Entrevista exclusiva

Che Moais, o Carlão de Vai na Fé, celebra estreia em novelas: "Realização de um sonho"

Ator opina sobre religião, masculinidade tóxica e protagonismo negro na trama das 19h da Globo


Che Moais como Carlão na novela Vai na Fé
"O futuro do Carlão é de muito amor e superação", diz o ator Che Moais, de Vai na Fé - Foto: Globo/Camilla Maia
Por Walter Felix

Publicado em 31/01/2023 às 04:59,
atualizado em 31/01/2023 às 10:41

Nos anos 1980, enquanto assistia a Roque Santeiro (1985), o ator Che Moais achava que os atores viviam dentro da TV, crença comum entre as crianças da época. Já crescido, aos 44 anos, o mineiro de São Francisco faz sua estreia no veículo com um papel fixo e de grande destaque: o Carlão de Vai na Fé. “É a realização de um sonho”, diz, em entrevista exclusiva ao NaTelinha.

Com vasta experiência no cinema e no teatro, Che Moais já havia feito participações na TV, mas pela primeira vez conquista um personagem central em novelas. Os conflitos do Carlão de Vai na Fé com a esposa, Sol (Sheron Menezzes), levam o ator a reflexões sobre religião, machismo, masculinidade tóxica e protagonismo negro na TV – uma representatividade alcançada após décadas de luta.

Discreto, o artista também não hesita em responder perguntas sobre sua vida pessoal, mas se diz mais interessado em mostrar seu trabalho do que sua intimidade. “Quando vou para a essência do que eu faço, sou apenas um contador de histórias. Eu me preocupo em não deixar que a mídia chegue primeiro para que a verdade chegue pura e simples”, explica.

Leia a íntegra da entrevista com Che Moais, o Carlão de Vai na Fé

Entrevista: Che Moais realiza sonho como Carlão de Vai na Fé

NT: Você já teve experiências no cinema e no teatro. O que a estreia em novelas, com um personagem tão central em Vai na Fé, representa na sua carreira?

É a realização de um sonho. Sou noveleiro. A minha memória afetiva e televisiva começa com Roque Santeiro (1985). Tinha um pavor daquele lobisomem, lembro muito do Lima Duarte fazendo o Sinhozinho Malta. Depois, todo o histórico de outras novelas, como Top Model (1989), foi muito marcante. Trago essa memória da infância, da época em que eu achava que os atores moravam dentro da televisão. E, finalmente, me vejo nos Estúdios Globo participando desse sonho.

“Acho maravilhoso o diálogo direto com o público e essa adrenalina de estar em uma obra aberta. O futuro do personagem é vivo, como o de um ser humano qualquer.”

Che Moais

NT: A experiência no cinema ajuda o trabalho na TV, ou fazer novela é totalmente diferente?

A TV envolve uma produção maior, em alta escala. O cinema tem mais a questão do tempo, no cuidado nas filmagens. O José Wilker disse algo que achei genial: "Uma novela são dois ou três longas por semana". É exatamente isso que acontece.

O encontro das águas está na busca pelo personagem e pelo caminho que ele faz em cena, tanto pensando na luz quanto no corte, e nas pequenas histórias que cada cena vai contando para montar esse grande mosaico. Coloco o teatro nesse universo artístico como o útero, aquilo que gera o ator.

NT: Vai na Fé traz o protagonismo negro. As novelas têm tentado corrigir um erro histórico, pelo menos no elenco, em frente às câmeras. Falta muito para se atingir a equidade na televisão?

Estamos em um momento maravilhoso. Já se iniciou esse caminhar da representatividade, não só na frente das câmeras, mas também atrás. Tem muita gente da equipe de produção também nessa representatividade. Para mim, é um espelho. É poder me ver naquelas pessoas.

Como ator de cinema, falando de um cinema de guerrilha, de luta, de coletivo, há cinco meses, eu estava trabalhando em um filme tanto como ator quanto como assistente de produção. Conheço muito bem o por trás das câmeras.

