Entrevista exclusiva

Antônio Calmon, autor de sucessos, descarta volta à TV: "Meu tempo por lá acabou"

“Hoje todo mundo diz que criou Armação Ilimitada. E nem mencionam meu nome”; veterano também fala sobre futuro das novelas, abuso de drogas e amores que serão narrados em livro

"Minhas novelas começaram a perder o meu tom e, consequentemente, a audiência", diz Antônio Calmon - Foto: Acervo pessoal
Por Walter Felix

Publicado em 14/07/2025 às 05:00:00,
atualizado em 14/07/2025 às 10:55:56

Antônio Calmon é categórico ao ser questionado sobre um possível retorno à TV: “Um homem precisa conhecer suas limitações”. O veterano – criador de sucessos como Armação Ilimitada, Top Model e Vamp – completa 80 anos em outubro e descarta a hipótese de voltar a escrever para a televisão. Em entrevista exclusiva ao NaTelinha, ele fala abertamente sobre assuntos variados, como o futuro das novelas e os problemas de saúde que enfrenta atualmente, relacionados à idade e ao consumo de drogas no passado.

“Sempre gostei muito do ator Clint Eastwood. Apesar de ser um republicano escroto, reacionário, racista, ele é uma figura icônica do cinema, e eu adorava o policial Dirty Harry, que ele fez em alguns filmes. Sempre que matava algum bandido ou desafeto, ele dizia: ‘A man must know his limitations’ (‘Um homem precisa conhecer suas limitações’). Isso é uma espécie de lema para mim. Em relação à televisão e à Globo, acho que o meu tempo por lá acabou.”

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Diretor e roteirista de dezenas de filmes entre os anos 1970 e 1980 – incluindo policiais, pornochanchadas e aventuras juvenis –, Antônio Calmon estreou na TV na equipe de criação do seriado Armação Ilimitada (1985). A série fez história pela linguagem moderna, ágil como nos videoclipes, e pelos temas mais ousados, ligados à “geração saúde”, como ficou conhecida a juventude carioca da época.

Malu Mader em Top Model; Ney Latorraca em Vamp; Caio Blat em Um Anjo Caiu do Céu; Tarcísio Meira em O Beijo do Vampiro - Fotos: Divulgação/Globo

O estilo se estendeu a nove novelas nas décadas seguintes, todas exibidas às 19h, com forte apelo infantojuvenil, irreverência e, por vezes, histórias sobrenaturais. Entre as próprias criações, as preferidas do autor são:

Calmon aponta que a carreira na TV entrou em declínio quando seu universo criativo começou a ser cerceado. “Houve um momento em que começaram a pedir de mim o que, naquela época, eu chamava de ‘novelhas’. Ou seja, novelas tradicionais, clássicas. E aí desmoronou todo o meu parque de atrações.”

“Comecei a escrever novelas como Começar de Novo (2004), que nem título eu pude escolher, ou Três Irmãs (2008), única sinopse que aceitaram entre várias que apresentei. Aquilo ali não era a minha praia. Resultado: merda. Minhas novelas começaram a perder o meu tom e, consequentemente, a audiência.”

Na TV, além das tramas já citadas, ele assinou Olho no Olho (1993), Cara e Coroa (1995) e Corpo Dourado (1998); as minisséries A, E, I, O... Urca (1990) e Sex Appeal (1993); e as séries Tarcísio & Glória (1988), A Justiceira (1997), Mulher (1998) e Na Forma da Lei (2010), seu último trabalho na TV.

Giovanna Antonelli, Carolina Dieckmann e Claudia Abreu em Três Irmãs - Foto: Divulgação/Globo

Nos anos seguintes, Calmon desenvolveu projetos que não foram adiante. No período fora do ar, ao apresentar uma criação a seu estilo, ouviu que o surf, recorrente em sua obra, já estaria sendo explorado por outro autor. “Eu sabia que o fulano nunca tinha colocado a bunda na areia da praia”, ironiza. O contrato com a Globo chegou ao fim em 2019 e não foi renovado, após mais de 30 anos na emissora.

“Eu já tinha dado para a Globo a contribuição que eu podia dar. Não guardo rancores, porque servi a um propósito e porque o que eu fiz está lá. Saí na hora que eu tinha que sair. Sofri um pouquinho, mas não demais. Posso ter implicância com um ou outro executivo daquela época, mas eu devo à Globo e a Globo deve a mim. Como dizem os mafiosos nos filmes americanos, ‘I don’t shit where I eat’. Ou seja, não faço cocô onde eu como.”

