Ator nega que Tremembé - A Prisão dos Famosos tenha vitimizado personagens: "Realista e ácida"
Marcos de Andrade está em Reencarne e Beleza Fatal, e fala sobre tema da série e o sucesso da novela
Publicado em 23/12/2025 às 05:00,
atualizado em 23/12/2025 às 05:46
2025 foi um ano intenso e de muito trabalho para Marcos de Andrade. Somente este ano, o ator estrelou as séries Tremembé - A Prisão dos Famosos, no Prime Video, e Reencarne, no Globoplay. Além de atuar em Beleza Fatal, exibida na Band e disponível na HBO Max.
Ao todo, são 17 séries, 10 longas e uma novela no currículo do ator. Com papéis tão distintos, não seria exagero afirmar que o artista é um dos mais versáteis da atualidade.

Destaque em "Tremembé" no papel do ex-prefeito corrupto Acir Filó, Marcos de Oliveira nega que a série tenha vitimizado os criminosos: "Considero que ela foi realista e ácida", disse em conversa exclusiva com NaTelinha.
NaTelinha: Apesar do sucesso de público, Tremembé - A Prisão dos Famosos recebeu algumas críticas. Você acha que a série tentou "vitimizar" os criminosos retratados na produção?
Marcos de Andrade: Não acho que a série tenha vitimizado os personagens retratados. Pelo contrário, considero que ela foi bastante realista e, em certos momentos, ácida na maneira de reproduzir o modus operandi e o resultado mental de um espaço que reúne figuras que cometeram crimes tão terríveis, tão bárbaros. O próprio Acir Filó diz duas frases muito fortes sobre o estatuto mental daquele espaço retratado na série: "Aqui é cobra comendo cobra", algo que quem assiste percebe o tempo inteiro. E “Se tem uma coisa que vende, é sangue”. Essa última é especialmente contundente, porque caracteriza um certo cinismo presente em todo o ambiente, seja mental ou físico da cadeia. A série consegue retratar isso criando um distanciamento e uma ironia, ao mesmo tempo em que constrói uma obra com conteúdo pop. E é justamente esse conteúdo pop que mantém o espaço crítico vivo.
NaTelinha: Na série, você dá vida a um ex-prefeito corrupto. Com personagens reais, alguns com crimes bárbaros, como era o clima no set? Muito pesado?
Marcos de Andrade: Não! O clima não era pesado. Era um clima de concentração, eu senti muita concentração. O estado mental de um ator num set de filmagem é de muita solidão. Pelo menos, pra mim é assim. Você fica carregando uma série de conteúdos e pulsões que acredita serem necessários manter em brasa, quentes, vivos, até a hora em que o diretor diz “gravando”. Então, quando você está num set muito plural, com muitos personagens, muitos atores e atrizes, na verdade existem muitos universos caminhando por aquele espaço. Eu diria que era um set normal: pessoas conversando, em alguns momentos até descontraídas. Não sentia que nada estivesse pressionando ninguém. Era tudo muito bom, muito tranquilo e muito profissional. Mas, claro, cada ator estar ali carregando a sua própria cruz, entendendo o que precisa e de que modo levar o seu estado mental até o momento de começar a cena. O Acir, personagem que eu fiz, e isso não é de modo algum relativizar o crime de corrupção, que é um crime terrível e que assola não só o nosso país, mas a humanidade há muito tempo, tinha uma densidade criminosa diferente da de quem matou o pai, matou a mãe, matou a namorada, de quem torturou. Não dá pra negar essa diferença de densidade. Por isso, ele vagava pelo conteúdo dramático de uma maneira distinta. Acabou assumindo esse lugar de testemunha ocular, alguém que cria para si uma espécie de diário do status quo da prisão. E, curiosamente, pra mim, como ator, aconteceu algo parecido no set.
"Além de entender tudo o que eu precisava, a partir do que estudei, do que levantei, do que achava correto, do que o personagem devia esconder, do que devia mostrar, enfim, todas essas perspectivas e vetores que circundam uma cena, além de estar concentrado em cada cena que eu tinha, eu também fiquei num estado semelhante ao do Acir: observando os outros atores interpretando criminosos, assassinos, um pouco de fora. Mas, no geral, o clima era esse: muito profissional e muito concentrado".
Marcos de Andrade

NaTelinha: Você também atuou em Reencarne, série do Globoplay que fala de assuntos sobrenaturais. Você acredita? Já teve alguma experiência com o sobrenatural?
