Atriz que faz Gláucia em "Bom Sucesso": Ser negra e lésbica é ousado para o horário nobre

No ar em "Bom Sucesso" como Gláucia, uma negra bem sucedida e homossexual, Shirley Cruz aponta que a Globo e os autores Rosane Svartman e Paulo Halm foram ousados com o papel.

"Penso que as pessoas vão estranhar mais uma negra retinta bem sucedida, do que o fato dela ser lésbica. As duas coisas juntas eu realmente acho que para o horário nobre, ainda são ousadas, mas já estava na hora", diz a atriz em entrevista exclusiva ao NaTelinha.

Para ela, a personagem da trama representa o verdadeiro papel da televisão: "A dramaturgia sempre foi uma importante aliada para discutir os assuntos mais importantes e delicados da sociedade." Ainda assim, ela espera que o público a receba bem, com "empatia, afeto e, sobretudo normalidade, como tem que ser na vida".

Shirley vive Gláucia, uma executiva que trabalha na editora Prado Monteiro, editora de Alberto (Antônio Fagundes) e um dos cenários de "Bom Sucesso".

Segundo a atriz, Gláucia será uma executiva de sucesso. Para vivê-la, Shirley diz que se inspirou em diversas mulheres, inclusive em Marielle Franco: "De cada uma delas eu tenho trazido algo que vejo na prática que soma para a construção da personagem. Em uma recente entrevista eu disse que da Marielle eu tento trazer a força e a coragem."

Shirley ainda afirmou que quer colaborar com os ativistas: "Eu não estou envolvida em nenhum projeto, mas adoraria. Por enquanto me concentro em fazer a Gláucia da melhor maneira possível e a mais respeitosa, afinal são milhões de pessoas vendo uma mulher elegante, inteligente, bem humorada e bem sucedida. Ela parece reunir todos os ingredientes para gerar a tal empatia que está escassa entre nós. O artista por si só é um ser ativista ou deveria ser. A arte tem que estar a serviço para ajudar a mudar as coisas que não estão certas."

A intérprete de Gláucia ainda relatou ao NaTelinha sobre preconceito. A atriz vive em um relacionamento com um homem loiro de olhos azuis e já sofreu com olhares: "Aquele olhar de estranhamento, que julga, que não entende, mas que não nos incomoda mais porque o amor e a admiração sempre se sobrepôs. Já são anos de um relacionamento tão gostoso, que a nossa energia positiva já não permite mais que outras pessoas venham depositar seu ódio ou o seu recalque."

Shirley ao lado do namorado: a atriz confessou que já viu olhares racistas

Shirley mostrou-se ainda uma atriz bem otimista, que sabe o que quer e acredita em seu potencial: "Isso vem de uma criação de muito amor e de muita firmeza por parte dos meus pais, que sempre me olharam nos olhos e nunca me deixaram esquecer que eu nasci pra vencer. Meu otimismo é irritante [risos]".

A atriz ainda relembrou o caso de um jovem que foi sufocado em um supermercado. Para ela, aquele acontecimento representou muito, e ela chegou a publicar isso em suas redes sociais e explicou a razão: "se nos derem oportunidades e não nos deixarem jogados ou mortos pelo meio do caminho, nós chegaremos. A legenda foi em comemoração a chegada da Maju Coutinho a bancada do Jornal Nacional.  Eu lembro o que eu sentia quando via a Glória Maria, Zezé Motta e Ruth de Souza na TV, era inexplicável... Porque era a certeza que eu poderia chegar também".

Com sua primeira novela, a atriz tem sonhos: "Quero continuar construindo uma carreira interessante e relevante ao ponto de incentivar outros profissionais, principalmente negros. Agora quero protagonizar. Quero também o Emmy Awards, a Palma de ouro em Cannes e o Oscar."

Para definir-se, Shirley relembrou sua luta, mas resumiu: "Eu tenho muito tesão na vida, nas pessoas, na minha família e no meu trabalho. Por isso que eu insisti, mesmo diante de tantas dificuldades. Shirley Cruz é aquela que tem tesão [risos]".