Globo apostou em fotos eróticas para vender trilhas de novela nos anos 1980
Modelo de A Gata Comeu Internacional, Joana Medeiros critica trabalho feito na adolescência: “Toda exposição do feminino pela sua pseudobeleza é perigosa”
Publicado em 10/11/2021 às 04:50,
atualizado em 10/11/2021 às 11:45
Mais do que hits radiofônicos e temas românticos que embalavam os casais na TV, corpos seminus eram a aposta para vender trilhas de novela nos anos 1980. Em uma época em que imagens eróticas não estavam à distância de um clique, a Som Livre, gravadora vinculada à Globo, investia em imagens sensuais nas capas de seus principais lançamentos em vinil. Diversas trilhas lançadas entre 1980 e 1989 foram estampadas por modelos em poses sexualizadas.
Na fase, que perdurou do início ao fim daquela década, não era preciso que a capa fosse estampada por um ator de destaque na trama - algo que também se tornou comum na mesma época e perdurou até o ano passado, com o fim do lançamento das trilhas sonoras de novela em CD. O momento era de libertação, com a abertura política nos últimos anos da ditadura militar - ainda que a Censura Federal ainda impusesse limites à criação artística até a promulgação da Constituição de 1988.
Nesse ínterim, a nudez já não era mais tão castigada. Foi o que permitiu que duas modelos de biquínis cavadíssimos estampassem os vinis de Vereda Tropical (1984), remetendo ao clima solar da trama de Carlos Lombardi. O modelo Vinícius Manne, que surgia “pelado, pelado, nu com a mão no bolso” na abertura de Brega & Chique (1987) também apareceu como veio ao mundo na trilha internacional da mesma novela. Em Tieta (1989), foi a vez de Isadora Ribeiro ir da abertura para o disco, com os seios à mostra.
Por vezes, a imagem pouco tinha a ver com a trama ou com os personagens. Um dos exemplos mais emblemáticos desse período é a trilha internacional de De Quina pra Lua (1985), que exibe em primeiro plano as nádegas de uma moça de biquíni na praia. A foto talvez tenha sido mais marcante que a própria novela e a seleção de músicas, mesmo embalada por Forever Young, do grupo Alphaville, e outros hits da época. Veja todos os exemplos citados ao final desta matéria.
Atriz que estampou A Gata Comeu Internacional, avalia fotos após 36 anos: “Não me trouxe nada de bom”
Entre os noveleiros, o disco internacional de A Gata Comeu (1985) chega perto da unanimidade. A trilha, que vendeu mais de 500 mil cópias, reúne clássicos que estouraram em 1985, como I Should've Known Better, de Jim Diamond, e Forever By Your Side, do grupo Manhattans. A capa, por outro lado, em nada remetia à comédia romântica encabeçada por Jô Penteado (Christiane Torloni): uma moça de baby doll, sensualíssima, deitada na cama.
A modelo da vez era a atriz Joana Medeiros. Ela havia acabado de fazer fotos para a Playboy ao lado da mãe, a também atriz Maria Lúcia Dahl, quando recebeu o convite para estampar o disco da novela. Na época, tinha apenas 15 anos. “Foi um momento de muita exposição. Não foi exatamente uma coisa feliz na minha vida”, avalia, em entrevista ao NaTelinha.
“Essa capa faz parte de uma exposição que não é positiva. Ninguém me reconhece na rua por aquilo. Existe uma admiração por uma beleza física, mas essa postura, uma coisa meio ‘vamp’, putona, deitada de bruços em uma cama, com a bunda arrebitada, não me trouxe nada de bom.”
Joana Medeiros
Ela lembra que as fotos para a Playboy foram publicadas em outros países sem autorização, o que rendeu um processo na Justiça. “Foi uma época de exposição na minha vida. O que foi bom fazer foram os personagens na Manchete. Isso sim me deu estrutura para ser a atriz que eu sou hoje em dia”, reflete. Na extinta emissora, ela fez a novela Tudo em Cima (1985) e protagonizou a minissérie Rosa dos Rumos (1990). Entre seus trabalhos mais lembrados na TV está Mulheres Apaixonadas (2003), na Globo.
“Não sei se eu deixaria uma filha fazer”, avalia Joana Medeiros sobre capa de disco em 1985
Mãe de adolescentes, Joana Medeiros afirma: “Não sei se eu deixaria uma filha fazer. Jamais apostaria nessa condição de Lolita, ‘ninfeta’, porque ela não traz felicidade, comprometimento. A sensualidade de uma adolescente é linda, sagrada. É uma flor desabrochando, mas que não para ser colhida, arrancada do arbusto, no máximo ser sentido o perfume”.
Hoje, ela se dedica a trabalhos com o conceituado Teatro Oficina, de São Paulo, além de longas-metragens. “Sou extremamente libertária e anarquista, mas para aquilo que constrói junto à nossa essência. Mesmo no Oficina, nunca fiz coisas que eu não tivesse estrutura para levar meus filhos ou os adolescentes amigos deles para ver. Não é uma questão moral, mas do que realmente me agrega.”
Ela conta que, recentemente, ao fazer uma pesquisa com seu nome no Google, se surpreendeu ao ver o disco de A Gata Comeu entre os primeiros resultados. “Foi um sentimento de pesar. Uma ironia de eu ter me transformado em uma pessoa tão diferente daquela e ter descoberto que aquela exposição sexual não me trouxe nada de bom.”
“Essa capa de A Gata Comeu, assim como as fotos que fiz para a Playboy, depõem contra o cuidado que uma adolescente merece ter. Toda exposição do feminino pela sua pseudobeleza é muito perigosa, cruel, porque nos torna um objeto para ser usado, desfrutado por um homem. É uma superficialidade para ser encarada, mas em nome de quê?”
Joana Medeiros
Relembre algumas trilhas sonoras de novelas dos anos 1980 com capas “ousadas”:
De Quina pra Lua Internacional (1985) e Brega & Chique Internacional (1987)
Vereda Tropical Nacional e Internacional (1984)
Corpo a Corpo Nacional (1984) e Tieta Vol. 1 (1989)