá cara para aquela cidade. É assim que a gente conhece os lugares, conversando com elas. Por isso que é tão importante o tempo que eu fiquei na Inglaterra, por exemplo, as duas, quase três semanas, conversando com os ingleses, entendendo ali o sentimento deles naquela passagem da Rainha Elizabeth para o Rei Charles III. Aquilo foi uma mudança incrível. Estar lá foi maravilhoso. A mesma coisa no Japão, ter ficado tanto tempo por lá. Ir pra Belém, por exemplo, e entender como aquela gente cuida daquela floresta, como aquela gente lida com essa com essa novidade que vai ser para muitos deles, porque muitos pensam em primeiro lugar na sobrevivência, é uma cidade muito pobre. E eu respeito essas pessoas também, a gente tem que entender esse lado. Vai ser interessante fazer essa imersão numa cidade como Belém.
NaTelinha - Tem algumas matérias que você já fez na sua carreira que às vezes você está no descanso, no conforto do seu lar, relaxando, e você se pega reassistindo elas por alguma razão? Seja porque foi muito trabalhoso, seja porque a matéria foi excepcional, seja porque a matéria teve um feedback até hoje, igual você falou que tem algumas que você já fez, que até hoje você recebe updates dela. Quais matérias que você se pega vendo ? As matérias conforto, né?
As matérias do Japão eu adoro ver. Às vezes chega no WhatsApp. Algum amigo manda... 'Chegou pra mim no WhatsApp hoje'. 'Você lembra dessa reportagem?'. As do Japão são muitas. Mas tem uma que eu gostei de fazer quando eu tava na Globo ainda, eu apresentava o RJ2, e foi um dia de muita chuva no Rio de Janeiro. Foi um dia que a cidade parou. Bom, a cidade parada por chuva, não tem dúvida. Eu não vou lembrar o ano agora, 2002 talvez? Eu não vou lembrar... 2012 talvez? Ah, que pena. Mas também não é difícil achar, não. E eu estava nessa época com uma bota ortopédica e de muleta.
NaTelinha - Eu lembro disso.
E aí o carro, eu não conseguia dirigir, então vinha um carro da Globo me pegar em casa porque eu apresentava o RJ2 sentado na bancada. E nesse dia o carro não pôde chegar porque a cidade estava intransitável. Aí eu falei: 'Bom, eu tenho que fazer o jornal mesmo, então eu vou andando até a emissora'. Eu não morava muito longe, talvez uns 5 quilômetros, 6 quilômetros, talvez. Eu estava de muleta. Minha mulher, quando me viu saindo de casa, só faltou me segurar, me algemar. Mas eu falei: 'Você tem que ir trabalhar, não tem jeito'. A chuva já tinha parado um pouco, mas a cidade estava um caos, um caos. E aí eu fui andando com a minha muleta e ao mesmo tempo eu tinha uma camerazinha, não tinha nem celular nessa época. Tinha celular, mas o celular não filmava ainda. Eu tinha uma camerazinha VHS, não, era uma camerazinha digital, muito ruim.
NaTelinha - Aquela Cybershot.
Exatamente. E aí eu fui andando com a muleta e filmando com a camerazinha, o que eu ia vendo. Eu morava numa região que alagou bastante, ali na Lagoa Rodrigo de Freitas, então tinha vários pontos de alagamento. A chuva começou no dia anterior, então pessoas que dormiram dentro do carro porque não conseguiram andar. Encontrei pessoas que vinham andando de dentro do túnel Rebouças, que liga a Zona Norte para a Zona Sul, porque o túnel, eu não lembro se teve algum deslizamento, mas o ônibus não passava. A pessoa veio andando pelo túnel e eu queria mostrar essas dificuldades das pessoas. Então eu fui andando e filmando essas pessoas e conversando com elas. O que aconteceu? Não tem ônibus. Eles iam andando. 'A senhora dormiu no carro?'. E não imaginava o que ia sair dali. Quando cheguei na emissora, a gente começou a editar esse material. Ligou a camerazinha na ilha de edição lá. Nem sei como conseguiu ligar aquilo. E ficou um material muito bacana. E eu lembro do William Bonner passando na ilha de edição e falando: 'O que é isso aqui?'. 'Ah, o Márcio fez quando veio pra cá andando'. E ele botou no Jornal Nacional. A reportagem também. Deve ter no YouTube também eu apresentando na bancada essa reportagem. A do Jornal Nacional talvez tenha também. E eu fiz até passagem. Aquela hora que o repórter aparece, eu até fiz com a câmera segurando assim. Coisa que hoje as pessoas fazem selfies. Eu fiz essa selfie há muito tempo atrás.