Marcos de Andrade: Eu não acredito, mas que eles existem, existem. [risos]. Acho que é um paradoxo. Eu nunca tive nenhuma experiência. Eventualmente, você tem sensações, mas uma experiência, propriamente dita, eu nunca tive. Por outro lado, eu conheço pessoas que juram que tiveram: que viram imagens de pessoas que não estavam mais nesse mundo, que entraram em contato com pessoas que haviam morrido, enfim. Essas coisas estão por aí, cercando a gente o tempo inteiro. Então, apesar de, racionalmente, se eu for fazer um exame mental ponto por ponto, e chegar à conclusão de que não acredito, existe uma parte que não pertence ao campo da consciência. Uma parte da nossa existência mental que a gente não conhece integralmente. Existem muitos impulsos dentro da gente que a gente desconhece, muitas imagens que estavam ali e que a gente nem sabia que existiam. Além disso, eu acho que a gente está num campo que não é o da racionalidade. E eu não estranho mais nada no mundo. Nada do que acontece me parece realmente estranho hoje em dia, entende? Então, eu não creio e creio ao mesmo tempo. Nunca tive uma experiência, mas não posso negar que a nossa existência é repleta de coisas que a gente não compreende e que essas coisas estão por aí, permeando a nossa vida na Terra.
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NaTelinha: Muitos do elenco disseram que não consomem terror, e que sentem medo. E você? Gosta do gênero? Foi tranquila as gravações no set?
Marcos de Andrade: Eu não era um consumidor de filmes de terror, do gênero de terror no audiovisual. Mas aprendi a gostar muito do gênero pela literatura. Esse é o terceiro trabalho de terror que eu faço. Lá atrás, eu protagonizei a série "Contos de Edgar", baseada em Edgar Allan Poe. Naquela época, eu li tudo do Poe, tudo. Depois fiz "Vale dos Esquecidos", que também é uma série de terror, e ali voltei a ler muita coisa, principalmente livros de contos, coletâneas. E não só dos chamados especialistas do gênero, escritores que se dedicaram ao terror como Edgar Allan Poe, Bram Stoker, mas também de escritores consagrados em outros gêneros: Whitman, Machado de Assis. E tudo isso é muito fascinante, porque parece que o terror entra em contato diretamente com uma parte do nosso inconsciente. Essas imagens parecem já estar lá dentro da gente, e os escritores acabam revelando isso em forma poética, em forma literária. A partir do momento em que eu passei a entender o que significa o conto de terror, eu comecei a gostar também dos filmes clássicos. Então, ao contrário de sentir medo, comecei a ver beleza nesses filmes. Quando um filme consegue atingir um arquétipo, quando ele provoca um medo terrível na coletividade, ele está falando de medos que já estão ali dentro da nossa cabeça, prontos. Parece que ele revela uma série de imagens recônditas que já habitam a gente. Se nasceram com a gente ou não, eu não sei. Então, passei a amar os filmes pela qualidade que eles têm de instaurar esse estado mental. Clássicos como "O Iluminado", "O Bebê de Rosemary", "O Exorcista" passaram a me parecer filmes de muita beleza.

NaTelinha: Qual o seu maior desafio em Reencarne, então?
Marcos de Andrade: No set de Reencarne, o meu desafio foi menos o gênero em si e mais a criação do personagem. Talvez tenha sido o personagem mais difícil que eu já fiz na vida, porque era uma criança. Além de todo o elemento fantástico que a série trazia, eu tive um percurso muito duro de estudo antes das filmagens, especialmente sobre comportamento infantil. O meu personagem era um homem que morria e voltava da morte com o espírito de uma criança de cinco, seis anos. Então, mesmo levando em conta o elemento fantástico, eu tinha um receio enorme de que o personagem não fosse crível. Trabalhei muito para que as pessoas olhassem e dissessem: “Tem uma criança ali dentro. É um homem, é um adulto, mas existe uma criança ali". Acho que esse desafio me deixou mais apavorado do que o ambiente do gênero em si.
NaTelinha: Beleza Fatal recebeu o prêmio NaTelinha de melhor novela do ano. Você esperava esse sucesso todo?