Antônio Calmon

“Resolveram assumir uma ‘autoria’ do Armação Ilimitada. Isso é muito para dois surfistas meio descerebrados”

Armação Ilimitada, que fez verdadeira revolução na TV, completou 40 anos de estreia em julho, quando foi disponibilizada no Globoplay. A série marcou a entrada de Antônio Calmon para a televisão, convidado pela notoriedade alcançada no cinema, principalmente após Menino do Rio (1982). “Consegui dar emoção àquele filme para não ser só uma babaquice sobre surf, sal, sol, praia, essas merdas”, resume.

“É engraçado que hoje em dia todo mundo diz que criou o Armação Ilimitada. E nem mencionam o meu nome! Nem acho que é um problema de reconhecimento, é um problema de grana, por causa dos direitos de autor.”

Antônio Calmon

Os atores Kadu Moliterno e André De Biase desejavam estar à frente de um programa voltado para o surf. Então diretor da Globo, Daniel Filho chamou Antônio Calmon, Euclydes Marinho, Guel Arraes, Nelson Motta e Patrycia Travassos para compor uma turma de mentes modernas da época. Outros nomes somaram à equipe de criação posteriormente.

“O Guel Arraes é um grande diretor, mas, como todos os grandes diretores, ele acha que é o dono do pedaço. Sempre tem essa coisa entre o diretor e o autor. O diretor não é um bonequinho do autor, nem o autor está a serviço do diretor. Claro que há aqueles que simplesmente fazem o que o outro manda, mas nem sou um autor qualquer nem o Guel é um diretor qualquer.”

Kadu Moliterno e André De Biase na série Armação Ilimitada - Foto: Divulgação/Globo

Na história, os surfistas Juba (Kadu Moliterno) e Lula (André De Biase) viviam de bicos e topavam qualquer tipo de desafio: de competições esportivas radicais a cenas arriscadas como dublês de anúncios. Eles dividiam tudo, até a namorada, a jornalista Zelda Scott (Andréa Beltrão). O menino órfão Bacana (Jonas Torres) vai morar com o trio, formando uma família pouco convencional.

Recentemente, em meio à celebração dos 40 anos de estreia da série, um filme foi anunciado, ainda em fase de captação. Com direção de Pedro Amorim, terá Kadu Moliterno, André De Biase e Jonas Torres reprisando seus papéis. As filmagens acontecerão em Florianópolis.

“Ultimamente, os dois surfistas resolveram assumir uma ‘autoria’ do Armação Ilimitada. Eles só tiveram a ideia original de um programa com eles dois. Agora, dizem que também são os autores. Tá na cara que não sabem o que é ser autor.”

Antônio Calmon

Calmon defende: “O programa foi ao ar por quatro anos e se destacou internacionalmente por uma linguagem absolutamente inovadora, criativa e moderna. Acho que isso é muito para dois surfistas meio descerebrados… Tanto que, quando o Armação implodiu diante dos olhos estupefatos do pessoal da Globo, eles tentaram fazer um novo programa, Juba & Lula, que durou três meses, mal e porcamente”.

“Demorei a aceitar a velhice e a cuidar de mim. Tenho um longo histórico como usuário de drogas”

Antônio Calmon começou a carreira como assistente de direção no Cinema Novo - Foto: Reprodução

Desde 2020, Antônio Calmon enfrenta problemas de saúde. O contexto faz com que o veterano, mesmo bastante lúcido, descarte criar uma nova novela, série ou filme. “Voltar à TV, nem morto! Voltar ao cinema, não dá mais, já era! Um filme é uma aventura, um safari, você tem que ter uma estamina muito grande. Sei das minhas limitações.”

No cinema, ele foi assistente de direção de Terra em Transe (1967) e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), clássicos do Cinema Novo, ambos de Glauber Rocha (1939-1981). E dirigiu ele mesmo filmes como Eu Matei Lúcio Flávio (1979), Menino do Rio (1982) e Garota Dourada (1983).

O objetivo, agora, é terminar um livro baseado em amores que teve ao longo de oito décadas. “Subitamente, uma nova onda de criatividade está voltando para mim.”

“Quando fiquei inválido em uma cama, há quatro ou cinco anos, meu grande plano de vida era acabar meu livro, uma espécie de autobiografia, digamos, da minha vida amorosa. É sobre várias histórias de amor que eu vivi, entre centenas. É um livro sentimental e erótico.”

