Publicado em 12/06/2019 às 05:00:46
No Dia dos Namorados, o NaTelinha investigou um dos grandes mistérios da teledramaturgia e que se mantém aceso até mais que um "quem matou". O que é a 'química' que tanto se fala num casal de novela? Para obter a resposta para o tema que movimenta novelas desde "2-5499 Ocupado" até "A Força do Querer", passando por "Quatro por Quatro", a reportagem falou com profissionais de diferentes áreas.
Em conversa com a psicóloga Juliana Almeida, a busca foi por respostas que expliquem o significado dessa química. A profissional que trabalha com terapia de casais justificou que é apenas uma extensão da vida. Para ela, a química não é algo necessariamente visual.
"Não se trata de sexo ou de pegada. Tem a ver com o encaixe da relação. Se as duas pessoas combinam e se completam. É assim na vida", afirmou, lembrando que, no mundo real, uma das frases prediletas de colegas quando alguém anuncia um namoro é "ele (ou ela) não combina com você".
"Na dramaturgia isso acontece ainda mais porque o ser humano estende para os casais as frustrações da própria vida. Ele busca na arte o que não vê no mundo real, um amor perfeito", definiu. E por perfeito, Juliana deixa claro que não se trata de um amor sem problemas. "Me refiro ao sentido mais amplo, em que os problemas apenas os unem mais. Sabe aqueles casais que brigam e mesmo assim a gente torce pra fazerem as pazes? Quanto mais fogo na relação, mais há torcida".
Quem é expert neste tipo de casal é Carlos Lombardi. O experiente novelista é responsável por um dos casais mais icônicos da dramaturgia brasileira. Boa parte dos telespectadores com mais de 35 anos se lembra de Babalú (Letícia Spiller) e Raí (Marcelo Novaes). O casal ganhou fã-clube e tomou conta da novela "Quatro por Quatro" (1994), mas boa parte preferia as brigas ao período de paz.
E o dramaturgo concorda que conhece bem a composição de casais de uma novela. "A química não vem da ficção, vem dos atores. Não há ciência que preveja essa química – senão ninguém errava nunca um casal numa novela. A química não se cria, ela acontece. Ela pode ter uma dose de parceria, outra de sensualidade, várias de empatia. Mas ninguém sabe fabricá-la. Ela acontece. Claro que os atores tem que querer que o relacionamento funcione, se empenhem nele, mas só isso não é garantia. As vezes ela pode ser detectada num teste de elenco mas nem sempre. De certa maneira, é magia”, explicou Lombardi ao NaTelinha.
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A doutora Juliana concorda. Para ela, a química é uma magia, um brilho no olhar. "Quando há química, tudo parece que vai dar errado, mas acaba dando certo. Não importa o quanto as pessoas ou mesmo o casal tente se distanciar, o mundo conspira para que fiquem juntos", determinou.
Lombardi se lembra que é um novelista responsável por diversos casais inesquecíveis. "Sei que, modéstia a parte, sou um bom criador de casais. Raí e Babalú (‘Quatro por Quatro’), Baldochi (Humberto Martins) e Maria João (Viviane Pasmanter) em ‘Uga-Uga’, Esteban (Marcos Pasquim) e Dona Lola (Adriana Esteves) em ’Kubanacan’, Luca (Mário Gomes) e Silvana (Lucélia Santos) em ‘Vereda Tropical’, Guerra (Marcos Pasquim) e Bárbara (Daniella Winitz em ‘Guerra e Paz’, Carlão (Fernando Pavão) e Patrícia (Simone Spoladore) em ‘Pecado Mortal’ deram certo. Ok, eram interessantes e bem estruturados. Mas também tive sorte – porque eram casais com química”, relembrou, citando boa parte dos protagonistas de suas tramas.
Para a psicóloga, o fundamental na química de uma relação na dramaturgia não é necessariamente a cumplicidade do casal, mas a capacidade de vender uma cumplicidade da relação com o público. "É diferente, não se trata dos dois acreditarem na relação, mas trata-se do telespectador se sentir parte daquela relação, quando isso acontece, é impossível não torcer".
E ela relembra que a química não é necessariamente por pessoas de bem. Juliana aponta o casal Olavo (Wagner Moura) e Bebel (Camila Pitanga), em "Paraíso Tropical" (2007) em que os vilões ganharam até torcida organizada. A reportagem a fez lembrar de um caso recente em que a médica acabou concordando: Bibi Perigosa (Juliana Paes) e Rubinho (Emílio Dantas).
"Embora eles não tenham ficado juntos porque o vilão acabou punido, o amor dos dois foi uma simbiose que raramente se vê na TV ou mesmo na vida", salientou.
E é assim desde sempre. Quem estuda dramaturgia deve se lembrar de "2-5499 Ocupado" (1963), trama em que a presidiária Emily (Glória Menezes) vive uma intensa paixão apenas ao ouvir a voz de Larry (Tarcísio Meira) pelo telefone. O furor da paixão do casal foi tanta que a TV Excelsior recebeu até cartas para eles ficarem juntos.
Assim como em "Malhação", em que um dos elementos fundamentais para a alta audiência da atual temporada é justamente a formação de casais, ter uma história de amor para torcer virou rotina nas telenovelas brasileiras e com o advento das redes sociais, isso só aumentou.
Os chamados "shipps" ganharam espaço tão grande nas novelas que, em alguns casos, chegam a passar do ponto. Foi o caso de "Salve Jorge" (2012). A autora Glória Perez sofreu forte perseguição nas redes sociais e até ameaças para que deixasse o casal vivido pela delegada Helô (Giovanna Antonelli) e o advogado Stênio (Alexandre Nero) junto.
Briga também aconteceu durante "Sangue Bom" (2013). Parte dos internautas torcia com veemência para que Bento (Marcos Pigossi) ficasse com Amora (Sophie Charlotte) e outra preferia o mocinho ao lado de Malu (Fernanda Vasconcellos). Até o último capítulo muitas brigas foram registradas no Twitter em defesa dos casais e até a dupla de autores se dividia. Vincent Villari e Maria Adelaide Amaral disseram, à época, em mais de uma ocasião terem preferências diversas. Enquanto ela queria Bento com Malu, o autor defendia Amora.
Independente da química ser a visão sensual do casal, ou a questão de cumplicidade do público. Ainda que a tal palavra não passe de uma torcida para um amor avassalador em que o telespectador deposita a torcida para algo que nunca viverá, mas inveja. A química tende a permanecer na dramaturgia enquanto houver casais, ou Dia dos Namorados.
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