Publicado em 28/06/2020 às 09:21:25
Ellen Oléria venceu a primeira edição do The Voice Brasil e ganhou o coração do público por conta de seu carisma e voz inconfundível. Agora, oito anos depois, ela segue na carreira, já virou apresentadora e é um dos grandes destaques quando o assunto é a defesa dos direitos das minorias, inclusive LGBT+:"O governo federal é declaradamente racista"
Em entrevista exclusiva ao NaTelinha, a cantora fala sobre ter vencido o The Voice Brasil, mesmo levando sua parceira na época para o Brasil todo conhecer. "Nunca vi como um problema ou um obstáculo a minha autodeclaração. ser uma mulher lésbica é um direito inalienável", garantiu a cantora que aproveitou para ensinar. "É importante a gente lembrar que mesmo que as estruturas institucionais sejam fundamentalmente lesbofóbicas nós permanecemos em movimento e avançamos muito em matéria de direitos humanos. o imaginário da nossa comunidade ainda é limitado em relação às nossas diversidades. mas ser lésbica não será um processo desgastante pra mim. será sempre possibilidades, rumos poéticos, prazer e liberdade".
Muito ativa nas redes sociais, a cantora não se afugentou de falar sobre a importância das esferas governamentais em defesa das minorias. "Sempre foi papel de nós, artistas, falar sobre nosso tempo. em favor do nosso tempo e contra nosso tempo. "Não há políticas públicas federais pra combater racismo, lgbtfobia nem políticas federais para dar qualquer suporte a artistas", inicia.
A partir daí, a cantora se posicionou duramente contra o governo. "O governo federal é declaradamente racista. "Inclusive nega através de seus agentes e representantes o processo de escravização que tivemos nesse país. "E o estado brasileiro tem em seu maior representante as maiores atrocidades lgbtfóbicas e misóginas expressas em suas declarações. "É declarado o ódio ou apagamento de toda e todo artista que se pronunciar contra alguma de suas ações", garante.
E Ellen foi além em seu discurso contra a gestão atual. "Políticas públicas estão sendo anunciadas pelo governo federal pra afrouxar as leis ambientais e ampliar a exploração de impacto na floresta amazônica e pra aumentar a utilização de agrotóxicos. Políticas públicas foram anunciadas pelo governo federal pra incentivar a atuação de milícias ligadas ao crime com proteção para agentes envolvidos em esquemas de extermínio. Políticas públicas o estado garante para instituições bancárias, para as quais já foram anunciados investimentos que chegam a R$ 1,2 trilhão de reais. Trilhão. Faz essa conta! O atual governo federal já tem muito definida a sua legenda. E ela nao inclui políticas publicas que zelem pela vida e dignidade de artistas, pessoas negras e LGBTQIA+", se choca.
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"Não acredito em um padrão nem em perfeição. Eu já declarei inclusive que, sendo única em minhas formas, compreensão de mundo e conexão com o meio, eu sou meu próprio padrão. As elites da terra onde nasci jamais poderiam ser referência pra mim. Não acredito em perfeição, acredito em diferenças e relações de poder. Acredito em domínio de recursos e poderes midiáticos, sistemas de reprodutibilidade e pensamento colonial", crava.
A cantora também lembra que não concorda com o uso do termo perfeição neste cenário. "Jamais falaria em “perfeição” pra me referir a poderes hegemônicos. Eles estão muito, mas muito longe de perfeição", insistiu para em seguida corrigir a falsa afirmação da sensação de pobreza. "Nunca me referi a mim mesma como pobre. porque, mesmo crescendo sem muitos recursos capitais entendo a riqueza como um conceito complexo, além de um cifrão e acúmulo de posses e dinheiro. A riqueza humana em que sempre estive inserida é imensa é incalculável. Fui alfabetizada aos três anos de idade por minha mãe, que não fez magistério mas intuiu os caminhos pra me conduzir nos processos, isso é riqueza. Sempre tive acesso a curas vindas da mata, minha mãe tem um alto conhecimento de plantas e seus usos medicinais, isso é riqueza. Cresci rodeada de música e ritmos brasileiros, ouvindo soar a sanfona do meu pai, isso é riqueza. Aprendi a compartilhar o que tenho. Dividir é mesmo multiplicar, isso é riqueza. Aprendi a finitude das coisas e da vida, isso é riqueza. Sei que a risada e a música que se ouvia na minha casa levavam alegria pra toda nossa rua. E isso é riqueza", ensina.