Antônio Calmon

Segundo o escritor, as atuais limitações físicas estão relacionadas ao avanço da idade e ao abuso de substâncias ao longo da vida. “Demorei a aceitar a velhice e a cuidar de mim. Nunca fui dependente do álcool, ao qual sempre tive pouca tolerância. Em compensação, tenho um longo histórico como usuário de drogas. Experimentei todas, rigorosamente todas, menos as plebeias, como crack e ice.”

“Não me arrependo. Aprendi com algumas. Outras só me fizeram perder tempo, saliva e sono. Ou me libertaram da carapaça de um artista burguês, que fala de coisas que nunca viu nem viveu. Como a fome, perigos, aventuras e as injustiças que se cometem contra negros, pardos, índios e todo o povo pobre. Com eles dividi comida, abrigo e encontrei amigos e amores.”

Ele acrescenta: “Não me venham cobrar posicionamentos políticos. Não faço há muito o modelito ‘esquerda’ de coquetéis ou almoços elegantes, onde o único ‘povo’ são as negras se azafamando na cozinha e os garçons pardos servindo dondocas”.

“Pois bem, fui drogado, mas nunca viciado. Largava uma e pulava para outra, sem hesitar, até a pior de todas: o cigarro. Nunca parei de trabalhar, desde os 16 anos. Até que todas acabaram e eu encarei a depressão. Depois veio tudo ladeira abaixo.”

Antônio Calmon

“Finalmente, acho que as feridas todas cicatrizaram, e voltei a ver novelas”

Antônio Calmon em registro recente - Foto: Acervo pessoal

As limitações físicas fizeram de Antônio Calmon um telespectador assíduo nos últimos anos. Ao contrário de outros veteranos, ele poupa as críticas e faz elogios às produções recentes. “Finalmente, acho que as feridas todas cicatrizaram, e voltei a ver novelas”, diz.

“Em minha vida sedentária, preso a uma cama, é evidente que eu consumo muita televisão. Filmes, principalmente, de todos os tipos e de todas épocas. Aos poucos, comecei a ver seriados, alguns muito bons, principalmente os ingleses, que são os melhores que existem, e os clássicos americanos. Vi praticamente todas as últimas novelas da Globo. Gostei de Garota do Momento e estou gostando de Dona de Mim.”

Calmon também está ligado nas últimas reviravoltas do remake de Vale Tudo, atual cartaz das 21h que divide opiniões. Ele sai em defesa da autora Manuela Dias, responsável pela adaptação do clássico que foi ao ar entre 1988 e 1989, criado por Gilberto Braga (1945-2021), Aguinaldo Silva e Leonor Bassères (1926-2004).

“Vejo uma tentativa de linchamento de Vale Tudo e dessa moça tão corajosa, que eu admiro tanto. De repente, na internet, nos podcasts, o que tinha de ‘menina malvada’ falando mal, dizendo horrores… Não dá para levar a sério! Gosto muito da novela, aliás. Todos os possíveis erros são creditados a ela [Manuela Dias]. Ninguém nunca assumiu, nas minhas novelas que não foram bem, a responsabilidade. Nunca! E foram nessas novelas que mais meteram a mão e que eu perdi mais o controle.”

“Sempre briguei muito com a crítica. O meu ídolo, falecido, MC Kevin chamava com muita razão de ‘criticantes’. Existem grandes críticos, que escreveram livros e conhecem profundamente o que falam. Ao se colocar na posição de crítico, presume-se que você saiba mais do que o próprio artista. E é simplesmente ridículo que as pessoas se coloquem nessa posição para mim, por exemplo, que sou uma pessoa inteligente, culta e muito bom profissional.”

Antônio Calmon

Responsável por uma renovação no gênero nos anos 1980, Calmon vê um longo futuro para as novelas. Ele acredita que o formato se reinventa ao apostar na maior representatividade racial e “aceitar a cara verdadeira do povo brasileiro”.

“Gosto muito das novelas atuais da Globo. O rádio não continua? O cinema não continua? A novela nunca vai acabar, porque é um psicodrama da família e, agora, finalmente foi ampliada para a verdadeira família brasileira. O Brasil é o país onde há mais miscigenação, e finalmente estamos vendo isso na televisão. Garanto mais 50 ou 100 anos pela frente agora que a novela representa os lares brasileiros, miscigenados como nós somos.”

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