Sem TV, Mundo Bita constrói império infantil na internet e prepara carreira internacional
Em entrevista exclusiva ao NaTelinha, criador de franquia revela série e vídeos em inglês
Publicado em 29/10/2020 às 04:47
Você certamente não passou ileso por uma música do Mundo Bita. Hit nas festas infantis e no YouTube, onde ultrapassou 7 bilhões de acessos, a franquia se firmou como uma das atrações favoritas das crianças, sem precisar estar na TV para fazer sucesso. Há quase dez anos na internet, a produção construiu um verdadeiro império, com mais de 1,8 milhão de produtos vendidos e parcerias com alguns dos principais artistas do Brasil.
Desde o surgimento de Mundo Bita, seu criador evitou aparecer, por pura vergonha. Desta vez, ele decidiu mostrar seu rosto para o público e tem recebido respostas surpreendentes do público. "Sempre tive esse medo. Não gosto muito de aparecer, sou tímido. Fizemos uma live e, para minha surpresa e alegria, fomos muito bem recebidos. As famílias curtiram muito", comemora Chaps Melo, 41 anos, cantor das músicas da franquia.
Ao lado de outros três sócios, o artista pernambucano transformou um aplicativo de livros digitais em uma das produções mais bem-sucedidas do mercado infantil e se prepara para conquistar o mundo. Após adaptar as canções para o espanhol, Mundo Bita ganhará pela primeira vez conteúdo em inglês e uma série animada, com 26 episódios.
Em entrevista exclusiva ao NaTelinha, Chaps Melo fala sobre o processo de criação de clipes como Fazendinha (616 milhões de visualizações), o sucesso de parcerias com Milton Nascimento, Alceu Valença, Lulu Santos e Ivete Sangalo, e o conteúdo infantil produzido atualmente na internet e na TV.
Leia abaixo a entrevista com Chaps Melo, criador do Mundo Bita:
Chaps Melo, criador do Mundo Bita, durante live - Foto: Reprodução
NaTelinha: Mundo Bita tem números impressionantes. São 7 bilhões de visualizações, mais de 5,2 milhões de inscritos, 1,8 milhão de produtos vendidos. Você se assusta com o sucesso da produção?
Chaps Melo: Assusta um pouco, porque eu, particularmente, não sabia aonde iria chegar. Mundo Bita nasceu sem pretensão de estar no lugar onde está hoje, pelo menos na forma como nasceu. Éramos muito pequenininhos, fazíamos para os nossos próprios filhos. Assusta também porque traz o sentimento de responsabilidade. Gostamos de falar de assuntos positivos, coisas boas e importantes, como respeito e educação. Quanto mais famílias e crianças conseguimos atingir com a nossa obra, mais me lembro daquela frase do Homem-Aranha: 'Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades'. Estes números traduzem um pouco a nossa responsabilidade de fazer um conteúdo cada dia mais construtivo.
Quando vocês começaram, talvez nem tenham pensado na parte educacional. Como hoje se sentem responsáveis pela educação, há uma preocupação maior com a questão pedagógica?
Entre os sócios, não há ninguém oriundo da educação. Sou filho de uma professora de piano, mas nunca trabalhei com educação. Quando abordamos temas com um conteúdo mais educativo, que precisa de uma explicação ou que passa uma mensagem, procuramos nos colocar no lugar da criança e aprender junto com ela. Vou até as fontes que falam sobre esses temas, como no caso da música das crianças portadoras de necessidades especiais. Fomos à AACD [Associação de Assistência à Criança Deficiente], que é uma parceira nossa, entender o mundo dos deficientes. Tentamos cada vez mais nos cercar de informações e pessoas que entendam do tema para falar sobre eles, mas não temos equipe de consultoria pedagógica.
Você tem 41 anos. O que você costumava assistir na TV quando criança?
Sempre fui um viciado em TV e tecnologia, mas sempre vivi ao lado da natureza. Meu pai era um pescador e minha mãe, professora de piano. Tive um pouco da natureza e da música junto deles. Meu pai também era desenhista. Foi uma soma de coisas e, junto disso, meu lado nerd, com a internet e a televisão.
Você tem quantos filhos e quais as idades deles?
Tenho duas filhas, Anabel tem 10 anos e Martina tem 6.
Anabel foi a a primeira espectadora do Mundo Bita?
O Bita nasceu no quarto dela, então antes de nascer ela já estava mergulhada no universo do Mundo Bita. A história do nascimento da Bebel tem muito a ver com o nascimento do Bita, que foi desenhado para a parede do quarto dela e durante um ano viveu exclusivamente ali, sem nenhuma criança como companhia. Depois de um ano, começamos a experimentar a animação.
