Entrevista exclusiva

Ator não-binário de Elas por Elas fala sobre processo de retificação de gênero

Personagem de Gahbi será fundamental em reviravolta na vida de Renée

Gahbi está em Elas por Elas e na série Fim - Foto: Nathália Milen
Por Taty Bruzzi

Publicado em 06/11/2023 às 07:01:00,
atualizado em 06/11/2023 às 14:16:24

Conhecido no mercado das Artes Cênicas e no audiovisual como Gabriel Borges, ator de Elas por Elas, da Globo, e da série Fim, do Globoplay, mudou recentemente o seu nome artístico para Gahbi como parte do processo de transformações pessoais ao se entender e se identificar como não-binário.

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Intérprete do Polvílho no remake da emissora carioca, o artista foi a primeira pessoa não-binária a conseguir a retificação de gênero em uma ação judicial individual no Distrito Federal, uma conquista histórica que marca a sua trajetória na busca por um lugar no mundo, além de abrir portas para outros indivíduos transgêneros não-binários.

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"Isso impacta diretamente minha vida pela nova forma como vou me relacionar com as pessoas e promove mudanças na minha carreira, porque acredito que, quanto mais tomamos posse do que somos, mais abrimos caminhos profissionais", diz em entrevista exclusiva com o NaTelinha.

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NaTelinha: O Polvilho é seu primeiro papel na TV? Como surgiu a oportunidade?

Gahbi: Primeiro personagem e primeira novela. Antes, eu havia feito algumas participações na TV. Essa chance aconteceu de forma inesperada e só foi possível abraçá-la por conta da minha trajetória de 13 anos de carreira, me senti preparado. A oportunidade para o papel surgiu de um encontro lindo no teatro. Eu e minha mãe, Vera Adelaide, fomos ao espetáculo "Vocês Foram Maravilhosos", do Marcos Veras, no último dia da temporada no teatro do Jockey, no Rio. Quando a peça terminou, ficamos para cumprimentar o Marcos e a Amora Mautner estava lá. Eu sempre fui fã do trabalho dela, assistia tudo que ela dirigia e tinha o sonho de trabalhar com ela, mas fiquei tímido, sem jeito de falar com ela. Daí, eu estava conversando com a Rosanne Mulholland, vi que minha mãe tinha sumido e quando a avistei, ela estava no maior papo com a Amora. Fui até elas e brinquei dizendo que até 2025 faria uma novela dela. Ela me respondeu, certeira, com: “Por que não faz a próxima?”. Acho que as energias se sincronizam. Trocamos contato. Seguimos em diálogo, também com a Zoe Guglielmoni, assistente de direção da novela, e com a Dani Pereira, produtora de elenco. Era a oportunidade de fazer um teste pra Elas Por Elas, fiz e deu certo!

NaTelinha: Seu personagem será fundamental para Renée se reerguer?

Gahbi: O Polvilho é o braço direito e também o porta-voz do drama que tomou conta da vida da Renée [Maria Clara Spinelli]. Ele trabalha há anos na padaria Estelar, de dona Renée e seu Wagner [César Mello] e, além de funcionário, é um entusiasta dos deliciosos sonhos que a patroa faz. Por ter muitos anos de casa, sente-se um pouco gerente do estabelecimento e, na ausência dos patrões, é quem coloca ordem na padaria e nos outros funcionários. Ele é astuto e observador, presta atenção na movimentação e em tudo o que é dito ali naquela padaria de Niterói. Por isso que já sabia que o Wagner estava com problemas financeiros, só que o patrão o impediu de contar, além de ser testemunha da fuga por tê-lo visto saindo com os móveis da casa sem mais explicações. Além do lado profissional, Polvilho tem um carinho e uma empatia muito grande pela família de Renée, sendo um amigo fiel de todos eles. Só que quando a padaria fecha e a Renée segue com os filhos pra casa da irmã, o Polvilho sai de cena. Sabemos que ele retornará na reviravolta da Renée e a ajudará nesse plot twist. Vejamos as cenas dos próximos capítulos.

