Edvana Carvalho opina sobre remake de Vale Tudo: "Problema é não mudar a sociedade"
Atriz elogia a representatividade na novela e cita o casal Eunice e Bartolomeu como exemplo para as famílias de hoje
Publicado em 22/07/2025 às 04:44,
atualizado em 22/07/2025 às 07:04
Vale Tudo não é o primeiro remake da carreira de Edvana Carvalho. Aliás, foi graças a Inácia de Renascer (2024) que a atriz recebeu o convite para interpretar a Eunice na releitura de Manuela Dias.
Diferente da versão de 1988, a personagem de 2025 é mais do que uma simples dona de casa. Ela trabalha costurando para a Tomorrow Lab, criando peças que serão usadas nas campanhas da agência de conteúdo digital.

Esta não é a única mudança no remake. Não à toa, antes de sua estreia a novela já era pauta na web, entre amigos ou na mesa de bar. Para a atriz, a internet, o consumo do produto [novela] por brasileiros desde muito cedo e a memória afetiva são fatores que contribuem para essas discussões.
"Qualquer obra artística precisa representar o seu tempo. São 30 anos de diferença. Se a gente não tivesse mudado nada, seria um problema. Não é um problema mudar o remake, o problema é não mudar a sociedade", disse em conversa exclusiva com o NaTelinha.
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NaTelinha: Desde que foi anunciada, Vale Tudo vem sofrendo com as críticas. Pra você, por que as pessoas torcem o nariz para remakes?
Edvana Carvalho: As pessoas gostam de ter na memória "aquela novela", e quando você propõe um remake elas acham que vai ferir essa memória afetiva. E como [novela] é muito da cultura do brasileiro... Qualquer brasileiro que assiste novela desde criança é expert em novela e tem todo o direito de criticar, de gostar ou não. Eu acho que essa interação que a Internet e as redes sociais trouxeram para as novelas faz parte do processo. As pessoas vão querer dar opinião sempre. Na sua vida pessoal elas já dão, que dirá em novela. [risos]
NaTelinha: Quando recebeu o convite para o papel da Eunice bateu aquele medinho ou você não pensou duas vezes antes de aceitar?
Edvana Carvalho: Fiquei muito feliz pelo reconhecimento de um trabalho que eu fiz anteriormente em Renascer, como a Inácia. Foi em função disso que a Globo me convidou para esse outro trabalho tão significante logo em seguida. Não apenas por Renascer, mas pela trajetória dentro da casa (Pega Pega, Malhação)... São frutos colhidos. Fiquei muito feliz também porque [Vale Tudo] é uma novela que foi marcante para a minha vida de noveleira, pela oportunidade de trabalhar com novos colegas e mais feliz ainda por representar uma mulher 50+ na novela.

NaTelinha: A Eunice de 1988 era uma dona de casa, mãezona e do lar. Agora, ela continua uma mãezona e do lar, mas também é uma mulher independente, que trabalha e ganha o seu próprio dinheiro. Qual a importância dessa mudança no perfil da personagem?
Edvana Carvalho: Bom, a importância da mudança desse perfil de dona de casa para uma mulher que empreende é a mudança da sociedade. Mais oportunidades para mulheres trabalharem fora de casa ou dentro de casa, poder tomar empréstimo, poder empreender, demonstrar o seu talento, ser independente do dinheiro do marido. Acho que são independências que a humanidade segue avançando. Eu gostaria demais de ver, realmente, a Eunice modelando nas passarelas, não só do Brasil, mas do mundo todo! Desfilando, mostrando que uma pessoa que chega aos 50 anos ainda está no auge de sua vida, de suas faculdades mentais, de seus desejos. Gostaria de ver a vida dela mais movimentada do que só dentro de casa. Os problemas do marido, da filha são importantes, mas ela precisa ter seus próprios problemas, seus amigos próprios e uma carreira só dela.
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NaTelinha: Em 1988 só haviam dois atores negros na novela, uma doméstica e um morador de comunidade que quase se perde por falta de oportunidades na vida. Agora, temos uma secretária executiva e uma estudante de direito, a protagonista se torna dona de restaurante. Como você vê essa evolução na dramaturgia?
Edvana Carvalho: Essa evolução de pessoas diversas na novela, neste caso de pessoas pretas, é uma evolução buscada desde muito tempo. Vem da luta de todos os africanos que se rebelaram contra a escravidão e, depois, com todos os movimentos negros unificados, os movimentos sociais do país, as pessoas não pretas e antirracistas, todos que entraram na luta. Acho que esse é o resultado e o reflexo de uma luta de muitas pessoas que passaram por dificuldades para que, agora, a gente tenha uma protagonista negra e tenha outras pessoas negras fazendo qualquer tipo de personagem. Nós somos atores independente da cor da pele da gente e podemos fazer qualquer tipo de personagem. Então, acho que esse é um ganho da nossa sociedade, que está evoluindo. Queremos mais indígenas nas novelas, mais pessoas diversas porque o Brasil é feito de pessoas diversas. É necessário e a gente, agora, precisa igualar os salários.

NaTelinha: O Bartolomeu conseguiu um emprego na Tomorrow que exigiu do jornalista uma reciclagem para se adaptar ao mercado de trabalho hoje. Qual a importância da Eunice nesse momento da vida do companheiro? Você acha que a idade pesa ou a maturidade só ajuda?
Edvana Carvalho: Eu acho muito bonito o casal Eunice e Bartolomeu [Luis Melo], porque são duas pessoas que se amam e que se apoiam incondicionalmente. Bartolomeu é um homem que divide as tarefas domésticas com a mulher, cozinha e é prestativo. Acho um casal e uma família "do amor". Penso que precisamos desse tipo de representatividade. De famílias que se amam, que se ajudam, de pessoas que se curtem, que torcem uma pela outra. A gente precisa desses exemplos. Por isso, é uma família importantíssima para a história. Eu acho que a maturidade só traz coisas boas porque a gente começa a entender o que é necessário e o que é desnecessário e que vamos tirando da frente. O problema não é a maturidade e sim a imaturidade da nossa sociedade, que é etarista, machista, sexista, homofóbica, racista. Então, essa imaturidade dessa sociedade é que faz a maturidade ser uma coisa ruim, ser vista como ruim, mas não é. Todo mundo, na verdade, vai ao médico, faz exame, toma remédio, porque quer o quê? Quer estar vivo.
As pessoas precisam entender que remake não é simplesmente uma cópia da obra com novos atores em cena. Tanto a novela quanto qualquer obra artística precisa representar o seu tempo. É claro que temos mudanças. São 30 anos de diferença. Se a gente não tivesse mudado nada, seria um problema. Não é um problema mudar o remake, o problema é não mudar a sociedade, viu, gente? Um cheiro!
Edvana Carvalho
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