Publicado em 20/11/2019 às 04:58:00
Desde os anos 50, o dia 20 de novembro é lembrado no Brasil como o Dia da Consciência Negra. Já se vão quase 70 anos de comemorações e 131 anos do fim da escravidão no país e mesmo assim os negros precisam brigar para ocupar espaços em todas as camadas da sociedade brasileira. Na TV não é diferente, já que é possível contar nos dedos apresentadores ou atores e atrizes de destaque na dramaturgia que sejam negros.
Em produções de dramaturgia, principalmente na TV aberta, é difícil encontrar negros em papéis de protagonismo, apesar de isso estar mudando pouco a pouco. Das seis novelas inéditas no ar, apenas Bom Sucesso e Malhação contam com artistas negras nos papéis principais: a vilã Gisele, interpretada por Sheron Menezzes, e Jaqueline, papel de Gabz. Com Amor de Mãe, o horário das nove também terá uma negra como estrela.
Em programas de entretenimento, apenas Érico Brás, Taís Araújo e Netinho estão ocupando funções de apresentadores em canais abertos. No jornalismo, Maju Coutinho e Joyce Ribeiro são representantes de âncoras negras em telejornais nacionais.
Essa pouca representatividade tem uma explicação histórica, conforme o professor de sociologia Leonardo Flávio. “O Brasil ainda é um país desigual e falta oportunidade para as camadas mais pobres. Como os mais pobres são, em sua maioria, negros, é a raça que mais sofre”, explicou em entrevista ao NaTelinha.
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Questionado se enxerga alguma chance dessa realidade mudar, Leonardo é otimista: “Acredito sim. Com a democratização dos meios de comunicação, é possível que mais negros entrem no mercado do entretenimento. A Netflix lançou Irmandade com protagonistas negros, Coisa Mais Linda também deu papel de destaques aos negros. Não podemos ignorar Mister Brau, Lado a Lado e Jezabel. O negro teve protagonismo nessas produções e é uma conquista importante”.
Fabrício Mengal, ator que trabalha em produções de cidades do interior de São Paulo, morou na periferia da capital paulista durante toda sua juventude e aponta diversos avanços sociais.
“Morei no Capão Redondo na adolescência e na fase adulta estive na Brasilândia. Nos anos de 1980 e 1990, a desigualdade era gigantesca e não existia opção de teatro. Acabei sendo uma exceção, porque a patroa da minha mãe me incentivou e apoiou a meus estudos em cursos de teatro. Lá, eu era o único negro e meus papéis eram para fazer figuração”, contou.
“Com o governo da Marta Suplicy, surgiram os CEU’s e houve um trabalho para que os mais pobres pudessem ter cultura na periferia. Graças a Deus, os governos seguintes mantiveram os projetos e mais negros tiveram acesso a área cultural. Não quero entrar na questão política, mas é importante que exista incentivo do governo para que os mais necessitados se interessem pela arte”, opinou.
Fabrício vive em São José do Rio Preto há sete anos e enxerga que os negros terão mais espaços. “Não dava para imaginar uma Taís Araújo protagonista de novela das nove. Hoje tem Taís [Araújo], Camila [Pitanga], Sheron [Menezzes]. Galã negro? Fale um dos anos 80? Hoje temos Fabrício Boliveira, David Junior, Lázaro Ramos, entre outros. Ainda estamos longe do ideal, mas estamos avançando e acredito que vamos avançar mais ainda”.
Em 2015, a Agência Brasil conversou com professores e especialistas para saber se a falta de representatividade de negros na TV poderia influenciar o crescimento de racismo no país , e confirmou que essa era uma das causas do problema.
“O que fica como belo é o que se aparece na TV, nos livros – inclusive nos materiais didáticos. A gente vê muitas propagandas, livros de histórias infantis em que os personagens são brancos”, declarou a professora Ildete Batista na época.
“Elas [crianças] figuram em papéis de coadjuvantes, e a representação está aquém da proporção de negros no Brasil. Isso tem um efeito devastador, porque a criança se vê ausente ou não se vê como ela realmente é. Ela está sempre atrás. A interpretação dessas mensagens tem um efeito muito danoso, que é a recusa, de se retirar do espaço da centralidade”, explicou Isabel Clavelin, que era professora do curso de comunicação social da Universidade Católica de Brasília (UCB).
