Publicado em 25/05/2024 às 17:11:00
Aos 82 anos, Ney Matogrosso segue ativo nos palcos e com uma agenda repleta de shows. Além disso, o cantor, um dos maiores nomes da história da MPB, acompanha de perto a reta final das gravações de Homem com H, sua cinebiografia protagonizada por Jesuita Barbosa.
Em entrevista à revista Veja, o músico revelou que pediu para ser retratado com franqueza. "Queria me ver retratado com franqueza, sem nenhuma mentira. Durante o processo, conversei muito com o diretor e cheguei a ler doze roteiros. Normalmente sou durão, não choro, mas, quando fui assistir às filmagens, desabei. Estava ali, na minha frente, a cena em que chegava em casa, com o Marco [de Maria, médico com quem viveu] muito doente. Ele tinha aids e, naquele dia, meu teste deu negativo. Passou na cabeça um flashback de toda aquela época e não aguentei", disse Ney Matogrosso.
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O intérprete também falou de Cazuza, que será mostrado no longa. "Foi um dos meus grandes amores, sim, mas não o único, graças a Deus. Fui completamente apaixonado, mas era difícil conviver com os dois Cazuzas que havia nele. No lado público, se mostrava agressivo, louco, bêbado e cheirava muito pó. Já na intimidade, era o oposto. Foi uma das pessoas mais encantadoras que conheci. A relação durou três intensos meses. Uma vez, ele sumiu por quatro dias e apareceu na minha casa sujo, fedendo, com um traficante a tiracolo. Discutimos, e Cazuza cuspiu em mim. Aí dei um tapa na cara dele e o mandei ir embora. Seguimos amigos, nos amando, mas sem sexo", confidenciou.
"Eles [os ex-namorados] receberam o diagnóstico na mesma época. Cazuza morreu e, dois dias depois, foi a vez do Marco, em 1990. Era um período diferente de hoje. As pessoas tinham medo até de encostar em alguém com aids. Em uma ocasião, fui levar o Marco, detonado, ao médico, e não queriam que entrássemos no elevador. Cazuza morava perto de mim. Ia visitá-lo e massageava seus pés quando já não conseguia se levantar. Ele me pediu que tomasse AZT, para entrar na mesma onda dele. Não aceitei, claro", comentou.
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"Nunca tive medo da morte, mas não dava para entender como gente tão próxima havia se contaminado e eu, não. Além do Cazuza e do Marco, treze amigos, alguns que eu havia namorado, se foram num período curto", analisou. "Nunca fui viciado em nada, embora tenha vivido todas as experiências possíveis nos anos 1970, 1980. Tomei ácidos, usei maconha e pó. Minha dependência hoje é de um remédio para dormir, o Frontal. Comecei por causa da insônia, há vinte anos, e estou tentando me livrar com a ajuda do CBD e do THC (princípios ativos da Cannabis). De vez em quando, tomo uma colher de chá do santo-daime, que me ajuda a ter clareza em determinados momentos", explicou Ney.
"A primeira vez que experimentei [o santo-daime] foi em 1987, em Brasília. Não buscava uma religião, mas algo que balançasse o meu coreto. Passei mais de um ano tomando toda semana. Era uma jornada à procura do autoconhecimento. Cheguei a morar quinze dias no meio da Floresta Amazônica. Acordava às 5h da manhã para beber o chá. Às vezes, vomitava. Via aquilo como uma limpeza, para abrir caminhos. Sinto que aquela fase me ajudou a ser mais manso e dono de mim", contou o cantor.
Durante a entrevista, Ney Matogrosso também falou sobre o que enfrentou ao se assumir gay. "Houve questões em casa desde cedo. Embora eu me enxergasse como uma criança comum, que gostava de pintar, desenhar e cantar, meu pai me chamava de viado. Um dia, perto de eu deixar o Mato Grosso do Sul, aos 17 anos, falou isso de novo e respondi: 'Eu não sou, não, mas o dia em que for, o Brasil inteiro vai saber'. A praga pegou. Na adolescência, sentia atração por homens, sem ir adiante. Até ali só havia tido relação com mulheres. Aos 20, época em que trabalhava em um laboratório em Brasília, experimentei a primeira relação homossexual", lembrou.
"Nunca tive a intenção de tirar ninguém do armário, mas acredito que aconteça, sim. As roupas e a pintura no rosto, na verdade, eram uma forma de me proteger, preservando minha identidade. Lembro que saí de um show no Maracanãzinho e, no dia seguinte, estava na praia à vontade, ouvindo falarem de mim, sem ser reconhecido. Aquilo me transformava em uma espécie de super-homem", declarou Ney.
O artista também explicou porque evita falar sobre política em público. "E eu sou obrigado? Os políticos não me convencem. Prefiro ser free, sabe? Votar em quem eu quero e quando quero, sem envolvimento com a vida partidária", decretou. "A única vez que cogitei recorrer ao benefício [da Lei Rouanet] tive uma péssima experiência. Entendo que leis como esta dão certo em várias partes do mundo, mas aqui vi casos em que ela foi desvirtuada e contaminada. Cheguei a me encontrar com um integrante do Ministério de Minas e Energia, que disse que me daria 200 mil reais para um projeto, com a condição de eu reservar para ele uma porcentagem do valor. Fui embora. A questão não é a lei, é a forma como se utilizam dela", denunciou.
Matogrosso ainda resgatou o vazamento de alguns nudes anos atrás. "Me orientaram a dizer que tinha sido clonado, mas jamais faria isso. Estava flertando com alguém, que me mandava fotos e eu enviava de volta. Percebi quase imediatamente que tinha postado errado, e logo começaram a me ligar. Sei que nunca mais vai sair da internet, mas não fico constrangido. Espero que façam bom uso", disparou. "Lá pelos 30, 40 anos, cheguei a ficar viciado em sexo. Tinha que transar todo dia para conseguir dormir. Hoje, vivo um relacionamento com uma pessoa de fora do Rio e consigo me guardar para ela", revelou.
Por fim, Ney Matogrosso deixou claro que não pensa em se aposentar e nem se assusta com a idade. "Nunca me assustou. Acredito em crenças budistas sobre a vida após isto aqui", filosofou. "Só [vou parar] quando eu for impedido de trabalhar. A felicidade, para mim, está no palco", concluiu.
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