Nascemos como produtora de aplicativos. Não sabíamos que seríamos audiovisual ou uma marca de entretenimento e educação. Mirávamos nos aplicativos porque estavam sendo lançados tablets e smartphones, e lançamos um app chamado O Circo Mágico do Bita, de livros digitais. Acabamos descobrindo que o Bita era muito maior do que isso. Era educação, entretenimento, mas fora de qualquer plataforma. Temos hoje peças de teatro, eventos ao ar livre ou em shoppings, livros. Bita passeia por todas as mídias, começamos em 2011 e foi crescendo.
O que suas filhas consomem? Você é um pai permissivo ou elas só veem Mundo Bita?
Eu sou o tipo de pai que gosta de acompanhar, nem tão permissivo nem tão restritivo. Fico na coluna do meio. Gosto que elas me tragam ideias. Anabel tem 10 anos, já descobre coisas, sugere conteúdos para o Mundo Bita. Não proíbo tudo, mas também não libero tanto, e acompanho, estou junto.
Pergunto porque, se sua filha estiver no YouTube e passar por um youtuber em uma banheira de Nutella… Bita jamais vai mergulhar em uma banheira dessas, né?
Nunca vai mergulhar em uma banheira de Nutella (risos)! A pequena ainda fica no YouTube Kids, que tem filtro, mas a Anabel tenho que acompanhar, porque já está entrando na adolescência.
Sócios da Mr. Plot, produtora de conteúdo do Mundo Bita: João Henrique Souza, Enio Porto, Chaps Melo e Felipe Almeida - Foto: Divulgação
Você já tentou fixar Mundo Bita na televisão ou decidiu só pela internet?
Acho que todo conteúdo, não necessariamente infantil, não precisa da TV para fazer sucesso. Nascemos ainda na época da televisão. Uma das primeiras exibições do Mundo Bita foi no Discovery Kids, um canal pago. Tivemos algumas experiências na TV aberta, mas nunca estivemos em uma grade fixa, acho que porque surgimos em uma fase de transição, em que saíram os desenhos e a internet começou a ficar cheia de conteúdo infantil. A forma de exibição hoje, em geral, é muito pulverizada. Também estamos no streaming, no YouTube, em aplicativos. Procuramos não deixar o conteúdo fixo em um lugar para poder espalhá-lo e ter maior alcance, inclusive mundialmente.
Para quais idiomas Mundo Bita já foi traduzido? Quais os próximos passos para a carreira internacional?
Hoje, temos Mundo Bita em espanhol e em português de Portugal. Neste momento, estamos desenvolvendo conteúdo em inglês. Tratamos com carinho para saber como passar a mensagem correta em determinados países, porque cada um tem sua cultura, suas regras. Temos que tomar bastante cuidado para a mensagem não agradar em determinado país. O primeiro álbum de Bita’s World vai sair no primeiro semestre de 2021.
Vocês já fizeram parcerias com gigantes da música, como Ivete Sangalo, Alceu Valença, Lulu Santos e Milton Nascimento. Hoje, os artistas fazem fila para cantar com Mundo Bita? Qual foi o pontapé inicial dos feats?
A primeira de todas foi a mais grandiosa, com o Milton Nascimento, que acabou virando nosso padrinho, abriu as portas para outras parcerias. Ela nasceu em 2016, por meio de um amigo que produz o show do Milton e também trabalhava com o Mundo Bita. O álbum do qual Milton participou nos levou ao Grammy Latino [em 2018], o que por si só é uma grande vitória. Vamos lançar nesta sexta-feira o Estúdio Mundo Bita, em que vou aparecer cantando pela primeira vez. Já apareci em duas lives, mas será a primeira vez em um estúdio, com banda. Durante a pandemia, nunca deixamos de produzir. Estipulamos a meta de um lançamento por mês. Há artistas que nos procuram para desenvolver alguma ideia juntos, vez ou outra aparece, e são grandes artistas. Temos o sonho de cantar com Caetano Veloso, mas ainda não conseguimos.
Como é o passo a passo para a produção do clipe, da composição ou versão até a edição final e publicação no YouTube?
O Milton nos convidou para gravar Bola de Meia, Bola de Gude, um clássico da música brasileira. Obviamente aceitamos, e com essa música veio a ideia de fazer novas releituras de músicas tão fortes quanto esta e que tenham a ver com o universo da criança, e de artistas que de certa forma contribuíram para a forma como o Mundo Bita enxerga o mundo e coloca suas poesias. Gravamos Como uma Onda (Lulu Santos), Anunciação (Alceu Valença), Vida de Viajante (Luiz Gonzaga), O Carimbador Maluco (Raul Seixas), músicas que se conectam com o universo infantil. É um trabalho de perpetuação da música. O próprio Lulu falou que Como Uma Onda tem 30 anos e espera que a nova versão dure mais 30. As músicas autorais eu componho, gosto de ficar isolado das pessoas, mas não tenho aquele negócio de precisar ficar na praia, por exemplo. Componho dirigindo, lavando louça ou fazendo exercícios. É como se meu cérebro acessasse outra área enquanto estou ocupado. Vou criando no meu dia a dia e sempre gravo ideias novas no celular.
