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Homenagem da Globo aos seus jornalistas trata a memória como produto de TV

Estação NT


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Fotos: Divulgação/TV Globo

Galvão Bueno narrando o recorde olímpico do atleta João do Pulo enquanto as imagens passavam na tela atrás de si, Ilze Scamparini com lágrimas nos olhos ao relembrar a cobertura do acidente radioativo com Césio-137 em Goiânia, e distante do Chacrinha intelectualizado que encarna à frente do “BBB”, Pedro Bial relembra a sua reportagem sobre a queda do Muro de Berlim.

Desde segunda-feira (20), como parte da comemoração dos seus 50 anos, a Globo exibe, dentro do “Jornal Nacional”, programas especiais que reúnem a nata de sua equipe jornalística em uma espécie de retrospectiva das coberturas mais marcantes realizadas pelo canal, sendo duas décadas abordadas a cada dia.

Comandados por William Bonner em um estúdio montado especialmente para a ocasião, os programas têm a clara missão de despertar na audiência uma memória afetiva em torno da emissora, dos seus repórteres e âncoras, muitas vezes acusados de serem frios leitores de teleprompters, engessados no chamado padrão de qualidade da casa.

Posicionados frente a frente no balcão em caracol, profissionais como Ernesto Paglia, Sandra Passarinho, Glória Maria, Luiz Fernando Silva Pinto, Caco Barcellos, Orlando Moreira, Fátima Bernardes, Tino Marcos, Renato Machado e Heraldo Pereira, além dos já citados Bueno, Bial e Scamparini, trocam confidências e elogios, têm momentos nostálgicos, se descontraem, improvisam, mudam de postura e de voz diante de suas personas mais jovens e inexperientes resgatadas dos arquivos.

O clima de encontro entre colegas funciona até o programa cair no vício da autopropaganda, tão enraizado na própria Globo quanto certos tropeços no didatismo.

A espontaneidade se quebra nas frases ensaiadas ditas aqui e ali, que passariam sutilmente se não fosse pelos efeitos gráficos jogando parte delas em destaque na tela. “Ser jornalista é ser cidadão”, “assistir a História”, “ética e transparência” saltam como slogans prontos, e reduzidos a personagens de quadrinhos das próprias histórias, os jornalistas se desumanizam, indo contra a maré daquilo que os reúne ali.

No equilíbrio entre fatos e ficção, corda bamba na qual a prática do jornalismo sempre caminha, a retrospectiva da Globo também expõe o desconforto da emissora com um dos episódios mais nebulosos da sua trajetória. Bonner admitiu, pela primeira vez, ser um erro a mudança no texto do “Jornal Nacional” em 1984, em que o âncora Marcos Hummel (hoje na Record) anunciava o famoso comício das Diretas Já em São Paulo como festa de aniversário da cidade, e espanou demais considerações sobre o assunto convidando o público a acessar o site do canal.

Freando as livres memórias de seus jornalistas, as tratando como reportagens, possíveis de serem recortadas de forma artificial em uma sala de edição, o jornalismo da Globo, nestes 50 anos, dificilmente se livrará da fama de mais esconder do que esclarecer.


Ariane Fabreti é colunista do NaTelinha. Formada em Publicidade e em Letras, adora TV desde que se conhece por gente. Escreve sobre o assunto há sete anos.


 

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