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"Sol Nascente" com cara ocidental: porque a polêmica não é gratuita

Estação NT


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Divulgação/TV Globo

Zapeando pela Netflix, quem optar por assistir à série “Marco Polo”, produzida pela própria empresa, encontrará um detalhe curioso.

O cartaz da série traz apenas a imagem de Kublai Khan, imperador da Mongólia, interpretado por Benedict Wong, ator britânico de ascendência chinesa.

Em diversas cenas da primeira temporada, o mercador italiano é espectador das intrigas e costumes da realeza mongol no século 13, dividindo o protagonismo junto aos personagens de origem asiática, ainda que seja ele a batizar a série.

Abaixo do Equador, a novela das 18h lançada pela Globo há menos de um mês, “Sol Nascente”, colhe críticas antes mesmo da estreia, por apresentar, como um dos protagonistas, um ator ocidental (Luís Mello) no papel de Tanaka, empresário japonês.


Benedict Wong como o imperador da Mongólia em "Marco Polo"

Com a trama já no ar, as críticas se incendiaram após as declarações do seu autor, Walther Negrão (que divide o texto com Suzana Pires e Júlio Fischer) à imprensa: não havia encontrado um bom ator japonês para interpretar o personagem. Antes, a atriz Daniele Suzuki havia sido escalada para ser a mocinha Alice, sendo substituída por Giovanna Antonelli, ainda que Suzuki tenha gravado algumas cenas.

É neste ponto que “Marco Polo” e “Sol Nascente” se encontram, mesmo que separadas pela geografia e pelo idioma. Em comum, as duas tramas têm produções caprichadas, retratos de culturas orientais e certas licenças poéticas em nome do didatismo (na série da Netflix, todos os mongóis falam inglês). Mas são as diferenças que tornam ambas um espelho do consumo de teledramaturgia atual, tanto em termos de roteiro quanto de recepção.

O incômodo em “Sol Nascente” não está apenas nas falhas do seu enredo, que, aliás, vêm derrubando a audiência conquistada pela antecessora (“Êta Mundo Bom”). Como a falta de ganchos convincentes entre os capítulos e os personagens rasos (Antonelli incorporando novamente a mocinha boa-praça, Bruno Gagliasso interpretando o bad boy apaixonado por ela, em cenas constrangedoras de amor platônico), a falta de sutileza nos estereótipos (o núcleo italiano exclama “amore mio” o tempo todo, os orientais parecem sempre espantados com algo).

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Mas sim, este incômodo vem de a trama não entregar o que promete, isto é, tentar a integração entre culturas diferentes, e no fim, mostrar os personagens japoneses (o padrasto e os primos postiços da protagonista) como meros avatares, sem tramas próprias, guiados pela sorridente personagem ocidental, ao contrário do que acontece em “Marco Polo”, que já caminha para a segunda temporada.

Em uma época na qual as histórias contadas apenas por ocidentais são questionadas, é decepcionante ver que, na novela, o Japão será somente um pano de fundo para o encontro de Alice e César (Rafael Cardoso), por exemplo. Atores ocidentais com aparência europeia interpretando outras etnias no cinema e na TV não são novidade desde que estes dois veículos foram criados.

O problema está, mais especificamente em “Sol Nascente”, ao negar que personagens contem as histórias de suas próprias etnias, problema que o Brasil, país tão mestiço, ainda não entendeu.
 

Ariane Fabreti é colunista do NaTelinha. Formada em Publicidade e em Letras, adora TV desde que se conhece por gente. Escreve sobre o assunto há sete anos.

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