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Raio-X de "Em Família": os motivos para o fracasso


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Última novela de Manoel Carlos não deixará saudades - Fotos: Divulgação/TV Globo

Em Família” chega ao fim com a audiência mais baixa da história no horário das 21h da Globo: 29 pontos de média geral e 35 no último capítulo, segundo dados prévios do Ibope na Grande SP.

E não foi à toa.

O autor Manoel Carlos, que é conhecido por sempre inserir bons diálogos, conflitos e Bossa Nova nas suas tramas sem a presença de um didatismo pueril ou pieguice, sempre construiu personagens humanos, e acabou se despedindo das telenovelas com um produto que não vai deixar saudades.

Quem se acostumou com histórias de ritmos alucinantes, personagens caricatos e características extremistas dos personagens, certamente é um pouco avesso às obras de Manoel Carlos, que é caracterizado por escrevê-los de uma maneira que ninguém seja mau ou bom na sua plenitude. Aliás, a falta de vilões (ou a de heróis) sempre foi alvo de reclamações de grande parte dos fãs de telenovelas e é uma das razões para se explicar o fracasso colossal que “Em Família” se tornou.

Maneco tinha uma boa sinopse na mão. Uma história atraente, que poderia seduzir o telespectador. Na espinha dorsal, um amor eterno entre primos que não se cumpre graças ao ciúme doentio de Laerte (Guilherme Leicam), que, numa briga com Virgílio (Nando Rodrigues) e num ato de fúria e impensado, acaba por enterrá-lo vivo, o que comprometeu seu casamento com Helena (Bruna Marquezine) e saiu diretamente do altar para a cadeia, acusado de tentativa de homicídio.


Laerte brigando com Virgílio: História que não decolou
 

Helena (Júlia Lemmertz) e Virgílio (Humberto Martins), então, se casaram. 20 anos depois, Luiza (Bruna Marquezine), filha do casal, se apaixonaria pelo homem da vida de sua mãe, que desgraçou sua família naquela época.

Esse é um ponto de partida bastante interessante, e parte do pressuposto de que o autor conseguiria, com toda sua experiência, conduzir a trama da melhor maneira possível. Coisa que não aconteceu. Mas, vamos por partes.

A começar pela escalação dos atores na terceira e última fase de “Em Família”, que foram inverossímeis. Não é nada crível escalarem Natália do Vale como mãe de Júlia Lemmertz tendo apenas 10 anos de diferença (61 e 51 anos, respectivamente). Enquanto isso, Humberto Martins, esposa de Júlia na trama, tem 53 e Gabriel Braga Nunes, o escolhido para dar continuidade à Laerte, com apenas 42. Idades contrastantes. Incrédulo.

Como Laerte envelheceu tão menos que Virgílio e Helena? A explicação mais plausível seria de que seu personagem envelheceu menos que os outros dois, porque ele supostamente sofreu menos. Ainda assim, não explica tamanho contraste.


O tempo foi bastante generoso com Laerte
 

Com o desenrolar da novela, a paixão de Luiza e Laerte foi ganhando corpo até chegar ao ponto que não puderam mais esconder o que estava acontecendo. E é aí que o folhetim se perdeu completamente, num show beirando o insuportável com diálogos repetitivos à exaustão protagonizados por Luiza, Virgílio, Helena e Laerte. Os conflitos eram os mesmos, as falas, reclamações, frases feitas... Isso é compreensível numa telenovela com 8 ou 9 meses de exibição (quando ganha aquilo que chamamos de ‘barriga’), mas numa obra com apenas 5 meses e tendo Manoel Carlos como escritor, sinceramente, é algo inaceitável.

Maneco deu uma entrevista recentemente ao jornal O Dia e se demonstrou desinformado sobre algumas questões como: a audiência que “Em Família” perdeu no horário das 21h e a rejeição do casal Clara (Giovanna Antonelli) e Marina (Tainá Müller). Não sei se o novelista vive numa bolha, se realmente não sabia de nada, mentiu por algum motivo na entrevista, ou não deu trela para as críticas, porque essas duas questões foram amplamente noticiadas nos meios de comunicação, inclusive aqui no NaTelinha, e a rejeição do casal lésbico tomou conta das redes sociais e do público da novela.

A rejeição do casal lésbico

Isso já foi dito por este espaço há alguns dias, mas volto a repetir: enquanto em “Amor à Vida” o público torcia por um beijo gay no final entre Mateus Solano e Thiago Fragoso, o mesmo não aconteceu agora porque são duas histórias completamente diferentes.


Romance foi criticado, mas Manoel Carlos deu continuidade
 

Clara tinha um marido com uma doença no coração e um filho. Formavam aquelas famílias de comercial de margarina, até que chegou Marina e bagunçou tudo. Muitos pegaram birra e a viam como uma destruidora de lares. Mesmo diante dos comentários negativos, Manoel Carlos fechou os olhos e as duas terminaram juntas.

O ex-marido de Clara, no entanto, se deu bem, aceitando demoradamente (mas aceitando) a condição dela e ficando com Verônica (Helena Ranaldi).

Ausência de humor

Toda boa novela é farta de um núcleo cômico eficiente. “Em Família” teve na Casa de Repouso, entre os moradores da melhor idade uma boa válvula de escape, mas o autor não soube aproveitar e fizeram apenas figuração, com passagens não muito empolgantes. Hora ou outra alguma coisinha, mas nada realmente que possa ser destacado por aquelas bandas.

