Claudia Raia: "O que Tarsila sofria, nós mulheres ainda sofremos hoje"
Musical sobre a pintora modernista aborda etarismo e machismo; atriz exalta leis de incentivo e sucesso da peça no atual contexto do país
Publicado em 22/03/2024 às 05:00,
atualizado em 22/03/2024 às 07:03
Claudia Raia está prestes a completar dois meses em cartaz em São Paulo (SP) com o musical Tarsila, a Brasileira, em que interpreta Tarsila do Amaral (1886-1973). A trajetória da pintora modernista permite à peça falar sobre temas bastante atuais, entre eles etarismo e machismo, como a atriz destaca nesta entrevista exclusiva ao NaTelinha.
Tarsila, a Brasileira resgata a história e o legado da personagem principal para fazer ode aos nossos artistas. “Muitas pessoas me dizem que saem dali com orgulho de serem brasileiras. Isso é o maior presente que eu poderia receber, tanto como atriz quanto como produtora”, comenta Claudia Raia.
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Desde a estreia em 25 de janeiro, a montagem ganhou caráter político. Em entrevistas e ao final de cada sessão, a atriz, que também é produtora, tem reforçado um discurso: “É um espetáculo que não conseguiria se manter de pé sem a Lei de Incentivo à Cultura. São mais de 60 famílias beneficiadas diretamente pelo espetáculo”, diz. “Não temos nada a esconder.”
Claudia voltou aos palcos menos de um ano após dar à luz: Luca nasceu em 12 de fevereiro de 2023. O caçula é fruto do casamento com Jarbas Homem de Mello, que está na peça como o escritor Oswald de Andrade (1890-1954).
A atriz passou por um processo intenso de preparação corporal e vocal para encarnar a personagem real. “Nós somos completamente diferentes (risos). A postura dela é outra, a voz, o olhar... Então, eu tive que obrigar a Claudia Raia a sair de cena.”
Ela celebra salas lotadas de um musical 100% brasileiro, que aborda assuntos contemporâneos. “Para mim, o espetáculo fala de etarismo, mas ainda mais do machismo”, aponta a atriz. “O que Tarsila sofria lá atrás, nós ainda sofremos hoje, de muitas vezes não ser levada a sério, de ser julgada por sua idade, por ser mulher.”
Leia a íntegra da entrevista com Claudia Raia
NaTelinha: Tarsila, a Brasileira se tornou um espetáculo com forte caráter político, pelo próprio texto e pela repercussão alcançada desde a estreia. Quais reações têm chegado até você?
Claudia Raia: A repercussão está sendo maravilhosa e confesso que estou surpresa. Eu esperava que fosse ser boa, mas é muito mais do que eu imaginei. Há um interesse muito grande em falar sobre a peça, sobre Tarsila, sobre o modernismo, sobre a cultura brasileira. Muitas pessoas me dizem que saem dali com orgulho de serem brasileiras. Isso é o maior presente que eu poderia receber, tanto como atriz quanto como produtora.
NaTelinha: Ao final das sessões, você explica didaticamente a Lei Rouanet. O que motivou essa iniciativa?
Claudia Raia: Para mim, é algo muito natural. É um espetáculo que usa a Lei de Incentivo à Cultura. Mais do que isso: é um espetáculo que não conseguiria se manter de pé sem a Lei de Incentivo à Cultura. São mais de 60 famílias beneficiadas diretamente pelo espetáculo. Temos uma folha de pagamento grande, é um investimento alto produzir um musical desta magnitude.
“As pessoas precisam entender melhor do que se trata esse incentivo e de como esse patrocínio chega às obras. Quem quiser, pode consultar toda nossa prestação de contas no Portal da Transparência também. Não temos nada a esconder.”
NaTelinha: O Brasil de 2024 vive um contexto diferente daquele de poucos anos atrás. Acredita que o musical encontraria a mesma recepção durante o governo anterior?
Claudia Raia: Se ele fosse montado, por que não? A questão para mim é anterior: esse espetáculo conseguiria ser montado? Nós tentamos, mas esbarramos em algumas burocracias.
“Gosto de pensar que as coisas acontecem na hora que têm que ser. Tarsila, a Brasileira pertence a este ano, a este momento. Ver a recepção do público e da crítica me dá a certeza disso.”
Então, em vez de pensar no que teria sido, nos “e ses”, prefiro vibrar pela repercussão que temos agora. Vibrar por um espetáculo que enaltece a nossa arte e nossa cultura, demonstrando como somos ricos e plurais culturalmente falando.
NaTelinha: Vocês já estão há quase dois meses em cartaz. Qual balanço você faz da temporada até aqui?
Claudia Raia: A única palavra que tenho para definir é: incrível! Vejo o teatro lotado em todas as apresentações. Isso me dá a certeza de que estamos no caminho certo de retomada da nossa cultura!
NaTelinha: Ao adentrar a biografia de Tarsila do Amaral, o que te surpreendeu sobre a artista e sua trajetória?
Claudia Raia: O que mais me surpreendeu foi perceber que Tarsila foi um vulcão em contenção. Acho que a força dela vinha justamente daí. Ela foi uma mulher que tinha muitas questões, que pensava muito sobre a sua realidade, que tinha muito a dizer. Ao mesmo tempo, era uma mulher criada para não se posicionar tanto. O pai dela, seu Juca, sempre a incentivou a não se prender a essas convenções. Mas era difícil para ela.
“Acho que na pintura ela conseguiu explodir, extravasar. Por isso, até hoje, ela é uma figura tão misteriosa, tão atraente. O musical descortina isso, como era a Tarsila por trás do ícone que ela se tornou.”