Marcos de Andrade: Não, a gente nunca espera que uma coisa faça sucesso, né? Como foi no caso de Beleza Fatal, como é o caso de Tremembé também. Beleza Fatal foi a única novela que eu fiz, mas, ao mesmo tempo, é quase como se não fosse, como se eu não tivesse tido exatamente a experiência de fazer uma novela. Isso porque ela foi gravada inteirinha antes de ir ao ar e tinha um número um pouco menor de capítulos do que as novelas que a gente conhece como obra aberta. Ela foi gravada como obra fechada, inteira, então não havia essa influência direta do público, o que já é uma diferença importante. Me parece que ela tinha características específicas que fizeram com que pegasse e se tornasse popular.
"Eu acho que é sempre sadio ter mais gente produzindo, ter perspectivas de produção diferentes. Isso enriquece a cultura do audiovisual brasileiro e o audiovisual como um olhar sobre a cultura do Brasil. O Brasil tem uma cultura cinematográfica muito rica há muito tempo. Um cinema muito incrível, apesar de muita gente achar que não, talvez por não conhecer. Desde os anos 30 do século passado, a gente produz obras memoráveis. Os anos 50 foram incríveis, os anos 60 foram incríveis, enfim, toda década teve filmes maravilhosos produzidos por aqui. Então, acho que a gente não pode perder de vista que existe, sim, no cinema brasileiro, uma linguagem brasileira".
Marcos de Andrade
NaTelinha: Como enxerga o futuro da dramaturgia na TV aberta com o avanço do gênero nos streamings?
Marcos de Andrade: O streaming aquece o mercado, dá mais trabalho pra gente, mas sempre existe o risco de se criar um modelo que se reproduz automática e infinitamente, entende? Isso acontece em qualquer indústria. Mas é preciso ficar atento pra não começar a fazer obras todas muito parecidas. A gente tem uma tendência a achar que o público é mais tolo do que ele realmente é. E aí vai tentando tornar esse público ainda mais tolo, oferecendo sempre obras muito parecidas, tudo muito igual, tudo muito encaixotado. Só que boa parte das obras que se tornaram fenômenos e fizeram sucesso popular, muitas delas no streaming, são justamente aquelas que deram algum respiro, que trouxeram alguma coisa diferente, alguma imagem nova dentro desse ambiente. Então, tirando as questões de políticas públicas para o setor, que são de suma importância e merecem uma discussão madura, mais profunda, em outro espaço, tirando essa parte específica de distribuição de recursos, eu acho que é preciso entender que talvez o sucesso esteja na coragem e na ousadia. Acho que a gente pode tentar ser mais petulante. Eu acho que o público quer isso. O público aceita uma lufada de ar fresco, entende? O público não quer ver um produto que é igual a outros cinquenta que ele já viu, uma reprodução automática de coisas. O público merece, e pode receber, obras mais ousadas.
NaTelinha: Já tem projetos para 2026? O que pode adiantar pra gente?
Marcos de Andrade: Esse ano foi bem intenso, viu? Eu gravei cinco obras. Acho que a maioria deve sair no ano que vem. Foram três longas e duas séries. Gravei O Grampo, um policial thriller do Luciano Moura, que deve estrear no ano que vem. Gravei também uma série infantil para a TV Cultura, com direção do André Collazo, que deve sair no ano que vem. Fiz Pacto de Sangue: Hora Zero, com direção do Gustavo Bonafé, um filme policial que também deve estrear no ano que vem. Além disso, gravei um filme de suspense, um thriller da Rede Globo, que se chama Antártida, dirigido pelo Bruno Sáfadi. Eu acho que vai ser um filme muito louco, porque é um projeto bem ambicioso deles, gravado todo em estúdio, que também deve sair no ano que vem. E estou gravando agora uma série com o Bruno Sáfadi também. Tem ainda As Vitrines, longa da Flávia Castro, que estreou no Festival do Rio e na Mostra aqui de São Paulo, e que também deve entrar em cartaz. E Viúvos, da Mariana Youssef, que deve sair no ano que vem também. Agora, a ideia é terminar o ano, ainda estou gravando a série do Bruno Sáfadi na Globo, dar uma descansada nesse fim de ano e me dedicar, no começo do ano, ao teatro. Eu tenho dois projetos. Vou abrir um ensaio aberto de uma peça que eu dirijo, do coletivo que eu dirijo, que se chama Mali Teatro. A peça se chama Aforismo 125, baseada em James Joyce, João do Rio, Bíblia e Nietzsche. A gente deve entrar em cartaz com ela agora no primeiro semestre. E vou tentar encaminhar a produção de um projeto meu de atuação. Estou preparando um solo em cima de Dostoiévski. Não atuo no teatro há alguns anos e estou com saudades.