Há muito tempo, mostrando um carro passando atrás de mim numa ciclovia. Porque a avenida estava tão alagada que o carro tinha que seguir pela ciclovia que tinha paralelo à pista principal. Essa reportagem me enche de orgulho, porque apesar de todas as dificuldades que eu estava, físicas mesmo, eu consegui fazer um bom trabalho. E não que me enche de orgulho, porque 'olha que bom profissional eu fui'. Não, mas como eu consegui ajudar a contar a história daquele dia tão difícil para a minha cidade, com tanta dificuldade. Eu fico orgulhoso de ter participado daquele momento da história da minha cidade, com essa reportagem.
NaTelinha - E qual foi o estalo que te deu para começar a produzir uma matéria nesses modos? Não sei se a palavra rudimentar é certa, mas uma matéria cheia de dificuldades tecnológicas e manuais também, né?
Eu achei que ia dar certo. Primeiro que eu tinha que chegar no meu trabalho. E me ligaram falando: 'Ó... Não tem como buscar, tá tudo alagado, o carro não vai chegar aí'. Eu morava numa ladeira, assim, era difícil pro carro subir também, e tava tudo alagado ao redor. Aí eu falei: 'Bom, então tá bom, eu vou tentar chegar aí, então'. E fui andando de muleta. Nessa época eu já tava com um pé só. Uma muleta só. Porque no começo eu tava com duas muletas, então eu nem podia encostar o pé. Nesse momento eu já podia, eu tava com uma muleta só e podia encostar o pé no chão.
Então foi mais fácil, eu tava com bota ortopédica, mas já era mais fácil. A bota molhou toda, estragou completamente, né? Minha mulher quase me matou. Mas deu pra fazer. E a câmera também era muitoo limitada tecnicamente, porque não havia tecnologia. Hoje o telefone celular você transmite do outro lado do mundo, ao vivo, com high definition. Alta qualidade, não tem dúvida nenhuma. Mas naquela época era difícil, não tinha celular para filmar. Então era na câmera, segurando a câmera assim, meio troncho. Mas o que dá o estalo? O estalo é o senso jornalístico. O estalo é o senso de responsabilidade, de querer mostrar aquele fato. Na CNN, se a CNN tem um lema, é o 'facts first'. O fato em primeiro lugar. O fato em primeiro lugar. Qual é o fato ali? A cidade está destruída. A cidade está parada. Quando você tem o fato, você vem naturalmente com a solução para aquele fato ou a maneira de cobrir aquele fato. Bom, vamos tentar cobrir então. Então vai ser dessa maneira. Nem sempre dá certo. Mas o fato vai estar sempre ali te motivando aí.
Eu acho que a pergunta e a sua resposta é ter o fato, ter a notícia e ter esse senso jornalístico, esse senso de responsabilidade de reportar sobre aquela notícia ali que nos move, colocando às vezes em situação de risco, mas o que não é certo, e não defendo isso de jeito nenhum, você colocar em risco para cobrir algo completamente errado, não adianta nada o repórter morrer e não levar a notícia. Prejuízo para os dois lados, para a emissora que não tem a notícia, para o repórter e a família dele. Falando simplesmente assim, grosseiramente assim, mas, medindo os riscos, medindo as consequências para você, como é que você consegue cumprir e fazer a cobertura daquele fato? Eu acho que é assim.