Fazemos um processo de animação bem tradicional dos estúdios: um storyboard traduzindo o roteiro da música para o papel, muitas vezes literalmente, muitas vezes em uma história paralela, mas que represente o que a música está dizendo. Do storyboard, fazemos uma pré-animação, em que testamos a sincronização, o corte. Depois, juntamos música, animação, vinheta e publicamos nos canais, primeiramente, no nosso YouTube, a plataforma de estreia do Mundo Bita. Toda sexta-feira do mês lançamos um clipe novo. Em média, o processo dura um mês ou mais. Trabalhamos sempre com uma folga. Estamos produzindo o material para dezembro. Nossa folga era maior, mas a pandemia apertou por causa dos processos que ficaram diferentes.
Você falou que no Estúdio Mundo Bita, nesta sexta-feita, vai aparecer cantando pela primeira vez. Você já se acostumou a aparecer em público? Qual foi a reação das crianças?
Sempre tive esse medo. Já tinha dado algumas entrevistas, mas realmente não gosto muito de aparecer, sou meio tímido. Uma mãe de vez em quando reconhece: 'Olha, filho, o Bita!'. E ele: 'Não é o Bita, é outra pessoa'. Na primeira live, desconfiei se as crianças iriam gostar, se as famílias iriam aprovar, porque não seria o Bita, mas o Chaps. Para minha surpresa e alegria, foi muito bem recebido. As famílias curtiram muito. As crianças até imitam o meu jeito de cantar. Para nós, foi muito divertido e interessante trabalhar também com essa imagem. Ganhamos mais uma opção. Fomos muito cobrados pelos pais: 'Mostrem os músicos!'. Pela primeira vez, vamos fazer isso. Fizemos a live e agora o Estúdio Mundo Bita. Já tenho uma programação com a Orquestra Sinfônica Petrobras, também vou para os palcos com a orquestra. De fato, tive que deixar a minha timidez de lado e entender que esse negócio de aparecer vai ser mais constante.
Você cogitou pintar o seu cabelo de ruivo e adotar uma cartola?
Vou seguir suas dicas! Quem sabe em uma próxima aparição eu pinto de ruivo (risos). Já fiz o bigodinho estilo mustache.
Qual tipo de mensagem vocês recebem das famílias? Alguma marcou vocês e os estimulou a seguir em frente?
Recebemos muitas mensagens, a maioria agradecendo pelo Mundo Bita existir, pelos conteúdos, pelas músicas. As mensagens nos dão um gás danado. Brinco que, se alguém estiver em um dia ruim, entre nas redes do Mundo Bita e leia as mensagens. O que mais nos toca é quando conseguimos ajudar crianças em situação difícil, como paralisia cerebral ou dificuldade motora, de andar e falar, e por causa da música do Mundo Bita sorriu, andou, fez um movimento que não fazia. Sentimos que fazemos a diferença no dia a dia das pessoas.
Como você vê a produção de conteúdo infantil hoje, principalmente com a carência de atrações na televisão? Qual é o futuro do Mundo Bita para os próximos anos?
No mercado brasileiro, a produção infantil é boa, há pessoas criativas, profissionais muito bons de animação, mas ainda falta incentivo no audiovisual para nos aproximarmos da Pixar ou da Dreamworks. Temos poucos celeiros de animação e talvez no futuro possa melhorar. Aqui no Recife trabalhamos praticamente solitários. Vamos entrar em concorrência com outras produções nacionais também muito criativas, como Irmão do Jorel, Peixonauta, Turma da Mônica. Estamos sempre produzindo bons conteúdos na área infantil. Vem uma série animada chamada Imagine-se. A série traz o mundo da imaginação, que é o mote do Mundo Bita. A imaginação é o combustível que faz o motor do Mundo Bita girar. Tudo no Mundo Bita funciona através da imaginação. Lançamos o primeiro episódio no Dia das Crianças e já está com mais de 2 milhões de visualizações. Para nós, é animador, porque não deixa de ser um teste para ver se vai funcionar, e foi muito bem recebido. A ideia é fazer 26 episódios de sete minutos, mas ainda é um desafio para a gente.
Série com 26 episódios é uma quantidade padrão para TV. Pensa em oferecer o produto para emissoras?
Este padrão ficou, e muita gente costuma desenvolver por ele, mesmo voltado para internet. Há TVs pelo mundo todo, e como vamos traduzir a série já ajustamos à grade para entrar nesta plataforma.
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