"O Outro Lado do Paraíso": terapia de choque na violência contra a mulher e no preconceito
Texto, trama e direção se mostram unidos e afiados
Publicado em 11/11/2017 às 17:19
Clara (Bianca Bin) nada sabe da vida e mantinha uma inocência das maldades do mundo. Ao conhecer Gael (Sérgio Guizé), acreditou ter encontrado seu destino feliz. Estuprada na noite de núpcias, humilhada em jantares e espancada durante inúmeras crises de ciúme, a mocinha de “O Outro Lado do Paraíso” nota que nem tudo é o que parece, conhecendo o lado amargo da vida.
Essa é a história apresentada nestes primeiros capítulos da novela escrita por Walcyr Carrasco, exibida às 21h pela Globo. Em nova parceria com o diretor Mauro Mendonça Filho, o Maurinho, Walcyr já trouxe de imediato a discussão sobre violência contra a mulher em um tempo que estes casos ganham destaque na sociedade. No Brasil, segundo pesquisa do Datafolha divulgada em março deste ano, estima-se que em 2016 uma em cada três mulheres sofreram algum tipo de agressão no país.
A trama do horário nobre tem uma aura pesada por natureza. Vimos o início do calvário de Clara, mas ainda vem mais sofrimento por aí, com a armação da vilã Sophia (Marieta Severo), que trancará a mocinha num hospital psiquiátrico durante dez anos.
O texto de Walcyr continua apresentando o mesmo estilo: cru, sem sutileza, abusando de um realismo (sim, sabemos que esse tipo de diálogo é reproduzido nas ruas, não sejamos hipócritas) e se distanciado de poesias. Por vezes, soa didático ou infantil, a exemplo da repetição constante de termos como “esmeralda”.
Nanismo e Racismo
Nesse começo da trama, chama atenção a história de Estela (Juliana Caldas), filha rejeitada de Sophia por ser anã. Durante anos foi exilada pela mãe na Suiça, que custeou a vida da cria só para deixar a “vergonha” da família distante dos olhares da sociedade de Palmas, a capital do Tocantins.
Estela retorna ao Brasil e Sophia continua fazendo de tudo para que ela não apareça em público. O preconceito é apresentado sob duas óticas. A da mãe, que mesmo afirmando amar a filha, a chama de “monstrengo” e “coisinha” pelas costas, recusa-se a apresentá-la aos amigos e, mesmo tendo dinheiro, não quer gastar recursos para adaptar sua casa.
A outra visão do preconceito vem da sociedade, a partir dos comentários maldosos carregados de “boas intenções” de personagens como Nádia (Eliane Giardini) e Lorena (Sandra Corveloni).
É impossível não se compadecer com Estela. A atriz está segura no papel. Os comentários angustiados da personagem sobre a história da Branca de Neve tocam o telespectador, que sofre junto a cada fala maldosa que surge sobre ela.
Ainda sobre Nádia, recorre a questão do racismo. As cenas em que ela se enerva com a possibilidade do filho namorar com sua empregada, Raquel (Erika Januza), negra e quilombola, dão asco a quem assiste.
A direção de Mauro Mendonça Filho é singular. O diretor sempre opta por um viés artístico, mas com certo pé no chão - diferente de Luiz Fernando Carvalho, por exemplo, que cai sempre de cabeça no experimental. Cenas simbólicas reforçam momentos de impacto, como por exemplo, durante e após o abuso de Clara na noite de núpcias, vimos uma sequência da personagem vestida de noiva se afogando nas águas do Tocantins. Quando Estela desabafou com a empregada da casa sobre a vida, vimos a moça caracterizada como um palhaço triste, ligando ao estigma do anão de circo.
A novela está tomando um caminho de terapia de choque no público com temas sérios. E vem mais polêmica por aí, com o autor pretendendo abordar pedofilia, alcoolismo e depressão. Resta esperar saber como essas histórias serão conduzidas sem causar rejeição, a exemplo de tramas polêmicas como “Torre de Babel”, de Silvio de Abreu, e “Babilônia”, de Gilberto Braga.