Pastiche ou recriação: O que Jorge Amado disse sobre a versão de Tieta para a TV?
Livro do escritor baiano deu origem à novela da Globo, hoje reprisada no Vale a Pena Ver de Novo

Publicado em 17/02/2025 às 07:00,
atualizado em 17/02/2025 às 07:19
A novela Tieta, hoje em cartaz no Vale a Pena Ver de Novo, na Globo, foi baseada no livro Tieta do Agreste, de Jorge Amado (1912-2001). O escritor baiano, um dos principais nomes da literatura brasileira no século 20, não chegou a dar publicamente sua opinião sobre a trama. Contudo, sobre as adaptações de sua obra para a TV, ele admitiu certa vez: “Em geral, não vejo”.
Exibida originalmente na Globo entre 1989 e 1990, Tieta foi escrita por Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares. O trio foi escalado pela Globo depois que a emissora negociou diretamente com Betty Faria para produzir a novela inspirada no romance, que saiu em 1977.
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Jorge Amado havia vendido os direitos para a atriz, certo de que ela seria a melhor escolha para dar vida à personagem principal. Betty tratou do assunto diretamente com Boni, então diretor da Globo, e fez a única exigência de dar vida à personagem principal.
Só que, apesar das constantes adaptações, Jorge Amado não era muito afeito às versões de seus livros para a televisão o mesmo para o cinema e o teatro. Ele considerava as releituras “uma violência contra o autor”, como comentou em depoimento à Folha de S.Paulo em agosto de 1989, antes de Tieta entrar no ar, e em entrevistas nos anos posteriores.
Por outro lado, Amado afirmou que, quando esses projetos existiam, não se opunha e não gostava de interferir. “Não me meto, porque acho que o roteirista deve ter liberdade para mudar a obra para o novo meio em que ela vai aparecer”, ponderou, garantindo não ter qualquer envolvimento com a atração que iria ao ar na Globo.

Até o fim da década de 1980, várias outras histórias escritas por ele já haviam feito sucesso na TV. Um dos autores mais adaptados para a TV brasileira, ele também confessou, porém, que não assistia às novelas e minisséries baseadas em seus livros. “Só vi quatro capítulos de Gabriela”, confessou sobre a produção de sucesso em 1975, com Sônia Braga no papel principal.
Depois, em setembro de 1989, quando Tieta já estava no ar, mas com apenas uma semana de exibição, ele repetiu o discurso ao jornal O Globo, e acrescentou: "Considero as versões de meus romances para a televisão muito positivas, porque levam a obra a milhões de pessoas que não leriam o livro".
Em 2001, após a morte do escritor, o Jornal do Brasil resgatou uma entrevista concedida em 1992, em que Amado reafirmou tais posições. Desta vez, ele voltou a fazer uma ponderação positiva:
“A adaptação de um livro para qualquer outro meio é sempre violência. Eles destroem coisas que são muito importantes no romance. Acho que a adaptação só é válida se ela não for um pastiche, mas uma recriação. De qualquer forma, por pior que seja a adaptação, por mais que deturpe, modifique, ela sempre passa alguma coisa do que você quis transmitir ao leitor quando escreveu o livro.”
Jorge Amado
Aguinaldo Silva fez várias mudanças ao adaptar Tieta do Agreste para a TV

O posicionamento de Jorge Amado encorajou Aguinaldo Silva a fazer todas as mudanças que julgou necessárias na adaptação do livro Tieta do Agreste para a TV. Ele contou à Folha, na época da novela, ter recebido uma carta do escritor baiano que frisava a máxima "A adaptação de um romance só é válida se for uma recriação".
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A novela mudou características de personagens, deu destaque maior a alguns e criou outros. Novas tramas paralelas também foram acrescentadas. E Tieta ganhou um final feliz, diferentemente do que ocorre no livro. E o autor da trama chegou a comentar:
“Jorge vai me desculpar, mas essa licença eu vou tomar. Até porque ele é talentoso demais para sentir ciúmes do meu final.”
Aguinaldo Silva em entrevista à Folha de S.Paulo em 1989
Vários outros livros de Jorge Amado ganharam a TV em formato de novelas e séries. Entre os mais lembrados, estão Gabriela, Cravo e Canela, que virou novela em 1975, com Sonia Braga, e em 2012, com Juliana Paes. Já Dona Flor e Seus Dois Maridos deu origem a um filme de grande sucesso em 1976 e à minissérie da Globo em 1998.