A escritora Kiussam de Oliveira trabalha com literatura infantil e faz questão de mostrar a diversidade do Brasil, fortalecendo a identidade das crianças negras.
“Em um país de maioria negra, não se justifica uma televisão totalmente branca, como nós temos. A partir do momento que as emissoras entenderem que o público negro é grande, nós viveremos uma fase diferente desta que estamos passando, onde há violência por conta da cor da pele, agressões focadas na raça – cada vez mais banalizada”, opinou.
Porém, na visão do professor Leandro Flávio, as emissoras de TV não devem colocar uma pessoa apenas pela sua cor de pele. “Militar por militar não pode acontecer. Não posso colocar uma atriz como protagonista apenas por ela ser negra. Esse espaço precisa ser ocupado por ela por causa do seu talento”, comentou ao NaTelinha.
Questionado se esse raciocínio não seguia a teoria da meritocracia, o professor aponta que não. “Veja, o que os negros querem é oportunidade. O que é preciso ser feito é dar mais oportunidades aos negros e eles provarão o seu valor. Agora escolher um negro apenas para falar que o tem na sua produção artística ou de entretenimento, só vai aumentar o preconceito. Não é isso que queremos”, explicou.
Fabrício trouxe uma visão um pouco diferente de Leandro. “Há poucos negros no meio artístico, porque esse trabalho de inclusão é recente. Vamos ter apresentadores e atores, na maioria das vezes, piores do que brancos, porque estamos atrasados na questão de herança cultural. Só que a melhora acontecerá pouco a pouco. Por isso é importante dar oportunidade, porque a melhora acontece com o tempo”, falou.
“A Maju é o maior exemplo. Ela é melhor que a Sandra Annenberg? Não. Por quê? Simples: Uma tem décadas de profissão, a outra começou recentemente. Isso significa que a Maju continuará abaixo da Sandra? Também não. Com o tempo, ela vai melhorando e será uma das grandes do nosso país, servindo de exemplo para outras jovens negras que vão se preparar desde cedo”, completou.
No lançamento de As Aventuras de Poliana, em 2018, Iris Abravanel foi questionada sobre a falta de atores negros em novelas das emissoras. A autora afirmou que a comunidade negra precisava superar algumas coisas. “Não existem atores negros, e quando aparecem precisamos aproveitar”, declarou.
“Nas nossas novelas sempre temos o núcleo com atores negros, só não temos mais porque temos dificuldade de encontrar atores com os perfis dos personagens da trama aqui em São Paulo”, acrescentou a roteirista.
Os atores da produção discordaram da visão de Iris e opinaram sobre a falta de representatividade na TV.
“É tudo questão de representatividade, de referência. Não acho que deveria haver um núcleo negro, pois deveria ser normal a gente estar no trabalho como comuns. Não como recorte. Discordo que temos que superar algo: existem diversos atores negros extremamente talentosos, mas que não têm chance de crescer. Essa é a única diferença entre atores brancos e nós”, disse Nando Cunha.
“Nós também geramos empregos, se fizermos uma greve, haverá um blackout, entende? Encontrar-se nesse trabalho e se juntar pra ficarmos mais fortes. É triste quando ouvimos uma história como se fôssemos exceção, sendo que somos maioria”, opinou Vitor Brito.
Viola Davis, primeira negra vencedora do Emmy, fez um discurso ressaltando que as oportunidades é o que separam a comunidade afro dos brancos. “Deixem-me dizer algo a vocês: a única coisa que separa as mulheres negras de qualquer outra pessoa é a oportunidade. Você não pode ganhar um Emmy por papéis que simplesmente não existem”.
A discussão sobre representatividade deverá pautar o Brasil ao longo dos próximos anos, talvez das próximas décadas. Apesar dos avanços, fica muito claro que os artistas negros buscam por mais espaços na televisão e uma maior representatividade nos canais abertos.
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