NaTelinha - E esse senso, é que não é todo jornalista exatamente que tem isso, Márcio, mas fazendo um 'autoelogio', qual é a sua maior virtude como repórter?
Eu acho que é gostar de fazer até hoje e ter esse senso jornalístico. Eu ainda tenho a ideia, e na CNN principalmente, sei que não é muito, não é nem na CNN, hoje em dia eu sei que não é muito assim. A gente tinha até hoje, e algumas pessoas até hoje falam, né? 'Você que está em casa nos acompanhando...'. As pessoas acompanham a notícia hoje de qualquer lugar. Não é mais em casa. Usar esse termo significa que a pessoa está no passado. E tem muita gente jovem que usa até hoje. Talvez tenha menos gente em casa nos acompanhando do que nos escritórios, na rua, por causa do celular, entendeu? Entender essas mudanças é importante.
Eu sei que houve essas mudanças todas. Da tela maravilhosa para a telinha do telefone celular. E nos assistem na telinha do telefone celular. 24 horas por dia, ao vivo, ou na hora que eles quiserem. O meu jornal vai lá às 20h. 'Ah, perdi'. Assiste às 23h, 0h, 1h. Não interessa, o jornal vai estar sempre lá. Então, entender essas mudanças todas é muito importante, mas não perder a noção da responsabilidade que a gente tem com quem está do outro lado da tela.
Por mais que a pessoa não esteja mais em casa, por mais que a pessoa não esteja mais diante de uma televisão, por mais que a pessoa esteja assistindo no telefone ou na tela do computador, ou só ouvindo o jornal, tem alguém ali. Tem alguém que precisa ser informado. Tem alguém que precisa daquela informação, porque informação é algo fundamental para a vida dela, para o investimento que ela vai fazer, para o que sobrou do salário do fim do mês, para onde colocar as crianças, a escola que você quer colocar as crianças, como cuidar da sua saúde, como entender o momento da economia brasileira.
Estar bem informado é fundamental para a vida da gente. E entender que você faz um pouco parte dessa responsabilidade de transmitir as informações. Nossa! Isso me enche de orgulho e de responsabilidade.
NaTelinha - Eu acredito que a CNN Brasil tem entendido muito rápido, muito antes de outros veículos até, a importância de você estar em todas as plataformas e com o conteúdo. Acabou, já está ali muito rápido, acontece tudo muito rápido. Quem quer assistir a CNN hoje, consegue assistir de qualquer lugar realmente...
É, entender. Entender como isso funciona é muito importante também. Entender o que significa ser multiplataforma. Eu sempre achei bom ser multiprofissional, ou seja, ser um bom repórter, ser um bom apresentador. estar nos dois lugares. Sempre achei que isso um enriquece o outro, de novo. Mas entender agora este momento de multiplataforma, que eu também preciso escrever textos para o site, que eu posso gravar vídeos para as redes sociais da CNN, que eu posso apresentar o meu jornal em outros lugares, porque a tecnologia me permite isso. Entender toda essa evolução tecnológica, não apenas no fazer o jornalismo, mas também na transmissão do jornalismo, isso é fundamental. Não apenas para o profissional seguir sendo importante, seguir sendo valorizado na empresa dele. 'Ah, esse cara é muito limitado, só faz televisão'. 'Não sabe escrever, só sabe apresentar'. 'Não, esse aí só faz reportagem, não é capaz de escrever um texto'.
Estou sendo extremista aqui nas minhas opiniões, por favor. São só exemplos. Mas é importante que eu entenda essa mudança tecnológica para quem faz e para quem assiste também. Ter a notícia onde a pessoa quiser. A CNN é assim, surge uma nova rede... Vamos lá. Bota o CNN aí. Cria logo o arroba CNN não sei o que, pra gente estar aí. Esse é o espírito multiplataforma. E isso foi uma lição estando na CNN.
