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De calouros a funkeiros: o estranho caso de Raul Gil

Estação NT


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Divulgação/SBT

Os ternos bem moldados, a voz grave e as piadas que parecem saídas diretamente dos almoços entre parentes, fazem de Raul Gil o avô da televisão brasileira, em contraste com outros apresentadores veteranos, como Faustão, Ratinho e Silvio Santos, que frequentemente debandam para o escracho.

Mas nem sempre foi assim, especialmente para a geração que cresceu alimentada nos finais de semana pelos programas de auditório em todos os canais abertos.

Com 50 anos de carreira e uma trajetória que inclui TV Tupi, Manchete, Record, Band e SBT, Raul Gil apresentou nesta última por seis anos o “Programa Raul Gil” nos sábados à tarde, e anunciou a sua saída no último dia 11, uma decisão direta do patrão, o próprio Silvio. Mas essa despedida acontecerá apenas em fevereiro, após um acordo feito nesta semana.

Na década de 90, o apresentador se movia pelo cenário genérico da Record junto com todas as características citadas acima (os ternos, a voz), e acompanhado pela sua dupla inseparável de jurados (Marly Marley e José Messias, já falecidos). São desta mesma época o concurso dos dançarinos infantis do “É o Tchan” (que chocou a família brasileira) e os quadros do banquinho e “Para quem você tira o chapéu?”, que se tornaram sua marca registrada.

Em boa parte dos anos 2000, aqueceu a audiência da Record e depois, a da Band com a retomada da fórmula do show de calouros, mas desta vez, com candidatos que chegavam a cantar ópera no palco, muito antes de programas como “The Voice”. Porém, a fórmula se desgastou, levando o avô televisivo a mergulhar no lucrativo mercado dos cantores gospel, e finalmente, no SBT, investiu nos youtubers, nos funkeiros e nas entrevistas “polêmicas” com famosos.

Tantas reviravoltas e mudanças de emissora revelam o lado camaleão de Raul Gil, que muitas vezes se destacava em meio ao seu estilo antigo de apresentar: referências a Deus e à família, a cantoria de boleros, as gracinhas com a plateia e com os convidados infantis. Por outro viés, o apresentador exibia uma capacidade de reinvenção que, se era bem-vinda, também causava estranheza.

Nos últimos tempos, era visível o seu desconforto dividindo o palco com jovens saídos da internet ou dos bailes da periferia, em uma espécie de “Esquenta” malsucedido. O concurso de mini dançarinos de axé fazia o telespectador se questionar o porquê daquilo, mesmo na loucura televisiva dos anos 90.

O fim de mais este capítulo da carreira de Raul Gil, conduzida por décadas pelo seu filho Raulzinho, empresário e diretor, evidencia o processo de transição da TV brasileira, no qual velhos nomes dão lugar aos mais novos, seja em idade ou em fama. Se a sua contratação pela RedeTV! se confirmar, é possível que este veterano dance conforme a música, como fez em toda a sua jornada.

Ou Raul Gil será um dinossauro midiático ou vai se tornar um João Kléber de mais idade, misturando no estúdio alhos com bugalhos? Apenas o Ibope e o controle remoto responderão.


Ariane Fabreti é colunista do NaTelinha. Formada em Publicidade e em Letras, adora TV desde que se conhece por gente. Escreve sobre o assunto há sete anos.

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