“Claro, tem muito ainda a se percorrer e a se fazer em busca de um equilíbrio, tanto no audiovisual quanto no social brasileiro. Mas esse passo foi dado e está sendo cunhado com muita determinação, muita fibra e muito respeito.”

Che Moais

NT: Um ponto fundamental do seu personagem está na questão da masculinidade – talvez possamos falar até em uma “masculinidade tóxica”. Como você lida com esse tema?

Avalio de uma forma muito positiva. Fiz até uma publicação no Instagram outro dia em que digo que o Carlão é o meu herói, justamente nesse sentido. Ele teve um embate com a Jennifer [a filha interpretada por Bella Campos], e achei linda a discussão entre os dois, depois que o Carlão fala da Sol em um lugar de posse. Quando a filha diz ‘Não, ela não é sua’, ele engole seco.

A Bella tem feito a construção da Jennifer de uma forma muito linda, vem com muito objetivo e assertividade nessa desconstrução do pai. E realmente não é fácil. O Carlão é um homem que está no início do entardecer da sua vida. Acho maravilhoso que ele desconstrua 40 anos de vida com uma filha universitária, de 20.

“O Carlão é o meu herói porque entende essa situação, que o toca e o machuca, mas em algum lugar ele entende, consciente ou inconscientemente, que o caminho é a desconstrução, até porque vive em uma casa com quatro mulheres. Ora a desconstrução vem pela Sol, ora pela sogra, ora pelas filhas.”

Che Moais

NT: Esse diálogo entre o pai conservador e a filha progressista diz muito sobre a família de hoje.

Vejo muito dessa forma. O que me vem é Belchior: “O novo sempre vem”. E o novo tem que vir mesmo. Lembro de diálogos meus com meus pais, como tenho com meu filho João Pedro, que tem 22 anos.

Ainda nessa questão de ser "herói", o Carlão traz identificação com o motorista de aplicativo, de ônibus, o frentista, o garçom, o gari, pessoas que infelizmente são invisíveis para grande parte da população. Tenho muita alegria e felicidade de “conversar” com essas pessoas, levar alegria, essa desconstrução e essa refazenda para elas, que, inclusive, são a grande maioria da audiência das novelas e da TV aberta.

NT: O Carlão também traz uma abordagem sobre a precarização do trabalho. O que pode nos revelar sobre o destino do personagem?

Ele vai surpreender na luta e na desconstrução dentro dessa busca de uma nova versão de si mesmo. A grande motivação dele é a família, o amor pela família. Mesmo sendo um ex-lutador, um campeão estadual de boxe, a grande conquista dele é a família. Às vezes, vai para um ciúme, para uma toxicidade, mas o confronto e o diálogo que a família traz vai fazendo ele, como um bom boxeador, sofrer cada golpe e entender que a melhor forma de ganhar essa luta pela família é através do amor. O futuro do Carlão é de muito amor e superação.

Entrevista: Che Moais realiza sonho como Carlão de Vai na Fé

NT: Estamos falando sobre a família da ficção. Conte um pouco sobre a sua.

Tenho um filho e uma relação muito boa com a mãe dele. Estou nesse lugar agora: casado com o trabalho, com a vida, mas sempre pai, sempre parceiro da mãe do meu filho.

NT: Outro ponto central de Vai na Fé é a religião. Você tem uma religião? Como lida com esse tema?

Sou de formação católica. Dos sete sacramentos, só não casei na igreja. Em 2015, tive um momento de revisitação com meu ancestral preto. Eu tinha um incurso dos meus ancestrais, do meu bisavó que foi escravo, do meu pai que é de Minas, e da minha mãe que é Manaus e vem dos portugueses e dos indígenas do Peru. Sigo nesse momento de revisitação religiosa e hoje me encontro na umbanda.

“Acredito muito em uma fé plural. Já estive muitas vezes, e também por pesquisa, em cultos evangélicos. Gosto bastante, tem uma sinergia muito impactante. Mas quando volto para a umbanda é revisitação, é meu ancestral revivendo, se refazendo, insistindo e persistindo.”

Che Moais

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