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Pioneira, Ruth de Souza relembra preconceito com atores negros

Em entrevista exclusiva, atriz de 94 anos fala sobre sua carreira


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Fotos: Divulgação

Ruth de Souza pode ser considerada uma artista que fez a diferença na história do teatro e da televisão. Em 1945, ela foi a primeira atriz negra do Brasil a pisar em um palco. Na ocasião, esteve em "O Imperador Jones", no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, abrindo caminho para que outros atores negros trilhassem sua história artisticamente, assim como ela.

Na TV, trabalhou nas emissoras Tupi, TV Excelsior e Globo, se tornando a primeira atriz negra a ser protagonista de uma novela, em "A Cabana do Pai Tomás", de 1969.

Sobre esta ocasião, em entrevista exclusiva ao NaTelinha, Ruth lembra que atrizes brancas reclamaram do nome de uma negra estar aparecendo na frente das demais. "Na época algumas atrizes brancas reclamaram que meu nome estava na frente do delas na abertura. Eu disse que se quisessem mudar poderiam, mas o público iria reclamar", contou.

No entanto, ela nega que tenha tido alguma luta contra o racismo no Brasil. "Eu sinceramente não lutei", revela Ruth, aos 94 anos, bradando que sempre sonhou em ser atriz.

Neste bate-papo com o repórter Sandro Nascimento por telefone, Ruth de Souza relembra momentos da carreira, de quando começou e fala de outros atores negros como Taís Araújo e Lázaro Ramos, que diz sentir muito orgulho.

A veterana também fala de José Bonifácio de Oliveira, o Boni, com muito carinho: "O Boni foi maravilhoso, não sei porque ele saiu da Globo".

Seu último trabalho na TV foi em 2010, na série "Na Forma da Lei". Atualmente, fica em casa por causa de problemas nas pernas, mas segue contratada da Globo.

A carreira de Ruth de Souza foi contada no livro "Uma Estrela Negra no Teatro Brasileiro: Relações Raciais e de Gênero nas Memórias de Ruth de Souza", de autoria de Julio Claudio da Silva. A obra foi lançada no dia 25 de setembro.

Nesta entrevista, ela também fala sobre o livro.

Confira:

NaTelinha - Está saindo um livro com as memórias da sua carreira. O que a senhora sente ao contar um pouco da sua história aos 94 anos?

Ruth de Souza -
O trabalho do Claudio foi maravilhoso, porque ele contou a história da minha carreira até  1956, mas também contando o que acontecia politicamente no país. Foi uma pesquisa maravilhosa que ele fez e eu estou muito contente com isso. Acontece que estou muito cansada, com problemas nas pernas, não estar andando e isso dificulta muito. Eu trabalhei demais, tá na hora de eu descansar. E eu gosto muito da minha carreira, pra mim meu trabalho é como se fosse uma terapia, você tem seus problemas e sobe no palco eles ficam do lado de fora. Estou muito orgulhosa do que eu fiz.

A nossa profissão é muito ingrata. Hoje você faz sucesso amanhã não, você tem trabalho e amanhã não. Isso é tudo mundo, branco e negro. Então eu acho que Deus foi generoso comigo porque desde que comecei nunca parei.


NaTelinha - Aqui no Brasil muita gente procura a arte buscando a fama, mas na época da senhora não existia isso. Buscavam a profissão...

Ruth de Souza -
Hoje qualquer um fica famoso... A carreira do ator não é fácil.


NaTelinha - A senhora é uma das primeiras contratadas da Globo...    

Ruth de Souza -
Comecei em 1969.

NaTelinha - Acha que o Boni faz falta na Globo?

Ruth de Souza -
O Boni foi maravilhoso, não sei porque ele saiu. Gosto muito dele. Sou muito grata a ele. Sou muita grata a Globo, os diretores sempre foram muito gentis, os autores como Janete Clair, Dias Gomes, Benedito Rui Barbosa e a Glória Perez... São pessoas que tenho carinho. Eles deram várias oportunidades melhores para os atores negros. Não ficou só no escravo, empregada doméstica, motorista e o menino trombadinha.

