Entrevista exclusiva

Irene Ravache: "Escalar atores pelo número de seguidores é um tiro no pé"

Aos 80 anos, atriz explica motivo de recusar convites para TV e aponta falta de bons papéis para veteranos


Irene Ravache
"A televisão demora um pouco para entender determinados mecanismos que o público já entendeu faz tempo", diz Irene Ravache - Foto: Divulgação
Por Walter Felix

Publicado em 16/09/2024 às 06:00,
atualizado em 16/09/2024 às 11:12

Longe da TV, Irene Ravache está em cartaz com um drama no teatro e participa da comédia Passagrana, que estreia nesta semana nos cinemas. Em entrevista exclusiva ao NaTelinha, a atriz fala do atual momento da carreira, explica o motivo de recusar convites para a televisão e aponta falhas do mercado, como a falta de bons papéis para os veteranos.

A presença de influenciadores em novelas desponta entre os assuntos mais polêmicos nesse meio. “A televisão demora um pouco para entender determinados mecanismos que o público já entendeu faz tempo. Às vezes, a TV acredita em algumas frases, em alguns pensamentos e demora a compreender que aquilo não funciona”, opina Irene Ravache.

+ Alice Wegmann revela mudança graças a Rensga Hits: "Aprendi a gostar mais de mim"

A atriz defende: “Escalar uma pessoa porque ela tem seguidores e dar a ela um papel importante é um tiro no pé. Já se provou que não dá certo. Então por que a televisão continua insistindo nisso? Certamente é por algum interesse que não seja artístico. Não é o interesse de oferecer ao telespectador algo de qualidade”.

Ela pondera que esse não é um problema dos atores, mas de quem escala. O movimento já tem se estendido a filmes e peças. “O seguidor lá do Instagram, que bota o dedinho e o coraçãozinho, em sua grande maioria não vai ao teatro, não”, percebe a atriz. Ela está atualmente em cartaz no Rio de Janeiro com o espetáculo Alma Despejada, que celebra seus 80 anos de vida e 60 de carreira.

“Aparecem convites, mas nem sempre me interessam”

Irene Ravache em Espelho da Vida
Último papel fixo de Irene Ravache em novelas foi há cinco anos - Foto: Globo/Divulgação

O último papel fixo em novelas foi em Espelho da Vida, entre 2018 e 2019. Ela também fez uma participação especial em Éramos Seis, em 2020, contracenando com a Dona Lola (Gloria Pires), personagem que encarnou na versão da novela em 1994, exibida pelo SBT. Também atuou em um episódio da série Sob Pressão, em 2022. O contrato fixo com a Globo terminou no ano passado.

“Não tenho assistido a novelas, porque não tenho esse hábito, até com coisas minhas. Aparecem convites, mas nem sempre me interessam. Quando faço teatro, não gosto de fazer televisão junto. Posso até fazer um filme, porque são menos dias [de gravação]. E o que apareceu nesses tempos não me interessou de pronto.”

Irene Ravache

Irene endossa o coro dos colegas que denunciam a falta de espaço para atores mais velhos. “Talvez seja uma exigência do mercado”, acredita. “Tem tanta coisa para falar sobre pessoas de 60, 70, 80 e 90 anos, e tem tanta coisa para mostrar sobre como é a vida delas.”

As representações costumam obedecer estereótipos. “Querem mostrar velhos modernos, que vão à academia e se cuidam muito, mas nem todos desejam ser uma cópia do que eles foram quando mais jovens. Também não corresponde à verdade, pelo menos à minha verdade, com os velhos e velhas com quem eu convivo, que eles sejam aqueles tios preconceituosos. Pode ser que a sua tia seja assim, mas 'as tias', não (risos).”

“As tias são muito sambadas! Às vezes, elas dão rolê nas mães em termos de preconceito. Porque a finitude está muito perto, e o preconceito é uma bobagem, então ‘deixa pra lá, vá viver a sua vida’. Tem muita gente mais velha com uma vida cultural e intelectual pulsante, mas isso não é explorado.”