NaTelinha: Tarsila é a primeira personagem real que você interpreta no teatro? Qual foi a principal preocupação nesse processo?
Claudia Raia: Eu confesso que fiquei muito tranquila no processo. Tivemos apoio total da família dela, que nos mostrou muitas coisas inéditas sobre Tarsila e nos deu liberdade para contar o lado B da história dela.
O que eu tive foi um trabalho grande de preparação corporal e vocal para achar a Tarsila em mim. Nós somos completamente diferentes (risos). A postura dela é outra, a voz, o olhar... Então, eu tive que obrigar a Claudia Raia a sair de cena (risos).
“Não foi fácil. Eu me tirava de cena, passava um tempo, já era eu de novo. Mas consegui chegar neste corpo, na voz, no olhar mais para baixo. Não tinha como ser diferente. A introspecção dela estava inclusive nessa postura, nos gestos.”
NaTelinha: O espetáculo enfoca a maturidade da mulher e os preconceitos relacionados à idade. Do que Tarsila viveu até os dias de hoje, o que se mantém e ainda precisa ser superado?
Claudia Raia: Para mim, o espetáculo fala de etarismo, mas ainda mais do machismo. Ela foi uma mulher que fez um sucesso imenso e ainda assim não era reconhecida em sua própria terra. O reconhecimento de Tarsila do Amaral no Brasil veio anos depois. Hoje temos a dimensão de quem ela foi e de como ela levou o nome do Brasil para os quatro cantos do mundo. Não é à toa que o quadro brasileiro mais caro da história é o Abaporu.
“O que Tarsila sofria lá atrás, nós ainda sofremos hoje, de muitas vezes não ser levada a sério, de ser julgada por sua idade, por ser mulher…”
A taxa de feminicídio no Brasil é altíssima. Quase não vemos mulheres maduras nas propagandas, nas capas de revistas... É algo que estamos vendo mudar aos poucos. Eu sou otimista e celebro cada passo dado, além de estar pronta para continuar caminhando, falando, chamando a atenção e fazendo a diferença também.
NaTelinha: Você estrelou vários musicais importados da Broadway. Neste, a brasilidade é exaltada. Há um gostinho especial por isso?
Claudia Raia: Na verdade, quando eu, como produtora, trago um espetáculo da Broadway (EUA) ou de West End (Inglaterra), não importo ele exatamente como ele é lá fora. Eu faço uma versão nossa, que eu ache que vai ter a ver com o público brasileiro. Chaplin, por exemplo, não foi um grande sucesso lá fora, mas foi aqui. E é um espetáculo bastante diferente. Tivemos cinco músicas originais... Então, sempre temos a pegada brasileira, mesmo seguindo a cartilha Broadway.
Para mim, Tarsila, a Brasileira é um marco por mostrar como nossa dramaturgia de musical está amadurecida. Como temos profissionais muito qualificados para fazer musicais 100% nacionais, para criar uma dramaturgia nossa. Na minha concepção, só assim era possível contar a história de Tarsila: fazendo algo completamente novo!
“Acho que a antropofagia nos une nesse lugar: nos alimentamos da Broadway, produzimos e encenamos muitos espetáculos que trouxemos lá de fora adaptando para o nosso jeito e agora podemos pegar tudo isso, deglutir e criar algo totalmente nosso! Ver isso acontecer é muito especial.”
NaTelinha: A montagem faz ode ao artista brasileiro. Com mais de 40 anos de carreira, há algum artista (ou alguns) com quem nunca trabalhou e ainda deseje trabalhar?
Claudia Raia: Eu tive o privilégio de trabalhar com praticamente todos os nossos grandes artistas, o que me deixa muito feliz. E quero continuar trabalhando muito. Eu adoro elencos novos, pessoas com quem nunca trabalhei e que sempre me trazem essa coisa nova: pessoas novas, novas relações. Muitas relações que eu conquistei na vida foram através da minha profissão. Grandes amigos, eu fiz. É sempre muito gostoso conhecer gente nova, trabalhar com pessoas que você nunca trabalhou. É muito legal!
NaTelinha: Depois da participação especial em Terra e Paixão, há algum projeto na TV em vista?
Claudia Raia: Por enquanto, meu compromisso é com Tarsila, a Brasileira. Estou sempre aberta a novos projetos, então, quem sabe em breve não teremos novidades?!
TARSILA, A BRASILEIRA
No Teatro Santander, em São Paulo (SP). Quintas e sextas-feiras, às 20h; sábados e domingos, às 16h e às 20h. A montagem tem texto e letras de Anna Toledo e José Possi Neto, que também assina a encenação e direção de arte, e direção musical de Guilherme Terra. Ingressos à venda no Sympla.
- Matt LeBlanc
- Oswaldo Louzada
- Victor Cugula
- Nego Di
- Evelyn Castro
- Mateus Solano
- Aoxi
- Gabriel Godoy
- Manoelita Lustosa
- Paulo Vilhena
- Eloisa Mafalda
- Marjorie Estiano
- Darlisson Dutra
- Milton Neves
- Mona Lisa Duperron
- R. R. Soares
- Adriana Araújo
- Mauro Mendonça Filho
- Sandra Annenberg
- Ludmila Dayer
- Arthur Picoli
- Everaldo Marques
- Anamara
- William Bonner
- Marcus Ornellas
- Carol Castro
- Marcelo Pereira
- Azzy
- Claude Troisgros
- Aisha Jambo
- Othon Bastos
- Guillermo Capetillo
- Vanessa Pascale
- Daniela Filomeno
- Bela Gil
- João Vitor Silva
- Nina Cachoeira
- Augusto Madeira
- Micheli Machado
- Branco Mello