Mas hoje melhorou, em todas as novelas da Globo tem 2 ou 3 atores negros trabalhando. Fico muito feliz com isso porque vejo que está abrindo mais. Outra coisa que observei também que depois que Barack Obama virou presidente dos Estados Unidos, onde matavam os negros porque olhava o branco, melhorou muito o tratamento do negro aqui também.

O preconceito aqui no Brasil é uma besteira, todo mundo aqui é misturado, ninguém pode dizer que é branco total.


NaTelinha - A Taís Araújo ajudou nessa quebra de paradigma?

Ruth de Souza -
Acontece é o seguinte, a Taís e o Lázaro Ramos estão me dando muito orgulho.  Torço muito por eles. Outros atores que destaco são Zezeh Barbosa, Antonia Ornela e Cris Vianna, que estão começando e são ótimas atrizes. Muitas vezes eu arrisquei meu emprego na Globo por reclamar de não ter negros nas novelas.

Uma vez fizemos uma novela que tinha que ter o céu com todo mundo de branco, até cavalo branco. Eu perguntei: “Não tem negro no céu não?” Uma outra vez, tinha uma figuração de estudantes e não tinha nenhum negro ou mulato. Questionando ao produtor ele me disse que a novela tem que contar a verdade. Eu respondi: "Verdade? Já teve um homem que sai  formiga pela nariz, já teve mulher que explodiu e outro que virou lobisomen. Por que não vai ter negro?".

Mas acho que hoje está abrindo mais. Estão colocando até negros como intelectuais, antigamente achavam que éramos inferiores.


NaTelinha - A senhora se arrepende de algo?

Ruth de Souza -
Eu não me arrependo de nada. Eu agradeço a Deus pela continuidade do trabalho. Sempre fiz boas novelas, bons papeis, ganhei prêmios no cinema, ganhei prêmios no teatro e na televisão tive uma carreira contínua, não parei nunca. Isso para o ator é maravilhoso. Terminar um contrato aqui e tinha outro contrato ali.

NaTelinha - Nesse tempo todo que a senhora fez televisão, por alguns momentos, sentiu esse tipo de preconceito com negros?

Ruth de Souza -
Olha, eu sempre fui consciente de que era difícil. Quando o ator Sérgio Cardoso fez a novela "A Cabana do Pai Tomás", eu era sua esposa, eu era a primeira atriz (protagonista). Na época algumas atrizes brancas reclamaram que meu nome estava na frente do delas na abertura. Eu disse que se quisessem mudar poderiam, mas o público iria reclamar.


NaTelinha - O seu maior legado é sua luta pela igualdade de direitos?

Ruth de Souza -
Eu sinceramente não lutei. Eu entrei para o teatro porque queria ser atriz. Ali eu percebi com Abdias Nascimento que tinha fundado o teatro - Teatro Experimental do Negro, que na época se reunia na UNE (União Nacional dos Estudantes). O grupo fora criado por Abdias do Nascimento, na intenção de propor uma nova dramaturgia e valorizar os atores afrodescendentes) - para provar que nós, os negros, poderíamos ser atores. Eu também tive apoio de gente maravilhosa como Nelson Rodrigues, Jorge Amado e Vinicius de Moraes.


NaTelinha - Qual o seu trabalho que destacaria na televisão?

Ruth de Souza -
Muitos trabalham bons com Janete Clair e Dias Gomes sempre deram bons papeis para atores negros. A Glória Perez trabalhava com a Janete Clair, ia pelo mesmo caminho sempre dava bons papeis e tem o Benedito Rui Barbosa que é maravilhoso também.

NaTelinha - Como a senhora se descreveria?

Ruth de Souza -
É difícil a gente descrever a si própria, mas eu diria que sou maravilhosa (risos).

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