Felipe de Carolis quebra o silêncio e explica por que expôs caso de assédio na Globo
Com estreia no teatro, ator falou ao NaTelinha sobre carreira na TV, repercussão da polêmica e necessidade de união dos atores
Publicado em 04/08/2023 às 08:59,
atualizado em 04/08/2023 às 11:05
Felipe de Carolis surpreendeu, há três semanas, ao afirmar que sofreu assédio sexual do autor de novelas Gilberto Braga (1945-2021). Em entrevista exclusiva ao NaTelinha, ele fala sobre seu novo espetáculo no teatro, que estreia neste fim de semana, e explica o que o motivou a fazer a denúncia nas redes sociais.
“Minha intenção foi chamar atenção para como nós atores temos que nos unir neste mercado que é tão pequeno. Temos praticamente duas televisões produzindo novelas adultas e uma produzindo conteúdo infantil”, comenta Felipe de Carolis. Ele destaca:
“Muita gente tem medo, porque aquela pode ser a única oportunidade da vida dela, e a pessoa não quer arriscar. Então, prefere ficar quieta. O artista não é um reprodutor de texto, apenas. É um observador da sociedade e um transformador de olhares. Quis mostrar que não há quem intervenha por nós, senão nós mesmos.”
+ Relembre a postagem feita por Felipe de Carolis e a repercussão do caso
Ao falar da necessária união da classe, ele cita o movimento #MeToo, que denunciou abusos em Hollywood, e a atual greve dos atores nos EUA, em busca de divisão justa dos lucros por direitos autorais, condições de trabalho sem assédio moral ou sexual e outras demandas.
“Isso é cultural, foi incrustado na gente, e a gente aceitava isso, achava isso normal. Se reclamasse, podia perder o emprego. Só que eu sempre fui o cara que falou: ‘Não, não aceito’. São pouquíssimas pessoas que se mexem em relação a isso, porque o mercado é muito pequeno. Têm medo de serem tidas como problemáticas em vez de serem enaltecidas como justas.”
Felipe de Carolis diz que ficou alheio à repercussão do relato
O assunto tomou uma grande proporção, mas Felipe de Carolis afirma que não acompanhou os comentários nas redes sociais. “Não vi nada, na verdade. Porque eu teria que procurar, botar meu nome no Google para ver o que estavam falando. Estou dentro da sala de ensaio 16 horas por dia. Minha assessora quase não consegue falar comigo”, explica.
“Não tenho a prática do Twitter, então não vi. Só tive uma grande amiga minha, muito famosa, que me mandou uma mensagem dizendo ‘Eu sabia dessa história, mas nunca tinha tido coragem de perguntar se era verdade, mas quero te dizer que estou do seu lado’.”
Ele conta: “Esse é um assunto que, dentro da minha bolha, todo mundo sabe o que aconteceu na época, há 14 anos. Toda a classe artística da minha geração sabe dessa história, então eu não precisava voltar nela. O que eu queria era gritar: ‘Atores, precisamos nos juntar’. Meu desabafo era: ‘Defendamo-nos’”.
Ator quase disse “não” para teste em Verdades Secretas
O ator lembra que quase recusou seu papel em Verdades Secretas (2015) por conta do episódio relatado. Ele estava em cartaz com a peça Incêndios, contracenando com Marieta Severo, quando recebeu o convite do diretor Allan Fiterman para fazer um teste. Em um primeiro momento, disse “não”, mas recebeu um alerta de um veterano ator.
“Eu era um jovem de 24 anos, muito traumatizado com a minha relação com a televisão e não queria mais. O Wagner Moura tinha ido assistir à peça no mesmo dia que o Alan e, ouvindo a nossa conversa, disse: ‘Que isso, Felipe? Como assim não vai fazer televisão? Você vai ser visto por 80 milhões de pessoas todos os dias’.”
Em seu desabafo no Instagram, ele citou brevemente Verdades Secretas 2, produzida pelo Globoplay em 2021. Ele voltaria a dar vida a Sam, um modelo que se torna dependente químico na primeira temporada, mas a escalação para a continuação da novela não foi adiante. Sobre esse projeto, ele resume:
“Fui convidado para fazer. Por questões além de mim, acabei não fazendo. Essa é a resposta objetiva que eu posso dar.”
O ator não descarta um retorno às novelas, mas pondera, por conta dos trabalhos em que está envolvido no teatro, inclusive no exterior: “Tenho o desejo de fazer mais audiovisual. Com os projetos que eu tenho hoje, assinar um contrato de 14 meses para fazer uma novela, acho que não vai acontecer. Pode ser que amanhã eu mude de ideia, mas, hoje, acho que eu não faria”.
Aos 34 anos, ele busca a pluralidade e foge de se encaixar em “gavetas”. “Não vou citar o nome da atriz, mas tem uma que fez muito bem uma personagem bipolar, com crises. Para sempre, estão chamando ela para fazer a maluquinha da novela. Tem outro que é sarado e, para sempre, é chamado para ser o gostoso bobão”, aponta.
Felipe faz peça que busca forma divertida de tocar em tabu
A partir deste sábado (5), Felipe de Carolis estará em cartaz com a peça Sedes no Teatro Glaucio Gill, no Rio de Janeiro. O texto é do premiado dramaturgo libanês-canadense Wajdi Mouawad. O elenco também tem Lucas Garbois, Fábio de Luca e Luna Martinelli. Com humor, drama e música, a montagem toca em um tabu: o suicídio.
O protagonista é um jovem inconformado com o comportamento do homem contemporâneo, pautado pelas aparências. “A palavra ‘suicídio’ até pouco tempo era proibida. Entretanto, é um tema que precisamos enfrentar, até no sentido médico”, comenta o ator.
“Na peça, esse assunto é tratado de forma muito divertida, a priori. Há algumas piadas com os questionamentos existenciais, o que torna o texto um pouco mais leve e engraçado. Até chegar em um determinado momento em que é preciso ‘emburacar’ na depressão daquele personagem.”
O espetáculo faz uma crítica de costumes: “Parece que as pessoas não perceberam que elas entraram num modo automático, de falta de tempo de olhar e ouvir umas às outras. O momento é de interesse na vida do outro só para o julgamento. Há um vórtex de validação no que deveria ser validação. Falamos basicamente sobre como o ‘cancelamento’ ser tão destruidor, a ponto de você não conseguir recuperar sua reputação por conta de uma mentira”.
Além de ator, Carolis também é produtor e idealizador da montagem. Ele ressalta que é a favor das leis de incentivos, mas optou por tocar o projeto com recursos próprios por conta das dificuldades do meio artístico nos últimos quatro anos, com o Governo Bolsonaro e a pandemia da Covid-19.
“As coisas estão começando a se desprender agora. Foram quatro anos de desespero, então vai demorar. E quero fazer com que minha geração seja relevante. Tenho muito respeito pelos instagramers e pelos tiktokers, mas também temos que ser lembrados pelo nosso teatro. É onde tudo começa.”
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