A Força do Querer

Carol Duarte fala sobre Ivana e destaca importância de trama "num país que mais mata transexuais"

Em entrevista exclusiva, atriz conta seus preparativos e desafios para viver uma transexual


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Globo/Mauricio Fidalgo

Intérprete da Ivana em “A Força do Querer”, Carol Duarte atravessa um grande momento em sua carreira. A atriz de 25 anos, que já acumula 10 de carreira, passou pela Escola de Arte Dramática da USP, em São Paulo, e atuou em peças de teatro antes de fazer sua estreia nas telinhas e direto para uma novela das 21h - a atração mais vista do Brasil.

O fato de conquistar o primeiro papel na TV em uma novela das nove, por si só, já chama grande atenção. Carol, no entanto, tem a responsabilidade de carregar um tema até então inédito nas novelas brasileiras: a transexualidade - ou seja, um indivíduo cuja identidade de gênero difere daquela que foi constatada no nascimento.

Sua personagem, Ivana, sente-se estranha no corpo de uma mulher, pois se vê como homem, tem hábitos menos refinados e receio de relacionamento sexual.

Apesar do risco de rejeição que a Ivana poderia ter, Carol vem sentindo o comportamento oposto nas ruas: “As pessoas estão torcendo muito pela Ivana (...) Outras pessoas vêm me dizer que estão muito felizes por esse tema estar na novela das 21h”.

O NaTelinha conversou com Carol Duarte, que contou um pouco sobre seu momento de carreira, nos preparativos para personagem, a repercussão nas ruas e outros trabalhos em vista.

Confira:

NaTelinha - "A Força do Querer" já está em cartaz há quase dois meses. Como você tem sentido a repercussão da Ivana? O que as pessoas dizem?

Carol Duarte - As pessoas estão torcendo muito pela Ivana, estão especulando como ela pode parar de se angustiar, de sofrer tanto, querem que ela seja feliz. Outras pessoas vem me dizer que estão muito felizes por esse tema estar na novela das 21h.

A violência que as pessoas trans são expostas é brutal. Já passou da hora de nós enquanto sociedade destruirmos esse índice

Carol Duarte

NaTelinha - Ao longo desse tempo no ar, várias cenas marcaram o folhetim, como quando a Joyce (Maria Fernanda Cândido) negou que a filha estivesse no Brasil para uma jornalista e quando ela tentou se relacionar com o namorado em uma viagem. Como é, para você que é estreante nas novelas, trabalhar com um texto tão denso e com uma personagem polêmica?

Carol Duarte - Apesar de eu ser estreante em novela tenho uma trajetória no teatro, estudei e acho que isso me dá base para fazer a Ivana que tem conflitos muito densos. Claro, é um desafio e eu estou aprendendo muito, porque TV e teatro são linguagens muito distintas.

Acho que o ator também nunca para de estudar, de descobrir novas coisas, de estar diante de grandes desafios e sem saber por onde começar. Mas tive uma preparação intensa antes de começar a gravar. Fiz os testes pra essa personagem em abril de 2016, então estou envolvida faz um tempo nesse trabalho. Eu sabia que a Ivana deveria ser muito bem construída, ainda mais pensando no Brasil, que é o país que mais mata transexuais. A responsabilidade é grande, por isso que a minha preparação e estudo tinham que ser intensos.

NaTelinha - "A Força do Querer" estreou em abril mas desde setembro já se sabia que você daria vida a uma transexual. Como foi essa seleção?

Carol Duarte - Em abril de 2016 eu fui chamada para fazer os testes para a personagem. Fiz um teste em São Paulo com a produtora de elenco da novela, Rosane Quintaes, e depois os outros foram todos no Rio de Janeiro com a Gloria Perez (autora) e o Rogério Gomes (diretor). Foram muitos testes, durou cerca de um mês o processo todo.

NaTelinha - Você chegou a conversar com pessoas ou famílias que lidam com um contexto parecido com o da Ivana? Como construiu a personagem?

Carol Duarte - Claro, conversei com muitas pessoas trans, mais homens do que mulheres. Todas as histórias que eu tive contato foram muito importantes, quis ouvir algumas histórias, para que a Ivana pudesse de certa forma ser construída a partir dessa pluralidade, porque eu sabia que depois a Gloria Perez ia conduzir a singularidade da história da personagem.

Eu ouvi muitas histórias de homens trans, e em cada um o corpo, o jeito de mover as mãos, as risadas, os tempos, os silêncios, as pausas me contavam mais do que qualquer texto. Eu fui pega por esses detalhes, de alguém que tenta dar conta com as palavras de uma experiência tão profunda e nessa tentativa acaba falando quando não está soltando uma palavra da boca.