Sobre como lidar com o próprio corpo, Oléria mostrou que é bem resolvida e foi além, fez questão de mostrar que está muito saudável e que o corpo faz parte de sua trajetória. "Sou gorda e corro, pedalo, nado. Sou gorda e fui inúmeras vezes modelo fotográfica. Desfilei meu corpo gordo na passarela da SPFW. Meus exames são de fazer inveja. Sou um corpo gordo altamente flexível. Sou saudável e as proporções do meu corpo são eficientes e, em minha opinião, são lindas proporções, e não discutirei o gosto de quem discordar de mim nesse ponto. Cada um pode conduzir e atualizar seu gosto como achar que deve. Sinto muito pros contrários, sou linda demais! rs", elogia.
Ela prosseguiu também falando sobre a orientação sexual e sua raça. "Minha lesbianidade e principalmente minha negritude são elementares para minha constituição enquanto ser humano. Ser lésbica é compreender o poder que existe na união de duas mulheres. Somos uma potência de afeto e revolução de amor num mundo destruído pelo poder bélico dos homens. E nós seguimos nos amando. "Ser negra é comprovar o poderio da minha linhagem que sobreviveu e sobrevive a um dos maiores genocídios da história da humanidade, e seguimos sendo o fundamento da festa e da celebração à vida em toda a afrodiáspora. Somos o blues e o jazz, o samba e os afoxés, a salsa e o mambo. perfeição? riqueza? Lesbianidade e negritude são associações imediatas. Fato".
Ellen aproveitou a entrevista para falar a respeito da hegemonia que controla o Brasil. "Agora é fato que os poderes hegemônicos seguem o fluxo do antigo projeto de nação brasileira: classista, misógino e fundamentalmente racista. O que acontece é que fui eleita a voz do Brasil pelo povo que se deixa atravessar pela música que me atravessa e isso não pode ser comprado ou controlado e não desaparecerá. Se não for eu, será outra como eu! Somos muitas e estamos em todos os lugares. Há séculos tentam nos destruir mas seguimos brilhantes como mil sóis", conta.
Num momento em que muitos artistas são cancelados nas redes sociais por declarações muitas vezes má interpretadas, Oléria não mostrou perder o sono por conta disso e garantiu tentar ser natural. "Sou quem sou. Isso está presente no meu cotidiano e faz parte das minhas políticas cotidianas. Falar sobre isso é meu dia-a-dia. Não uma escolha é uma necessidade", explica ela.
Ela também explica que gosta de ser porta voz. "Gostar de ter responsabilidade de falar por categorias desprestigiadas em matéria de direito e acesso não é bom. "Não é gostoso. Bom mesmo seria se todo mundo pudesse acessar direitos e recursos independentemente de seus pertencimentos e identidades. Cantar festa ao invés de morte. Infelizmente precisamos de movimentos LGBTQIA+ e precisamos de movimentos negros. Eles so existem porque o estado não consegue nos assistir a todos e todas de maneira igualitária. "Então nos movimentamos coletivamente e pressionamos os poderes pra garantir direito pra todas nós, mostra.
E Oléria garante que não tem medo de ofender por conta de quem ela é. "Sobre não ofender a comunidade é mais difícil. "Ser quem sou ja ofende muitos. Tem gente que nao gosta de mim sem mesmo me conhecer simplesmente porque não. Me acha muito isso ou pouco aquilo. Meu movimento é pensar num tratamento educado pra me dirigir à todas e todos, entendendo que não sei de tudo e que sempre posso aprender algo novo numa troca",garante.
Ao falar de músicas, Ellen mostra que ela é importante no combate a homofobia. "Quando uma mulher canta seu amor por outra ou quando ouvimos de corpos negros se amando, criamos na poesia cantada um lugar simbólico potente capaz de reinventar o imaginário colonial. "E territorializamos a consciência. Humanizamos o que já foi desumanizado na nossa história", conta.
Ela foi apresentadora do programa Estação Plural, que foi ao ar pela TV Brasil e confessa que gostou muito da carreira, que é diferente do que sempre fez na vida. "A experiência de chegar ao público como apresentadora foi muito interessante", revela e questionada se aceitaria trabalhar como apresentadora novamente, ela é taxativa. "Sim, seria maravilhoso poder fazer de novo!", finaliza.
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