No dia da Consciência Negra, a TV brasileira ainda esconde a própria negritude
Publicado em 20/11/2017 às 09:37
Disponível no YouTube, o documentário “A Negação do Brasil” (2000), dirigido por Joel Zito Araújo, traça um panorama sobre o negro na telenovela brasileira, presença restrita, durante décadas, a papéis relacionados exclusivamente à servidão ou aos estereótipos.
De “A Cabana do Pai Tomás” (1969) até a “Próxima Vítima” (1995), passando pelo sucesso “A Escrava Isaura” (1976), o documentário não deixa pedra sobre pedra, e não poupa o telespectador de relatos e fatos incômodos, como o da atriz Zezé Motta, insultada nas ruas quando fez par romântico com o já falecido ator e diretor Marcos Paulo em uma novela de 1984, e a atriz Isaura Bruno, intérprete da célebre Mamãe Dolores em “O Direito de Nascer” (1964) ter morrido na miséria por não conseguir espaço em uma televisão cada vez mais branca.
Televisão esta que ainda resiste em retratar fora dos estereótipos uma parcela imensa da população que, por sua vez, é uma das maiores colônias negras fora da África. Avanços já aconteceram. William Waack não recebeu tolerância ao dizer, no intervalo de uma gravação do “Jornal da Globo”, um insulto racista. Taís Araújo e Lázaro Ramos, protagonistas da série “Mister Brau” na Globo, colocaram a identidade negra brasileira no centro da discussão ao interpretarem um divertido casal de celebridades.
Há um inegável empoderamento nessa série, que caminha para o seu quarto ano no ar: Brau (Lázaro Ramos) e Michele (Taís Araújo) não são empregados ou coadjuvantes. Entretanto, em seus papéis ainda ronda a imagem dos personagens negros sempre eufóricos e hiperssexuais, nada diferente da Globeleza nua em pelo que anunciava o Carnaval da emissora carioca e que este ano, influenciada pelos grupos sociais ligadas à questão da raça, ganhou mais roupas e menos foco na sua sensualidade.
Maju Coutinho é a primeira garota do tempo negra na TV brasileira, mas fora da tela, já teve que entrar na Justiça contra ofensas racistas na internet. O que dizer de Milton Gonçalves em “Pega Pega” interpretando, pela milésima vez, o senhor negro resignado em um papel coadjuvante?
Fora dos Estúdios Globo, não parece haver grandes novidades em relação ao retrato da população negra na tela, seja na teledramaturgia ou no jornalismo (como os elencos majoritariamente brancos nas produções bíblicas da Record TV, cujas histórias se passam na África e no Oriente Médio). Considerando que a televisão, assim como outras mídias, reflete (não diretamente, é claro) uma parte da realidade ou é produto dela, o embranquecimento da nossa TV parece traduzir a relação esquizofrênica do brasileiro com a negritude.
Diferente dos Estados Unidos e da África do Sul, onde a segregação racial foi explícita e, por isso, diretamente identificada e combatida, por aqui o racismo sempre foi velado, institucionalizado, e assim, tolerado. Porém, o movimento negro brasileiro já despertou, ainda que aos poucos.
No dia da Consciência Negra, é preciso perceber a nossa relação esquizofrênica com a mestiçagem, traduzida por uma Globeleza inteiramente vestida, mas ainda estereotipada como símbolo do Carnaval e do sexo.