Como criador de Chaves "salvou" a série antes de morrer
Roberto Gómez Bolaños impôs data limite à Televisa para proteger sua maior obra
Publicado em 05/08/2020 às 04:15
A saída abrupta de Chaves do SBT e de outras emissoras pelo mundo ainda segue com mais perguntas do que respostas e mais especulações do que certezas. Nesta semana, uma revelação de Edgar Vivar, intérprete de Sr. Barriga, trouxe à luz uma decisão do criador da série mexicana, Roberto Gómez Bolaños (1929-2014), que mudou os rumos de sua obra desde a última sexta-feira (31). Foi ele quem arquitetou a ruptura com a rede Televisa, ex-detentora dos direitos do programa.
Os mais de 1.200 episódios de Chaves, Chapolin e do programa Chespirito pertenciam à Televisa há 45 anos, quando se fundiu ao canal 8 (TV Tim), que transmitia as séries (daí vem o nome original de Chaves, El Chavo del Ocho). Um acordo entre Bolaños e a gigante da comunicação latina, citado por Edgar Vivar, revelou que esta parceria aparentemente eterna teria prazo de validade.
"Roberto Gómez Bolaños tinha apalavrado um contrato de usufruto dos personagens e de sua criação literária até 30 de julho deste ano, quase seis anos depois de sua morte. E não renovaram os direitos, a Televisa não quis pagar", disse Vivar na noite do último domingo (2).
Em outras palavras, Bolaños estipulou uma data limite para a Televisa, produtora de seus humorísticos durante duas décadas, continuar lucrando com as reprises e exportações de Chaves. Se a rede quisesse as séries por mais tempo, teria que negociar com ele ou com seus herdeiros.
O NaTelinha apurou que a Televisa tentou reverter o acordo firmado no passado com o criador de Chaves, e avisou ao SBT e a outros canais que exibem o programa sobre a data limite. A rede, entretanto, não obteve êxito na renovação do acordo e perdeu os direitos sobre o humorístico.
A iniciativa de Bolaños contra a Televisa sugere que ele tinha vontade de proteger seu patrimônio intelectual e sentia desconfiança com a rede que produziu seus programas. A relação entre o comediante e a empresa explicam os motivos por trás da ruptura que tirou Chaves do ar no Brasil e no mundo.
O primeiro atrito público entre Bolaños e Televisa ocorreu em 1995, quando a rede mudou a programação e afetou o Programa Chespirito, na época exibido há 15 anos ininterruptos. O comediante se irritou e decidiu encerrar sua atração. “O programa terminou porque a empresa tirou todos os humorísticos e decidiu que faria unicamente novelas”, disse ele ao programa A Casa É Sua, da RedeTV!, em 2001.
Para acalmar Chespirito (diminutivo de “pequeno Shakespeare”, como Bolaños é conhecido), a Televisa entregou-lhe o comando de sua divisão de cinema, a Televicine. O cargo dentro de um escritório também incomodou o comediante, que ao mesmo tempo via suas obras serem reprisadas com altos índices de audiência.
Após sua morte, em novembro de 2014, os direitos intelectuais passaram para os seis filhos: Graciela, Cecilia, Paulina, Teresa, Marcela e Roberto Gómez Fernández, este o mais envolvido com a preservação do legado de seu pai. Ele administra o Grupo Chespirito e parece ter se preparado para o dia em que Chaves se tornaria “independente” da Televisa.
Três movimentações de Fernández explicam o início do distanciamento com a gigante de comunicação. A primeira foi a ruptura com a empresa de licenciamento de produtos da rede (Televisa Consumer Products) em 2017. Ela vendia brinquedos, material escolar e outros itens relacionados ao universo de Chespirito. Atualmente, os herdeiros de Bolaños têm sua própria loja.
Em outubro de 2019, na Mipcom (maior feira de negócios do setor audiovisual), Roberto Gómez Fernández anunciou a criação de um “Universo Chespirito”, a começar com a produção de uma serie biográfica sobre Bolaños, sem a participação da Televisa. quem tirará a produção do papel será a empresa THR3 Media Group.
A terceira movimentação aproxima os herdeiros de Bolaños com os fãs. Durante live com o Fórum Chaves, maior comunidade de fãs do Brasil, Roberto Gómez Fernández revelou trabalhar na restauração de episódios, incluindo os famosos “perdidos”, que desapareceram da Televisa sem motivo aparente. Estima-se que mais de 100 histórias de Chaves, Chapolin e Chespirito tenham simplesmente “sumido”.
O próximo passo seria o Grupo Chespirito adquirir as fitas originais de Chaves, ainda pertencentes à Televisa, para restaurá-las. Como este é o item mais valioso em disputa, a rede mexicana não deverá ceder o material tão facilmente, nem os herdeiros de Bolaños diminuirão a oferta pela obra do comediante. O “apagão” de Chaves da TV começa a ganhar ares de "dramalhão”.