NaTelinha - E você se adaptou. Você, pessoa física, também se adaptou bem às redes sociais. Para quem não segue o Márcio, inclusive sugiro que siga... Ele tem mais de 130 mil seguidores no TikTok. Tem mais de 400 mil no Instagram... Mas você está sempre dando a notícia, não é que você está fazendo dancinha, não é que você está fazendo alguma bobagem, você está sempre dando a notícia. Quando é que você percebeu que era importante você usar essa tecnologia e estar presente nessas plataformas também?
Eu confesso que eu percebi isso muito cedo, eu queria fazer logo quando surgiu ainda Facebook, e era só o Facebook, eu acho, eu já queria fazer, eu fazendo o RJTV, eu não lembro se o RJTV 1ª, 2º edição, eu já queria fazer um boletinzinho, que eu faço até hoje, com um resumo bobo, simples, mas eu acho importante para quem não tem tempo de assistir, ou não consegue assistir, um resumo das notícias daquele dia. Eu já pensava em fazer isso naquela época, mas eu me recusava um pouco às redes sociais. Eu só vim a ter redes sociais no Japão, no fim da minha estadia por lá, deve ter sido 2016 ou 2017. Olha só, muito, muito tarde.
E sim, eu sou muito envergonhado, então eu jamais faria dancinhas, eu jamais faria outra coisa que não fosse jornalismo. Eu não gosto de filmar muito meus filhos, eles também não gostam de aparecer muito. Então, vida pessoal divido pouco, talvez mostre um pouco a minha esposa às vezes, a gente pensa em coisas, mas a ideia eu acho que é sempre usar essas redes sociais próprias. Com o sentido da notícia, entendeu? Não é nem fazendo propaganda da CNN, mas simplesmente dando informação de alguma forma. Quando aconteceu o assalto que eu fui vítima em São Paulo, por exemplo, eu expliquei o que aconteceu.
Quando eu fui a vítima, eu falei com as pessoas que foram legais naquele dia para mim. Eu achei que era uma mensagem importante a passar. Pode não ter uma função jornalística isso. Acabou tendo muita repercussão, porque foi comigo, as pessoas conhecem, então repercutiu bastante. Mas eu acho que ali tinha uma... Acaba tendo uma função de explicar como as pessoas me ajudaram, como isso foi importante naquele momento tão violento que eu sofri. Meses depois, foi a minha mulher que foi vítima de uma tentativa de assalto. E ali tinha informação, porque ela tinha um carro com uma película protetora e a película impediu que o ladrão entrasse. Não era propaganda de película, não era para dizer a marca daquela película, onde eu coloquei aquela película. Era só para dizer, com a película, talvez tenha até salvado a vida dela e do meu filho que estava no carro. Porque a gente não sabe o que pode acontecer nesse tipo de coisa. E o ladrão desistiu quando sentiu. Na batida, o vidro rachou, mas não entrou o vidro para dentro e ele não teve acesso ao carro. Então ali talvez tenha sido também uma notícia, uma informação relevante para as pessoas. E também teve muita repercussão. Então eu uso as redes sociais um pouco nisso. Muito para distribuir informação, rebater notícias da CNN, da CNN Portugal, da CNN Internacional, mas também para dar as minhas notícias ali, o que eu julgo, o que eu considero importante.
NaTelinha - E você teve alguma dificuldade, não só às vezes na questão tecnológica, mas assim, de posicionar a câmera e dizer: 'Como eu falo?', 'que texto eu uso?', 'que linguagem eu uso?'. Você teve algum tipo de dificuldade para começar e para engrenar em rede social?
Todas.
NaTelinha - Todas?
Todas. Ah, entender como funciona a rede, características. Até hoje eu não sei o perfil de cada rede. Eu vou botando, eu vou postando. Às vezes dá certo, às vezes não dá. Não dá... Às vezes não dá repercussão como você imaginar. Esse vídeo vai alcançar muita gente. Alcança pouco. Outro dia eu estava em Brasília fazendo a eleição do presidente da Câmara. A gente fez o CNN Prime Time de Brasília no começo do ano. E eu gravei um vídeo depois para o TikTok falando o que aconteceu ali. Fazer um resumo daquela notícia sobre a eleição do Hugo Mota e do Davi Alcolumbre, presidentes da Câmara e do Senado.