Shirley (Viviane Pasmanter) era vista também com grande potencial para dar um toque de humor à trama com seu estilo debochado e perverso. Não aconteceu.

Vilões em potencial

Shirley, além de postulante ao núcleo cômico, também era cotada para começar a aprontar todas, o que também não aconteceu. Ficou naquele vai não vai, e acabou não fazendo nada pelo seu grande amor, ao não ser proferir meia dúzia de frases de efeito que nada resultavam.

Branca (Ângela Vieira) talvez tenha sido quem mais se aproximou do título de vilão. Aprontou algumas para seu ex-marido Ricardo (Herson Capri). Quando as coisas estavam começando a ficar empolgantes, ela recuou e desistiu, desapontando todos aqueles que curtem um bom vilão.

Banalização

Confesso que uma história paralela me chamou bastante atenção: a forma com que Alice (Érika Januza) entrou na polícia. Tudo sem a menor burocracia e de forma rápida. Num curto espaço de tempo, já estava tendo experiências em operações policiais de alto risco. O que dizer?

Buraco

O folhetim teve um buraco um tanto quanto curioso. Antes da Copa do Mundo começar, os alunos do Galpão Cultural discutiam sobre a possibilidade de Laerte colocar telões para assistirem aos jogos por lá. Capítulos depois passaram-se meses, Juliana (Vanessa Gerbelli) ficou com barriga e a Copa do Mundo ainda não havia terminado na novela.

O que deu certo?

Dá para se destacar o bom núcleo de Juliana e seus “dois maridos”, Nando (Leonardo Medeiros) e Jairo (Marcelo Mello Jr.). A luta de Juliana para ter a guarda de Bia (Bruna Faria) foi envolvente e roubou a cena. A personagem assumiu o papel de protagonista e foi, sem dúvida, o ponto alto da trama.


Núcleo foi o ponto alto da trama
 

Falando da menina Bia, não entendi até agora como ela passou nos testes da Globo. Por vezes tive a impressão que ela era muda, tamanha sua apatia. Teve poucas palavras e expressões na novela. Provavelmente uma boneca poderia representar a sua personagem sem problema algum.

Em contrapartida, diante de uma atriz mirim inexpressiva, tivemos como oposto o promissor Vitor Figueiredo, intérprete de Ivan. O garoto tem jeito pra coisa. Extrovertido, desinibido e cativante. Fez as cenas dramáticas no tom certo com alto teor de veracidade.

Alcoolismo

Manoel Carlos sempre coloca em suas tramas problemas da sociedade. Mas, de uma forma inédita (quanta criatividade), ele trouxe o alcoolismo para mais uma de suas obras. Assunto tratado em seus últimos folhetins: “Viver a Vida” (2009), “Páginas da Vida” (2006) e “Mulheres Apaixonadas” (2003).

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A história de Felipe (Thiago Mendonça) não se desenvolveu e não saiu como o esperado. A quantidade de histórias paralelas fez Maneco se perder nas páginas do roteiro e o alcoolismo ficou sem norte e não rendeu o que se esperava.

Sem classificação

Fico na dúvida se considero o problema de Selma (Ana Beatriz Nogueira), mãe de Laerte, como um drama ou comédia. Com surtos de cleptomaníaca, um possível princípio de Mal de Alzheimer, e falando com gente que já morreu (Itamar, seu falecido marido), não há como diagnosticá-la. Teve bons momentos, mas é mais um dos assuntos que o autor não soube tratar.

Aliás, Ana Beatriz Nogueira tem 46 anos, mais velha que a ex-mulher de seu filho, Helena Ranaldi, com 48. Mas é claro, não temos que nos apegar à idade, já disse Manoel Carlos. Mas fica registrado a título de curiosidade.

Assassinato de Laerte: surpresa e surrealismo

Agora chegou a vez de falar da grande “surpresa” do desfecho de “Em Família”.

O grande “choque” veio com a notícia de que Lívia (Louise D’Tuani) mataria Laerte. Não há alguma explicação verdadeiramente convincente que me faça acreditar neste roteiro. Barbárie.

Lívia beijou Laerte duas vezes, e embora sempre tenha dito o quanto era difícil ficar ao lado do flautista por ser uma paixão não correspondida, nada justifica o devaneio do autor em colocá-la como assassina. Quase todos os outros personagens da novela teriam mais motivos pra matá-lo.

Sem saber o que fazer com a história em mãos, Manoel Carlos optou por um desfecho pouco provável fugindo do entendimento de quem assistiu à novela. Se essa foi sua intenção, deixar o telespectador confuso ou irritado... Conseguiu.

Falta de criatividade

Em suas novelas, Manoel Carlos geralmente opta por fins óbvios com seus personagens, e “Em Família” não fugiu à regra. A maestria que tem normalmente para desenvolver histórias, o mesmo não se pode dizer na hora de terminá-las. É todo mundo casando e tendo filhos felizes para sempre... Poucas surpresas.

Apesar dos pesares, de um folhetim repleto de falhas na sua condução e por muitas vezes repetitivo, nada vai apagar a história de Manoel Carlos na televisão, que foi dono de tramas memoráveis e inesquecíveis.


Contatos do colunista: thiagoforato@natelinha.com.br - Twitter: @Forato_

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