Também vi muitos vídeos na internet de pessoas trans que estão fazendo a transição agora. Eu acompanho alguns canais há um tempo, e eles falam sobre suas sensações, sobre as descobertas, as depressões, as conquistas, as modificações, os pormenores do cotidiano são muito ricos. Eu vi também alguns filmes que tratam do tema, entre eles "Meninos não choram", "Tomboy", tem uma série chamada "Transparent" muito interessante, além de alguns livros que olham para essa questão de gênero, trans em diversas perspectivas.

NaTelinha - A Ivana é uma das personagens mais aguardadas da novela - tanto que você está escalada desde o ano passado. Como encara essa responsabilidade de não decepcionar o público?

Carol Duarte - É uma responsabilidade mesmo, mas não fico pensando em não decepcionar o público, estou focada em fazer a Ivana o melhor possível, de maneira a revelar as dificuldades, agonias, em caminhar com ela delicadamente, para que a descobertas da personagem sejam divididas com o público.

NaTelinha - Você é estreante nas novelas e já trabalha diretamente com o primeiro time da Globo, com atores como Maria Fernanda Cândido, Dan Stulbach, Lília Cabral, Humberto Martins, entre outros. Como é atuar com eles? Existe troca de experiências?

Carol Duarte - Eles todos são atores há muitos anos, antes mesmo de eu me imaginar atriz, então aprendo muito vendo eles que têm um domínio da linguagem da TV enorme. Me dão uns toques de vez em quando! A troca de experiência é inevitável, e é muito interessante observar como cada um resolve a cena, como lida com o dia-a-dia da novela, porque gravamos muito. Fico muito feliz mesmo de estar vivendo tudo isso e trocando experiência com essas pessoas!

NaTelinha - Como é a sua relação com a autora Gloria Perez e os diretores Rogério Gomes e Pedro Vasconcelos?

Carol Duarte - Muito boa! Acho que estamos muito afinados quando se trata da Ivana, caminhamos juntos. Eles também estão me ensinando bastante, é uma honra pra mim estar com essas três pessoas que eu admiro e respeito.

NaTelinha - Ivana está descobrindo sua natureza aos poucos e está chegando o momento dela se ver transexual. O que o público pode esperar dessa virada e qual importância você vê nessa trama?

Carol Duarte - Eu não sei dizer muito como vai ser, porque a Gloria Perez que está conduzindo e sabe tudo. Sobre a importância da trama, é inegável que ela exista por se entrar na casa das pessoas falando sobre a questão trans num país que mais mata essa comunidade.

Espero que a novela seja uma faísca para que as pessoas busquem informação, porque muitas vezes o preconceito vem da falta de conhecimento, para que as pessoas revejam seus conceitos, para contribuir com a luta trans que há tanto batalha por direitos e contra a transfobia.

A violência que as pessoas trans são expostas é brutal. Já passou da hora de nós enquanto sociedade destruirmos esse índice do país mais perigoso para uma pessoa LGBT viver. É inadmissível que fechemos os olhos pra isso, eu acho ótimo a novela lançar o olhar sobre o tema, porque é necessário, é urgente apoiarmos a luta trans, porque isso também nos diz respeito.

NaTelinha - Você teme ficar marcada de alguma forma como a Ivana? Estaria pronta para uma rejeição do público, que não é algo incomum das novelas?

Carol Duarte - Não tenho medo de ficar marcada pela Ivana, tenho vontade de fazer muitas coisas ao longo da minha carreira, acho que a Ivana tem uma importancia muito grande na minha vida, como também para o grande público que está me conhecendo agora, mas muitos outros personagens virão. Sobre rejeição, sempre há essa possibilidade, mas não fico pensando nisso, eu estou bem focada em me dedicar a contrução da Ivana, em estudar todo esse universo.

NaTelinha - Apesar do pouco tempo no ar, você tem gostado de fazer novelas? Pretende continuar no gênero após o fim de "A Força do Querer"?

Carol Duarte - Eu tenho experimentado muitas coisas novas, estou gostando muito porque é uma coisa muito diferente de tudo que eu fiz, a relação com a câmera, o ritmo, ser uma obra aberta, viver por tanto tempo uma personagem e cada dia ter um cena nova, enfim. Eu estou muito feliz!

Sobre continuar ou não vai depender do que virá depois da novela, eu quero fazer coisas que me movam, me interessam, e claro, ficaria feliz em continuar no gênero.

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