Nossa, teve muito view. Teve milhares de views no TikTok. Então eu pensei 'opa'. As pessoas estão interessadas, as pessoas às vezes têm interesse na notícia. Eu digo às vezes porque a gente sabe como elas estão dispersas, com tantos atrativos no mundo. O que eu acho uma pena, não pela minha carreira, não pela minha profissão, não pelo jornalismo em si, mas pela informação, da importância, da relevância que é ser bem informado, estar bem informado.
NaTelinha - Você lê os comentários, repercussão nas suas redes sociais? Você não tem hater, você é um cara que não tem hater. Você lê o que o pessoal te manda, direct de Instagram, no TikTok, você lê os comentários, você acompanha o que você mesmo publica ou você publica e larga lá para ver o que acontece?
Não, eu até acompanho para ver as visualizações, para entender, de novo, para entender, porque, de novo, eu não entendo muito bem como funciona, mas eu sei que os profissionais também. Eles falam também, né? 'Não, Márcio, fica tranquilo'. A gente também não entende porque alguns postos viralizam, outros não viralizam. É o algoritmo. Não sabem. Quem falar que sabe é mentira. Eu sei que tem pessoas que têm milhões de seguidores e naturalmente ela posta um espirro, milhões de comentários. Entender como eu não tendo milhões de seguidores, mas às vezes milhões de pessoas assistem aos meus vídeos, é o meu objetivo, saber como funciona. Mas eu acompanho alguns comentários, sim. Não dá tempo de ler todos os comentários. Vou ser muito sincero, não dá tempo de ler todos os comentários. Eu tenho alguns haters, sim.
Tem algumas pessoas que não gostam de mim. É normal. Não haters, mas pessoas que a gente sabe como o jornalismo foi bombardeado nos últimos anos. E até hoje é vítima de ataques por uma parte da população que não entende a relevância da nossa profissão. A crítica de serem feitas, que façam as críticas, eu não tenho problema nenhum em receber crítica. Aliás, eu adoro receber crítica. É a crítica que nos permite pensar: 'Opa, será que eu fiz errado? Vamos raciocinar aqui, vamos refletir aqui'. É a crítica que nos faz refletir. Então, mais uma teologia, muito mais uma teologia. É a crítica que percebe, peraí, eu errei aqui? Vamos ver o que eu errei aqui. Tem uma mudança de rumo a ser feita aqui ou não? Não tem problema nenhum receber crítica.
O problema é quando a crítica é falsa, é vazia, é fruto da polarização que a gente vive no nosso país. Sem querer levar a conversa para a política, que não me agrada nem um pouco. Mas, nesse caso do meu assalto, por exemplo, eu recebi um monte de crítica. 'Está vendo? O candidato que você votou defende esses bandidos'. As pessoas não sabem em quem eu votei. E dizendo que eu fui o culpado do meu assalto porque eu votei em tal candidato. As pessoas não sabem em quem eu votei, porque eu nunca falei, nem vou falar em quem eu votei. Eu não credito a violência na cidade, no país, por causa desse ou daquele candidato, desse ou daquele político, nem um pouco. Se for creditar em algum, credito a todos. A todos.
Porque é um problema histórico. Você é vítima disso. E tudo bem. Eu não vou dizer que é normal. É absolutamente anormal vivermos nesses tempos. Mas a gente percebe que isso está acontecendo não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro.
NaTelinha - Não é normal, mas é comum, né?
É! E aí a gente tem que de novo respirar fundo, renovar as nossas crenças pra continuar trabalhando da maneira que a gente sempre trabalhou. Porque eu sei que o meu trabalho é importante, eu sei que o meu trabalho salva vidas e eu sei que o meu trabalho pode ajudar a mudar esse país, dando principalmente consciência para as pessoas, senso crítico, um olhar de como as coisas estão e fazer com que elas pensem na casa delas, do outro lado da tela: 'Como é que eu estou aqui? Em cima do que ele está falando? Em cima do que ele está mostrando? Em cima dos fatos que ele está reportando? Como é que está a minha vida aqui? O que aconteceu? Como é que eu agi?'.