Irene Ravache

“A classe artística sempre é atacada”

Irene Ravache em Passagrana
Irene Ravache em Passagrana, filme que estreia nos cinemas na quinta-feira (19) - Foto: Divulgação

Em Passagrana, mistura de comédia e ação que estreia nesta quinta-feira (19) nos cinemas, Irene Ravache interpreta uma personagem incomum: Ingrid, uma atriz que acaba envolvida, sem perceber, em um assalto a banco. Para ela, assim como os demais artistas selecionados para o crime, tudo não passa de uma encenação. O filme é realizado pela Intro Pictures e tem coprodução da Star Original Productions.

A criatividade do roteiro de Ravel Cabral, que também dirige o longa, fez a atriz aceitar a participação. “Fiquei sabendo que demoraram muito para me fazer esse convite, porque acharam que o papel era muito pequeno e que provavelmente eu não iria aceitar. Realmente, o papel é pequeno, mas achei o roteiro muito divertido, achei abusado.”

“Foi uma coisa diferente para mim. É um filme irreverente, tão brasileiro! O roteiro começa com quatro camelôs. Pensei: ‘Quer coisa mais brasileira que isso?’. A realidade de um Brasil duro, que não oferece perspectivas.”

Irene Ravache

Os protagonistas Zoinhu (Wesley Guimarães), Linguinha (Juan Queiroz), Mãodelo (Elzio Vieira) e Alãodelom (Wenry Bueno) levam a vida com pequenos golpes e fugas constantes da polícia. No plano mais ambicioso, deparam-se com um miliciano (Caco Ciocler) e contam com a ajuda de um grupo de atores para realizar a nova empreitada.

Com uma divertida metalinguagem, Passagrana brinca com o universo dos artistas, tão atacados nos últimos anos, especialmente por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. “A classe artística sempre é atacada”, diz Irene, que vê uma melhora recente no cenário. “Tivemos esse período medonho. Hoje, não somos perseguidos daquela forma, mas ainda há casos particulares.”

“O ator mais jovem não tem muita curiosidade de ver o trabalho de um ator mais velho”

No novo filme, Irene Ravache é uma veterana em um elenco de novos talentos. “Não tenho problema em trabalhar com atores mais jovens. Não podemos rotular, dizer que, porque é jovem, o ator não vem preparado para a cena. Isso é uma escolha individual. Se escolho ir para um set não preparado, isso não está ligado à minha juventude, mas ao meu profissionalismo. Até porque também acontece com atores mais velhos.”

Há, por outro lado, alguns contrastes entre as gerações. “Essas diferenças me interessam muito, porque o meu jeito [de trabalhar] eu já conheço. Então, é desafiador. As primeiras vezes em que vi atores consultando o texto no seu celular, falei: ‘Como é que ele consegue isso?’. Porque eu tenho necessidade de pegar o papel, fui habituada a isso.”

“Muitos deles não têm curiosidade e necessidade de lerem a novela inteira, leem apenas o que vão fazer. Alguns se saem muito bem assim, outros não. Isso depende do talento e do empenho pessoal. Muitos aparentam ser desencanados, mas depois de 15 minutos de conversa, você vê que são bem ansiosos”, diz Irene, que também observa:

“Sinto ao constatar que o ator mais jovem não tem muita curiosidade de ver o trabalho de um ator mais velho. Isso era uma coisa básica na minha geração. Nós íamos ver os trabalhos, primeiro porque nós íamos ao teatro, muito! Ninguém mandava, nós íamos, era uma curiosidade. Não vejo isso hoje, e às vezes me pergunto por quê.”

Irene Ravache

Assista ao trailer do filme Passagrana:

Imagem da thumbnail do vídeo

Mais Notícias
Outros Famosos

Enviar notícia por e-mail


Compartilhe com um amigo


Reportar erro


Descreva o problema encontrado