NaTelinha: Quando você se identificou como pessoa não-binária?

Gahbi: Essa identificação é fruto de um processo da vida toda. Ser bicha afeminada é não possuir nem a possibilidade de sair do armário. Era um armário de paredes e portas de vidro, bem transparente. Então, existir por si só já é “botar a cara no sol”. Sofri violência física, verbal e assédio moral antes mesmo de entender o que eu era. Acho que a arte, especialmente o teatro, me ajudou muito a entender os múltiplos EUs que podemos ser. Minha montação Drag Queen tem a ver com performance e criação artística, não é uma identidade de gênero. Entretanto, a existência de signos masculinos e femininos convivendo em mim colocou em cheque a qual lugar pertenceria no mundo. A experiência como artista transformista é muito importante, monto a Gabriela Pimentel desde 2011. Acho que ela despertou a feminilidade que há em mim num lugar de força, coragem e resistência. Em 2021, entrei pra oficina Impacto das Montadas de arte drag queen e transformista, ministrada pela Mackaylla Maria [Vinicius Santana], que me permitiu conhecer e conviver com pessoas cis, trans binárias e não-binárias, travestis e de sexualidades diversas. A partir dali, mergulhei nos estudos queer, sociais, filosóficos e históricos. Junto a isso, na Internet eclodiu essa nova menção de gênero como Não-Binárie, derivado do Queer, que pode ser um termo guarda-chuva, contemplando diversas identidades. Assim, me comunicando com outras pessoas que se identificavam dessa forma, fui me entendendo. Daí, rolou a certeza e identificação como Transgênero Não-Binárie. Acredito que a troca com pessoas trans, saber das histórias de vida, desafios, incertezas, inseguranças e também potencialidades me mostrou histórias e sentimentos parecidos com os meus.

NaTelinha: Você entrou com ação judicial para a retificação de gênero. Foi difícil esse processo? O que mudou na sua vida de lá pra cá?

Gahbi: Foi difícil, sim. Ser não-binário não é só uma modinha ou tendência atual. Essas pessoas não surgiram apenas recentemente, elas existiram em várias partes do mundo ao longo da história da humanidade. Talvez, algumas pessoas tenham essa impressão de que é algo contemporâneo porque, na verdade, mais pessoas estão se sentindo à vontade para tornar essa informação pública ou porque as redes sociais, internet no geral, expõe mais amplamente a existência de nós, indivíduos não-binários. Procurei por alguns advogados, todos homens hetero-cis. A maior parte deles não compreendia ou descredibilizava o desejo da mudança de gênero. Saí pesquisando e encontrei a Cíntia Cecilio, no Instagram, como presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB-DF. Conversamos, ela me colocou as possíveis implicações previdenciárias e em outros setores. Sabíamos que era uma ação pioneira e que as batalhas não seriam tão simples. Não foram simples mesmo. Houve mudança de vara, encaminhamento pro Ministério Público, discussão diante da ideia de patologizar diferenças de gênero e sexualidade, uma questão já resolvida pela OMS. Ainda há muito preconceito mascarado de burocracia.

NaTelinha: O que mudou na sua vida de lá pra cá?

Gahbi: Preciso dizer que essa conquista só foi possível graças ao apoio, incentivo e ação da minha mãe, Vera Adelaide, e da minha amiga e advogada nesse processo, Cíntia Cecilio. Minha vida mudou diante dessa nova possibilidade de haver um lugar no mundo pra mim. Isso impacta diretamente minha vida pela nova forma como vou me relacionar com as pessoas e promove mudanças na minha carreira, porque acredito que, quanto mais tomamos posse do que somos, mais abrimos caminhos profissionais.

O NaTelinha divulga todos os dias os resumos dos capítulos, detalhes dos personagens, entrevistas exclusivas com o elenco e spoiler da novela Elas por Elas. Confira!



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