Publicado em 07/11/2018 às 06:00:56
Não houve acordo entre a Globo e a União de Negros pela Igualdade (UNEGRO), na ação cível aberta pela entidade na 2ª Vara Especial da Fazenda Pública em Salvador, que buscava aumentar o número de atores negros escalados em "Segundo Sol", que chega ao fim na próxima sexta-feira (9).
É o que afirma a socióloga Ângela Guimarães (foto/abaixo), presidente da UNEGRO, sobre a polêmica que marcou os primeiros capítulos da novela de João Emanuel Carneiro, em torno da desigualdade racial no elenco.
Em conversa com o NaTelinha, ela explicou que em julho, o Tribunal de Justiça convocou uma audiência de conciliação entre a Globo e a UNEGRO, na Bahia.
"O que a gente ouviu da Globo foi que 'a empresa Globo não tem interesse em estabelecer algum tipo de conciliação com a UNEGRO'. Deixou a gente completamente em choque. O acionamento na Justiça foi porque uma série de mecanismos anteriores já falharam. O movimento negro, há mais de 70 anos, faz essa discussão, ainda antes da instalação da TV aberta no Brasil, quando os meio de entretenimento eram o teatro e o rádio. Fazemos o questionamento da ausência de obras de autores e autoras negras, ausência de personagens negras e negros. Então, a gente teve como uma força da circunstância recorrer a uma instância judicial para corrigir esse desequilíbrio", lamentou Ângela Guimarães, que também é chefe de gabinete da Secretaria do Trabalho da Bahia.
A ação judicial da UNEGRO exigia que "Segundo Sol" fosse formado por 80% de atores negros. A justificativa da entidade, que atua há 30 anos contra discriminação racial, é que a Bahia, estado que serviu como cenário para o folhetim, era composto por quase essa porcentagem de pessoas negras, segundo dados do IBGE, em 2017.
"Ainda assim, mesmo a gente recorrendo a uma instância judicial, o comportamento da Globo foi de completo descaso com a questão. Eles falaram inclusive na audiência que não reconheciam a justeza da nossa preposição. Eles acham que a televisão, o cinema e os outros mecanismos são obras de livre expressão dos interesses dos autores e que a televisão não estaria submetida a nenhum ordenamento que obrigasse a ter a correspondência com a população de determinados estados. Ou seja, descaracterizaram o objeto da ação. Além, de forma muito arrogante, se colocarem que não topariam uma conciliação. Isso impossibilitou a possibilidade do diálogo entre as partes", completou a presidente da União de Negros pela Igualdade.
Ângela Guimarães também reclama sobre lentidão que a Justiça trata a questão. E afirma que a intenção do processo era corrigir distorções no folhetim das 21h. Dentre algumas ideias propostas foi sugerido a criação de mais núcleos negros que interagissem com o principal e outros que fossem inseridos no conflito central da novela.
"Infelizmente, o que a gente tá vendo é que existe uma lentidão da Justiça no trato dessa questão. Porque é uma obra que tem prazo para começar e terminar. Nesse prazo, simplesmente, não teve outras audiências. Já que não houve a conciliação, deveria partir agora para o processo em si. Ter a decisão dele sobre aquele objeto", destacou.
O NaTelinha apurou que, mesmo sem acordo com a UNEGRO, diante da polêmica em torno da falta de diversidade racial na escalação de "Segundo Sol" em sua primeira fase, o tema trouxe reflexão dentro da Globo. Como consequência deste debate, a emissora escalou as participações de 120 atores negros, além das histórias centrais. A recusa da emissora estaria sendo amparada pela liberdade de expressão artística prevista na constituinte, já que a novela é uma obra de ficção.
"A nossa crítica permanece, por quê? Porque ampliou, mas eles se mantiveram restritos a manutenção e proliferação dos estereótipos, envolvendo a população negra. Então, os negros que entraram não estavam no centro da trama, estavam em núcleos marginais que nem todos os dias apareciam e estavam também reiterando estereótipos. A casa que tinha, que você não sabia exatamente qual era a profissão o pertencimento familiar delas. Eles não tinham uma história pra contar. Eram sempre acessórios dos personagens brancos, que era o caso do ator Chay Suede. Os caras lá estavam tocando violão com o Chay, indo na praia com Chay, indo no Pelourinho com o Chay, não tinham propriamente uma história", relembrou Ângela.
"Outrossim, também fazemos a crítica ao crescimento do personagem do Fabrício Boliveira, que é um excelente ator. Mas que afirma outro estereótipo. O personagem dele foi crescendo na trama a medida do nosso protesto e das nossas reivindicações, mas também, ele era o cara que se tornou um grande bandido desestabilizador de uma família branca em decadência, desestabilizando a afetividade central desse núcleo", explica a presidente da UNEGRO.
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Por fim, Ângela Guimarães adianta que a partir do desfecho não satisfatório no processo de "Segundo Sol" com a Globo, essa situação servirá como exemplo para que os movimentos negros tomem atitudes ainda mais agressivas nos casos que se assemelhem com este na TV. "Seremos ainda mais duros, solicitando a retirada do produto do ar, porque ele não tá de acordo com a maioria da população, dentre outras estratégias", promete.
Procurada, a Globo informou que não comenta ações sub judice.
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