Bem intencionada, "Os Dias Eram Assim" não traz nada de novo ao front da ditadura
Publicado em 17/04/2017 às 23:50
Coreia do Norte exibindo seu arsenal bélico em desfile militar, potências econômicas esbravejando entre si, grandes manifestações na rua protestando contra o governo enquanto outra parcela da população teme um suposto comunismo. Os acontecimentos recentes fazem crescer a sensação de futuro repetindo o passado, como diria o profético Cazuza. É por isto que a estreia da nova "supersérie das 23h" da Globo, “Os Dias Eram Assim”, tem um ar também de profecia obscura.
Escrita por Ângela Chaves e Alessandra Poggi, colaboradoras de tramas de Gilberto Braga e de Manoel Carlos que estão pela primeira vez em trabalho solo, a trama apresenta a tradicional história de amor proibida entre dois jovens, mas ambientada no auge da ditadura militar. Estreia que aconteceu primeiro no aplicativo Globo Play para assinantes, mas que a coluna analisa seguindo a exibição pela TV nesta segunda-feira (17) pelo veículo atingir um público maior.
Não é coincidência que “Os Dias Eram Assim” traz para a memória do telespectador a série “Anos Rebeldes”, exibida pela emissora carioca em 1995 e que retratava um romance entre os personagens de Cássio Gabus Mendes e Malu Mader no mesmo período histórico como pano de fundo, da autoria de Gilberto Braga.
A exemplo de Alice (Sophie Charlotte) e Renato (Renato Góes) em 2017, o casal dos anos 90 é formado pelo binômio rapaz revolucionário/moça burguesa, sendo o obstáculo no enredo de Chaves e Poggi a estreita ligação do pai de Alice, o magnata Arnaldo (Antonio Calloni, sem economizar toda a sua experiência na tela) com o alto escalão militar para se envolver no atualíssimo esquema de corrupção que alimentava (ou alimenta?) construtoras graças às obras faraônicas do governo.
O par romântico se conhece no dia da conquista do tricampeonato da seleção brasileira contra a Itália, quando uma comemoração de rua se torna uma repressão do exército, e de supetão a trama apresenta uma cena sangrenta de tortura.
Aliás, neste primeiro capítulo, não faltaram passagens de impacto: parto dramático, ataque à bomba, a personagem de Charlotte exibindo a nudez ao noivo careta (interpretado por Daniel de Oliveira).
Embora use recursos deliciosamente espertos para engajar o telespectador no clima da época, como a trilha sonora repleta de Elis Regina, o diálogo enviesado no primeiro encontro entre Renato e Alice filmado à moda dos filmes vanguardistas europeus dos anos 60, e o close beirando o gozo de Arnaldo assistindo à sessão de tortura, “Os Dias Eram Assim” não consegue manter a ousadia.
A direção de Carlos Araújo (“Sangue Bom” e “Velho Chico”) conta a história com firmeza, mas em um formato limpo, certinho, em contraste às produções recentes da Globo no horário.
Muitos diálogos escorregaram no didatismo revolucionário, além do excesso de cenas de arquivo e a intrusão da ótima trilha sonora sem contexto jogarem a trama na repetição, não trazendo nada de novo desde “Anos Rebeldes” que, ao explorar gradualmente a escalada de violência ditatorial sem entregar o período histórico de forma desesperada, se tornou uma obra marcante.
Mesmo com as melhores intenções e amadurecimento de 2017, "Os Dias Eram Assim" se mostrou tão conservadora quanto a camisa polo de Daniel de Oliveira.
Ariane Fabreti é colunista do NaTelinha. Formada em Publicidade e em Letras, adora TV desde que se conhece por gente. Escreve sobre o assunto há oito anos.