Eu acho que esse é um dos elementos mais importantes do jornalismo também. Fazer as pessoas refletirem. Não apenas informar, mas também formar as pessoas.
NaTelinha - Então, esse tipo de comentário você nem responde. São aqueles comentários de sempre. Não é só com você. Alguém sofreu um assalto. 'Ah, era só para tomar uma cervejinha'. 'Ah, faz o L'. Parece que são robôs reproduzindo exatamente os mesmos comentários sempre. Esses você nem responde, ou você deleta, ou você dá block? Porque às vezes, faz bem para espairecer...
Tem razão. Se for muito agressiva dou block porque ninguém que me segue precisa ver um comentário agressivo. Dou block e apago se for muito agressivo se for só um um comentário bobo, de ataque, eu até deixo lá. Eu confesso que eu não respondo nem aos simpáticos, porque eu não tenho tempo para responder aos simpáticos também. E são muitos também.
NaTelinha - São os maiores, inclusive, em quantidade, são muito mais do que os comentários imbecis, tenho certeza disso.
Eu acho que sim, eu acho que sim, me permito dizer que sim. Mas tem colegas que dizem, e eu concordo com isso, se você apanha dos dois lados, é porque alguma coisa certa você está fazendo. Se você apanha dos dois lados do espectro político, alguma coisa correta você está fazendo de crítica aos dois e de crítica no sentido de iluminar os problemas daqueles dois lados. E eu falo dois lados por causa desse mundo polarizado que a gente vive. Mas eu posso falar em relação a todos os políticos, em relação a todas as nossas autoridades. O jornalismo é feito para criticar. O jornalismo é feito para mostrar os problemas. Para quê? Para que as coisas melhorem para quem está nos assistindo do outro lado, para a população, no final das contas. Essa é a missão do jornalismo, basicamente. Se eu tiver que só elogiar, se eu tiver que falar como é bom aquela pessoa, olha que política perfeita, maravilhosa, não. Eu até posso fazer isso, mas deixa eu ver o resultado primeiro.
Deixa eu ver primeiro o fato, para aí a gente fazer uma análise criteriosa, se merece elogio ou não. Enquanto eu não tenho o fato, a solução daquele problema, a crítica vai continuar até que eles resolvam trabalhar. Mas, de novo, isso não vem de agora, isso não vem de quatro anos, de oito anos, isso vem historicamente e o jornalismo sempre teve essa função e sempre terá. Se tudo der certo, sempre terá.
NaTelinha - Sim, sem dúvida. Se você quiser adiantar mais alguma coisa, dar algum spoiler do que vem por aí neste segundo semestre, por favor...
É, o Thiago não descansa, né? Vai ter a segunda temporada do CNN Sustentabilidade. Enquanto isso, eu continuo no CNN Prime Time, todo dia, às 20h. E é um prazer receber as pessoas lá, seja em entrevistas ou seja o nosso público. A gente percebe uma audiência muito significativa e a gente tem muito orgulho disso. Ter o nosso trabalho reconhecido, eu digo o nosso, o da nossa equipe, e não só da nossa equipe do Prime Time, mas a nossa equipe CNN, que de novo, não é fácil, temos apenas cinco anos, mas a gente está numa trajetória excepcional, e quem ganha com isso, claro, é quem faz, porque fica feliz, mas principalmente quem nos assiste.
A gente nasceu um pouquinho depois da CNN, mas a gente é um dos poucos programas da CNN que não mudaram a sua característica, mudamos de horário, mas não mudamos a nossa característica de ser um jornal que empacota as notícias no fim do dia. Todo noticioso, pesado, denso, profundo que a CNN tem, chega 20h e a gente dá aquela empacotada final. O que foi de mais importante que aconteceu e com análise objetiva, com reportagens especiais e a gente sempre em cima da notícia. Isso nos dá muito orgulho.